domingo, 26 de dezembro de 2010

Termidores e Whigs

No pensamento constitucional, tende-se a chamar de constitucionalismo whig (ou para alguns termidoriano) o processo de mudança de regime político-constitucional lento e evolutivo, mais que revolucionário e radical. É o mote das chamadas transições constitucionais de nossos dias. Há quem identifique nesse modelo uma ideologia conservadora de mudanças sociais. Tanto por inspiração inglesa (fonte do constitucionalismo evolutivo dos whigs), quanto francesa (de onde vem a noção do Termidor).
Para os historiadores, a reação termidoriana é a fase de algumas revoluções em que o poder passa das mãos da liderança revolucionária e de um regime radical para grupos mais conservadores que adotam uma linha política que se distancia das propostas originais, chegando mesmo a retomar valores e premissas pré-revolucionários. A expressão tem origem na Revolução Francesa, quando o Comitê de Salvação Pública determinou a execução de Robespierre, Saint-Just e de outros líderes do Reino do Terror. Pôs-se fim à fase mais radical da Revolução. Seus líderes foram Paul Barras, Jean Lambert Tallien e Joseph Fouché (H.G,Brown. 2002, p. 24). Leon Trotsky, em seu livro A Revolução Traída, refere-se à ascensão de Stalin ao poder como a reação termidoriana soviética (p. 96 et seq).

A Suprema Corte dos EUA caminha para a esquerda?

A Suprema Corte dos Estados Unidos foi dominada, nas duas últimas décadas, pelos conservadores, liderados por Antonin Scalia. O quadro se consolidou quando o então presidente George W. Bush reforçou ala do tribunal com a nomeação dos juízes John G. Roberts Jr. e Samuel A. Alito Jr. As recentes nomeações feitas pelo presidente Obama para o tribunal, Sonia Sotomayor e Elena Kagan, parecem ter mudado o cenário. Um caso que tende a comprovar essa mudança foi o da superlotação carcerária. Três juízes federais da Califórnia haviam determinado a liberação de cerca de 40.000 prisioneiros por faltar-lhes espaços nos presídios. O advogado do Estado recorreu e, na sustentação oral, chamou a decisão de "extraordinária e sem precedentes", além de ser "extremamente prematura" porque ao Estado não fora dado tempo suficiente para resolver o problema. Mas Sotomayor logo o interrompeu: "Lentidão mais da retórica", disse ela, descrevendo em seguida a história da superlotação das prisões do Estado. Kagan, no mesmo sentido, dissera que a Califórnia passara anos brigando com os juízes sem, no entanto, adotar providências para resolver o problema. O argumento das duas convenceu Ruth Bader Ginsburg e Stephen G. Breyer. Ginsburg afastou o argumento de prematuridade. "Quanto tempo mais temos que esperar?" , perguntou ela. "Mais 20 anos?" Breyer lamentou as condições das prisões, qualificando-as de "horrendas."
É claro que nem sempre estão do lado do pensamento liberal como sucedeu no caso de restrição dos direitos dos presos (Miranda's rights). E nem sempre andam juntas nas decisões. Têm, aliás, estilos diversos. Sotomayor é mais elétrica e cheia de gestos que impressionam a plateia. É eloquente e incisiva. Domina e corta a palavra. Uma espécie de Scalia de saias no jeito de agir. Kagan é mais contida e conciliadora. Procura se relacionar com os colegas mesmo fora dos eventos jurídicos. Entretanto, as duas tendem a dar uma feição mais liberal à Corte, vista, por vezes, como a mais conservadora ou, pelo menos, a mais moderada dos últimos tempos.

STF: Vaga perenizada

Suprema Vacância

No dia em que Dilma Rousseff receber a faixa presidencial, o STF atingirá o recorde de 154 dias sem a formação completa. A demora na indicação do substituto de Eros Grau, aposentado em agosto, em muito supera o hiato de 57 dias entre a saída de Nelson Jobim e a entrada de Cármen Lúcia, em 2006. Em seus dois mandatos, Lula escolheu oito ministros. Em quatro anos, Dilma deverá nomear, além do sucessor de Eros, os de Cezar Peluso e Ayres Britto, que se aposentam em 2012. Isso se não for aprovada a "PEC da Bengala", que eleva de 70 para 75 anos o limite de idade para os membros da Corte.

Dilma terá a chance de indicar outros ministros ao Supremo em caso de aposentadorias voluntárias, como se especula que possa acontecer com Celso de Mello, decano da Corte, e Ellen Gracie. Há ainda as fortes dores nas costas de Joaquim Barbosa, que ameaçam tornar inviável a permanência do relator da ação penal do mensalão. O ministro nega essa hipótese.

