quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Ausência e Aparência (ou a felicidade sem lembranças)


Que vivemos um tempo de aparência, não há dúvidas. E de sensação de ausência, que alguns traduzem como vazio existencial, também. Ausência de quê?. De algo que jamais tivemos e que, ainda assim, nos roubaram. Perdemos o sentido de um projeto histórico de emancipação e felicidade, e passamos a viver de uma imediatidade de estímulos e respostas, identificada erradamente desde os iluministas com o hedonismo. Tudo que não somos é hedonistas, não cultuamos o prazer como objetivo de vida nem a vida como meta do prazer. Cultivamos o sofrimento, a angústia que se expressa nessa falta e nessa instantaneidade dos sentidos que nos obrigam a parecer o que não somos, um projeto simulado para que uns jurados igualmente ocos, simulacros de pessoas que fingem o que (não) são, nos aceitem.
As relações pessoais estão dominadas por esse jogo de gato e rato. Escondemos uns dos outros o que não temos e, todavia, mostramos o que tampouco possuímos. O olhar – e principalmente a impressão dos outros – é uma tirania diária contra a qual não nos rebelamos, porque somos, nós próprios, tiranos dos demais. Somos os hipermodernos, como diz Gilles Lipovetsky, que substituíram as palavras pelo hipertexto, os vínculos pelo hiperlink, o afeto pelo hiperconsumo (e pelo desconsolo). Somos hiper-quase-tudo com pouco ou nada realmente a dar ou a receber.
Diferentemente do que pensa Lipovetsky, porém, não creio que se foi o tempo do teatro da ostentação social. Estou mais com Bauman, quando afirma, em “A Arte da Vida”, que continuamos a competir pela aparência e por uma efêmera superioridade estética. Em alguns de nós, a vitória sobre os nossos julgadores é a felicidade que nos basta e é dada pelo consumo e pela forma, socialmente reconhecidos como diferenciados e diferenciadores, pouco importando a sua produção ou o conteúdo.
O “socialmente”, aqui, está reduzido a um grupo que é também reconhecido, pelos réus ou autores (os polos se confundem), como sendo integrado por “distintos julgadores” - da aparência. Uma plateia seleta a um narciso complexado. Para outros de nós (o nós dos outros), entretanto, não se faz necessário que se passe fisicamente pelo julgamento dessa classe iluminada pela passarela invisível (e inexistente) da moda da existência. A imaginação já traz ao páreo a sociedade de consumidores. Nesses casos, basta que se compre. No ato de comprar, consuma-se o desfile e o esbanjamento. Mas também, esgota-se o prazer.
Esse quadro, do capitalismo das redes ou do hipercapital, nos mostra como zumbis de gente e deboches de agentes morais (aliás, o deboche do alheio é a forma preferida de esconder-nos das nossas próprias fraquezas). Economicamente, é ainda mais cruel, pois, como diz ainda Bauman, a felicidade do consumo leva à contradição sem saída “de uma sociedade que estabelece para todos os membros um padrão de felicidade que a maioria destes ‘todos’ é incapaz de alcançar” (p. 38). A maioria, não, ninguém. A menos que aceitemos como certa a felicidade do absurdo e da carência. A aparência e o vazio como a felicidade (impossível) de nossos dias.
PS - Ao reler o texto, dei-me conta de que a tentação desse prazer de fachada, desse desejo de poder sem poder e de imitar o inimitável, por mérito, ou o vulgar, por roteiro do que no fundo é supérfluo e pura despeita, não tem nada de novo. Freud, há muito, já dizia que “é difícil escapar à impressão de que em geral as pessoas usam medidas falsas, de que buscam poder, sucesso e riqueza para si mesmas e admiram aqueles que os têm, subestimando os autênticos valores da vida” (p. 1). Com um agravante hoje: quem os tem não os tem, se é que os tivera algum dia, os valores mais autênticos da vida. Sobram só o aparente e a ausência do que jamais tivemos e, para piorar, nos roubaram, vai ver que num shopping center entre mim e você. Estamos sós e competindo pelo prazer insensível de hedonistas de araque.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A miséria dos intelectuais

Os intelectuais, via de regra, são muito vaidosos e donos da verdade. Há muitas explicações para esse comportamento. Algumas claramente freudianas. Outras, nem tanto. Prefiro evitar comparações ou tomada de partido. Arrisco, porém, observar um fenômeno curioso que ocorre a um grande número deles: a sedução pelo poder ou, o que pode dar no mesmo, pelos poderosos, mesmo que alguns sejam por eles solenemente ignorados.


