sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Os 7 erros da Suprema Corte dos Estados Unidos

A fiscalização jurisdicional de constitucionalidade é o procedimento de exame pelos tribunais da legitimidade constitucional das normas jurídicas. Normas aprovadas pelos representantes populares podem ser invalidadas pelos juízes. Objeto de críticas por seu caráter contramajoritário, esse instrumento passou a ser adotado pelos diversos sistemas constitucionais como mecanismo de freios e contrapesos. E como forma de garantia da supremacia da Constituição. Há quem o defenda como a peça mais importante da engenharia constitucional. Os juízes seriam os principais tutores das liberdades e das minorias. Mas e quando os juízes erram? Quando são mais freios do que contrapesos? Não raro isso ocorre. A Suprema Corte dos Estados Unidos, onde primeiro se desenvolveu a fiscalização e é referência obrigatória em seu estudo, errou feio em pelos menos sete oportunidades.
Dred Scott v. Sandford (1857): Dred Scott era um escravo que estava sendo processado por declarar-se livre em 1846. Em sua defesa, Scott alegou que, como seu dono o havia levado para um território livre dos EUA, devia ele também ser livre, nos termos do Compromisso do Missouri, firmado pelo governo federal. No entanto, a Corte decidiu que as pessoas de ascendência africana não eram cidadãs dos Estados Unidos, de modo que ele não tinha legitimidade para ser parte num processo judicial. Ademais, o governo federal não podia liberar escravos, conforme a Quinta Emenda, sendo, portanto, inconstitucional o Compromisso do Missouri. Na decisão, a Suprema Corte declarou que os Pais Fundadores pensavam que os negros eram "seres de uma classe inferior e completamente impróprios para estabelecer relações sociais ou políticas com a raça branca. Eram tão inferiores que não tinham direitos que os homem branco fosse obrigado a respeitar." A decisão foi tão polêmica que o Justice Benjamin Curtis, um dos dois dissidentes, renunciou ao cargo, tornando-se até hoje o único juiz da Suprema Corte a renunciar por uma questão de princípio.

Plessy v. Ferguson (1896): Nos anos seguintes à Reconstrução, o ex-estados confederados começaram a aprovar leis Jim Crow (Jim Crow laws). Diziam que a igualdade entre negros e brancos não era violada - para alguns até mais bem efetividade - pela separação social entre eles. Em Louisiana, uma dessas leis determinava que os vagões dos trens fossem separados por cor. Homer Plessy deixou-se conscientemente ser utilizado como instrumento de protesto contra a lei. Ele era um homem de cor branca, mas tinha uma bisavó negra. Sob a Lei da Louisiana, deveria ser rotulado como "colorido". Ao ingressar no comboio de brancos, foi pedido que se retirasse. Como se recusou, foi preso. O caso subiu à mais alta instância do país. A Suprema Corte, no entanto, decidiu, por 7 a 1, que o estado de Louisiana não violara os direitos Plessy, notadamente porque todos os vagões do trem tinham as instalações iguais. A doutrina dos "iguais, mas separados" durou até 1954 com a sua derrubada em Brown v. Board of Education.

Schenck v. United States (1919): Charles Schenk era o secretário do Partido Socialista e caiu na tentação de enviar panfletos contrários à guerra para os alistáveis durante o Primeiro Grande Conflito Mundial. Foi condenado, por isso, com base na Lei da Espionagem de 1917. Ele, no entanto, recorreu da decisão, argumentando que a lei violava a liberdade expressão, garantida pela Primeira Emenda. Surpreendentemente, a Suprema Corte decidiu por unanimidade que os escritos Schenk representavam um perigo claro e efetivo para as forças armadas por prejudicar seus esforços de recrutamento. Na decisão, o Chief Justice Oliver Wendell Holmes disse que a Primeira Emenda assumia um papel secundário em tempos de guerra, afirmando que "quando uma nação está em guerra muitas coisas que podem ser ditas em tempos de paz são um obstáculo tão grande aos seus esforços de luta que nenhum tribunal pode considerá-las protegidas por um direito constitucional".

Korematsu v. United States (1944): Fred Korematsu era um cidadão dos EUA de ascendência japonesa que vivia na Califórnia. Sua vida começou a mudar quando sobreveio a ordem de ser recolhido a um campo de internamento durante a Segunda Guerra Mundial. Em vista de sua recusa a obedecê-la, foi preso e condenado, embora a sua lealdade aos EUA nunca tenha sido questionada. O problema era sua ascendência. A Suprema Corte decidiu contra ele, afirmando que a segurança nacional era mais importante que os direitos individuais. Num voto dissidente, o Justice Frank Murphy afirmou:

"Está em jogo a legalização do racismo. A discriminação racial em qualquer forma e em qualquer grau não se justifica em nosso modo de vida democrático. Ela pode ser atraente em outras nações, mas é absolutamente revoltante para um povo livre (...). Todos os habitantes dos Estados Unidos são parentes de alguma forma, pelo sangue ou cultura, dos cidadãos de outros países. (...). Devem, portanto, ser tratados em todos os momentos como os herdeiros da experiência americana e como titulares de todos os direitos e liberdades garantidos pela Constituição".
Roth v. United States (1957
):
Quando Samuel Roth foi acusado de violar a lei federal, por ter enviado fotos nuas e contos eróticos para seus leitores, ele levou o caso até a Suprema Corte, dizendo que a lei violava a Primeira Emenda. Em uma decisão por 6 a 3, o tribunal procurou redefinir o sentido de obscenidade, até então amplo demais. O que foi bom, se não tivesse dito, por outro lado, que a ela não estava protegida pela Constituição. Resultado: o sentido da palavra continuou indeterminado e, agora, sem a proteção constitucional. Reconhecendo o perigo potencial na decisão, o Chief Justice Earl Warren afirmou, em seu voto concorrente, que a "linguagem vaga usada aqui pode vir a ser aplicada às artes e ciências e à liberdade de comunicação em geral."

Bush v. Gore (2000): Problemas na apuração das eleições para presidente dos Estados Unidos na Flórida levaram a Suprema Corte do Estado a determinar a recontagem dos votos. Dados oficiais apontavam a vitória de George W. Bush com a vantagem de apenas 1.784 votos (ou 0,5%), enquanto levantamentos paralelos indicavam Al Gore como vitorioso. A suspeita aumentou com a recontagem automática, realizada eletronicamente, conforme determinava a lei eleitoral da Flórida. A vantagem foi reduzida para 327 eleitores. A Corte estadual determinou a recontagem manual dos votos em vários distritos. O prazo legal para a declaração do resultado tinha sido superado sem que a contagem tivesse encerrado. O Secretário de Estado da Flórida decretou, então, a vitória do Republicano em 26/11/2000. Em 8/12/2000, a Corte estadual, por 4 a 3, determinou nova recontagem manual, dessa vez, em todos os distritos para, no dia seguinte, a Suprema Corte dos Estados Unidos, por 5 a 4, revê-la. Os juízes estaduais teriam violado a cláusula da igual proteção, pois diversas contagens e métodos haviam sido determinados, não havendo um critério alternativo que superasse o impasse a tempo de declarar o resultado das eleições. A incerteza de quem governaria o país era mais grave do que eventual (e mínimo) erro da apuração. Para os críticos, os juízes que haviam sido nomeados pelo Bush-pai haviam garantido a vitória do Bush-filho. No tapetão.

Kelo v. City of New London (2005): Susette Kelo era uma proprietária de um bairro decadente de New London, Connecticut. O governo local planejava renovar a área com a edificação de um condomínio de luxo, com o objetivo de atrair os empregados da Pfizer. Kelo - como seus vizinhos - não estava incluída nos planos e, claro, recusou-se a vender o seu imóvel. A cidade de New London, usando o princípio do domínio eminente, desapropriou-o e o repassou aos responsáveis pelo projeto imobiliário. A Suprema Corte decidiu, entretanto, que o governo detinha esse poder, porque o empreendimento se destinava a uma finalidade pública. Em seu dissenso, juiz Clarence Thomas lamentou a decisão:

"Permitir ao governo tomar a propriedade para fins exclusivamente públicos é ruim, mas o alargamento do conceito de utilidade pública para abranger qualquer propósito de benefício econômico é pior, pois possibilitará que essas perdas recaiam de maneira desproporcional sobre as comunidades mais pobres".

Se os legisladores erram, os juízes podem também errar. Quando aqueles se equivocam há sempre estes para reparar. Mas e quando os próprios juízes erram? Diremos sempre: há sempre o povo, fonte de todo poder, para corrigir. Os legisladores podem desafiar a decisão da Corte com novas leis ou mudanças constitucionais, pois são representantes do povo. Mas, então, para que servirá o controle de constitucionalidade? Apenas um obstáculo a mais no processo deliberativo? E as minorias e os direitos fundamentais como ficam? Eis o principal dilema da teoria constitucional.

Um comentário:

meilin disse...

"E as minorias e os direitos fundamentais como ficam? Eis o principal dilema da teoria constitucional."
Na verdade a engenharia constitucional possui conceito de caráter contramajoritário."Quando são mais freios do que contrapeso?"
Acho preocupante tribunais em tempos de guerra.(Schenck v.USA(1919.
Concentro minha preocupação na criação de novos conceitos numa sociedade narcisista,acha "feio tudo que não é espelho".Perde-se com frequência a noção do público e privado.Foi criado em uma escola de samba do Rio um banheiro GLS.
O Rio será palco e canteiro de obras generalizadas,o que vai predominar na hora da desapropriações?(Kelo v.London(2005)
Sei que teremos muitos dilemas pela frente,podemos olhar para os erros e tentarmos evita-los.