Demora para nomear ministro do Supremo aproxima Lula de Floriano Peixoto (R7)

A redução do quorum de ministros do STF a um número par provocou um dos mais graves impasses da história da mais alta corte do país. Foi a divisão do Supremo em duas partes matematicamente iguais que levou à indefinição da posição da corte na questão da aplicação da Lei da Ficha Limpa, que ainda persiste. A situação ganhou contornos ainda mais dramáticos, por tratar de matéria de grande repercussão política. Ficou na mão do presidente dar a última palavra na decisão do Supremo, já que caberá ao ministro que ele indicar dar o voto que desempatará a questão.

Mas não é a primeira vez que um presidente da República tira proveito do privilégio de ser o autor da indicação dos ministros do Supremo. Em 1893, o presidente de plantão, marechal Floriano Peixoto, contrariado com as decisões do Supremo, acabou inviabilizando o seu funcionamento ao deixar de promover as indicações das vagas que iam se abrindo. As diferenças entre Executivo e Judiciário ficaram patenteadas numa frase atribuída a Floriano que ficaria célebre:

- Se os juízes concederem Habeas Corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará o Habeas Corpus que, por sua vez, irão necessitar. Ao final de 1893, um terço dos 15 postos de ministros do Supremo estavam vazios e a corte teve de suspender as sessões por falta de quorum.

Uma outra peculiaridade contribuiu para que o Executivo inviabilizasse o funcionamento do Supremo. O presidente e o vice da corte, na época, tomavam posse perante o presidente da República. Além disso, o procurador-geral da República era nomeado pelo presidente, que escolhia um nome dentre os ministros da corte. Como o presidente não recebia nenhum ministro em audiência, a casa ficou sem direção.

A crise envolvendo Executivo e Judiciário, acabou estendendo-se ao Legislativo. Em 1893, Floriano Peixoto indicou cinco nomes para o Supremo. Dois deles eram generais do Exército, um era o médico Cândido Barata Ribeiro, que chegou a assumir o posto e atuou na corte durante 10 meses. Mas ao fim e ao cabo, todos foram rejeitados. Na sessão que rejeitou o nome de Barata Ribeiro, o argumento dos senadores, defendido por João Barbalho Uchoa Cavalcanti, representante de Pernambuco, era que o candidato não tinha a formação jurídica exigida pela Constituição. O texto constitucional de 1891, reza em seu artigo 56 que o tribunal compor-se-a de 15 juízes entre cidadãos de notável sabe. Para os senadores, notável saber era saber jurídico.

Barata Ribeiro, que era médico, tinha notável saber jurídico, como mostram os pedidos de Habeas Corpus que despachou nos meses em que esteve na corte. O relator de sua rejeição, senador Uchoa Cavalcanti haveria de assumir ele próprio uma vaga no Supremo quatro anos depois. Superada a crise, Floriano Peixoto volta a nomear a partir de 1894. Em seus quatro anos no poder, nomeia nada menos que 15 ministros para o Supremo.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Os 7 erros da Suprema Corte dos Estados Unidos

A fiscalização jurisdicional de constitucionalidade é o procedimento de exame pelos tribunais da legitimidade constitucional das normas jurídicas. Normas aprovadas pelos representantes populares podem ser invalidadas pelos juízes. Objeto de críticas por seu caráter contramajoritário, esse instrumento passou a ser adotado pelos diversos sistemas constitucionais como mecanismo de freios e contrapesos. E como forma de garantia da supremacia da Constituição. Há quem o defenda como a peça mais importante da engenharia constitucional. Os juízes seriam os principais tutores das liberdades e das minorias. Mas e quando os juízes erram? Quando são mais freios do que contrapesos? Não raro isso ocorre. A Suprema Corte dos Estados Unidos, onde primeiro se desenvolveu a fiscalização e é referência obrigatória em seu estudo, errou feio em pelos menos sete oportunidades.
Dred Scott v. Sandford (1857): Dred Scott era um escravo que estava sendo processado por declarar-se livre em 1846. Em sua defesa, Scott alegou que, como seu dono o havia levado para um território livre dos EUA, devia ele também ser livre, nos termos do Compromisso do Missouri, firmado pelo governo federal. No entanto, a Corte decidiu que as pessoas de ascendência africana não eram cidadãs dos Estados Unidos, de modo que ele não tinha legitimidade para ser parte num processo judicial. Ademais, o governo federal não podia liberar escravos, conforme a Quinta Emenda, sendo, portanto, inconstitucional o Compromisso do Missouri. Na decisão, a Suprema Corte declarou que os Pais Fundadores pensavam que os negros eram "seres de uma classe inferior e completamente impróprios para estabelecer relações sociais ou políticas com a raça branca. Eram tão inferiores que não tinham direitos que os homem branco fosse obrigado a respeitar." A decisão foi tão polêmica que o Justice Benjamin Curtis, um dos dois dissidentes, renunciou ao cargo, tornando-se até hoje o único juiz da Suprema Corte a renunciar por uma questão de princípio.