Platão foi quase em serviçal de Dionísio de Siracusa. Na condição de preceptor de seu filho, passou por poucas e boas. Maquiavel se esqueceu de seu projeto de um bom governo, para devotar carinho e O Príncipe à casa dos Médici. Grócio também trocou seu ideário republicano pelas cortes do absolutismo francês. Rousseau e seu desafeto Voltaire dependiam de favores da elite parisiense para frequentarem os salões e as festas. Claro que, vez ou outra, sobretudo Voltaire ironizava aqueles que o incluíam nas listas de convidados. Pobre compensação.


Hegel saudou efusivamente Napoleão, quando as tropas francesas invadiram a Prússia. Era sinal de manifestação do espírito absoluto ou de puro oportunismo? Há divergências, embora, por comodidade, prefira a primeira versão. Schmitt e Heidegger bajularam as autoridades nazistas. Não se limitaram a dar apenas apoio às ideias e ao projeto de poder. Sartre teria padecido do mesmo mal em relação a Mao e a Stalin. 

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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Entre o belo e o feio


Entre o belo e o feio, há infinitas possibilidades. A depender de quem vê e de onde se vê. E do estado de consciência, por que não? O curioso é que os signos e padrões de beleza (ou feiura) são frutos de convenções nem sempre bem compreendidos e quase sempre associados a poder ou status. 

Pense no significado social dos cabelos longos nos homens. Ainda hoje, para muitos, é sinal de feminilidade. Para poucos - ou muitos dos que os usam - um signo de rebeldia ou de simples identidade. Entre cultos e incultos. 

Para Hegel, por exemplo, uma farta cabeleira era sinal de debilidade do organismo, um atributo de selvageria... continue a ler aqui

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Fanatismo religioso e manipulação política


Há muitos lugares-comuns, muito interesse e muita coisa escondida na discussão sobre o choque das civilizações e no combate ao fanatismo religioso, simbolizado por grupos como Al-Qaeda e Talebans. 

As dicotomias do tipo sociedade horizontal e sociedade vertical, autoridade e liberdade são associadas frequentemente a uma necessidade de reconhecimento da supremacia das segundas sobre as primeiras, do Ocidente sobre o Oriente, na melhor das hipóteses, por meio do diálogo de culturas. 

Em relação ao Oriente Médio, o código binário, todavia, é mais grave e perigoso com a ênfase que é dada à solução militar da “embate civilizatório", traduzido, principalmente, na luta contra o terrorismo "transnacional" islâmico. O resultado é mais conflito, mais incompreensão e mais violência.

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O Estado de direito é terreiro da máfia?


Saiu há menos de um mês na França, pela editora Gallimard, um livro que nos ajuda a refletir sobre as relações ambíguas entre as organizações criminosas e o Estado de direito. Trata-se da obra do professor de história do direito das Universidades Paris VIII e Roma III, Jacques de Saint-Victor, com o título “Un pouvoir invisible: Les mafias et la société démocratique (XIXe-XXIe siècles) [Um poder invisível: As mafias e a sociedade democrática (séculos XIX-XX)]”.

O Estado de direito não admite conceitualmente a existência de tais organizações, mas, na prática, acaba por fazer concessões que, se não as estimulam, pelo menos, impedem que as forças institucionais as extingam. Complicada a tese? Não, se imaginarmos que o Estado de direito se desenvolve com a democracia e o capitalismo. Então, o regime político e o sistema econômico dominantes é que são as causas do problema? Em termos.


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