Plessy v. Ferguson (1896): Nos anos seguintes à Reconstrução, o ex-estados confederados começaram a aprovar leis Jim Crow (Jim Crow laws). Diziam que a igualdade entre negros e brancos não era violada - para alguns até mais bem efetividade - pela separação social entre eles. Em Louisiana, uma dessas leis determinava que os vagões dos trens fossem separados por cor. Homer Plessy deixou-se conscientemente ser utilizado como instrumento de protesto contra a lei. Ele era um homem de cor branca, mas tinha uma bisavó negra. Sob a Lei da Louisiana, deveria ser rotulado como "colorido". Ao ingressar no comboio de brancos, foi pedido que se retirasse. Como se recusou, foi preso. O caso subiu à mais alta instância do país. A Suprema Corte, no entanto, decidiu, por 7 a 1, que o estado de Louisiana não violara os direitos Plessy, notadamente porque todos os vagões do trem tinham as instalações iguais. A doutrina dos "iguais, mas separados" durou até 1954 com a sua derrubada em Brown v. Board of Education.

Schenck v. United States (1919): Charles Schenk era o secretário do Partido Socialista e caiu na tentação de enviar panfletos contrários à guerra para os alistáveis durante o Primeiro Grande Conflito Mundial. Foi condenado, por isso, com base na Lei da Espionagem de 1917. Ele, no entanto, recorreu da decisão, argumentando que a lei violava a liberdade expressão, garantida pela Primeira Emenda. Surpreendentemente, a Suprema Corte decidiu por unanimidade que os escritos Schenk representavam um perigo claro e efetivo para as forças armadas por prejudicar seus esforços de recrutamento. Na decisão, o Chief Justice Oliver Wendell Holmes disse que a Primeira Emenda assumia um papel secundário em tempos de guerra, afirmando que "quando uma nação está em guerra muitas coisas que podem ser ditas em tempos de paz são um obstáculo tão grande aos seus esforços de luta que nenhum tribunal pode considerá-las protegidas por um direito constitucional".

Korematsu v. United States (1944): Fred Korematsu era um cidadão dos EUA de ascendência japonesa que vivia na Califórnia. Sua vida começou a mudar quando sobreveio a ordem de ser recolhido a um campo de internamento durante a Segunda Guerra Mundial. Em vista de sua recusa a obedecê-la, foi preso e condenado, embora a sua lealdade aos EUA nunca tenha sido questionada. O problema era sua ascendência. A Suprema Corte decidiu contra ele, afirmando que a segurança nacional era mais importante que os direitos individuais. Num voto dissidente, o Justice Frank Murphy afirmou:

"Está em jogo a legalização do racismo. A discriminação racial em qualquer forma e em qualquer grau não se justifica em nosso modo de vida democrático. Ela pode ser atraente em outras nações, mas é absolutamente revoltante para um povo livre (...). Todos os habitantes dos Estados Unidos são parentes de alguma forma, pelo sangue ou cultura, dos cidadãos de outros países. (...). Devem, portanto, ser tratados em todos os momentos como os herdeiros da experiência americana e como titulares de todos os direitos e liberdades garantidos pela Constituição".
Roth v. United States (1957
):
Quando Samuel Roth foi acusado de violar a lei federal, por ter enviado fotos nuas e contos eróticos para seus leitores, ele levou o caso até a Suprema Corte, dizendo que a lei violava a Primeira Emenda. Em uma decisão por 6 a 3, o tribunal procurou redefinir o sentido de obscenidade, até então amplo demais. O que foi bom, se não tivesse dito, por outro lado, que a ela não estava protegida pela Constituição. Resultado: o sentido da palavra continuou indeterminado e, agora, sem a proteção constitucional. Reconhecendo o perigo potencial na decisão, o Chief Justice Earl Warren afirmou, em seu voto concorrente, que a "linguagem vaga usada aqui pode vir a ser aplicada às artes e ciências e à liberdade de comunicação em geral."

Bush v. Gore (2000): Problemas na apuração das eleições para presidente dos Estados Unidos na Flórida levaram a Suprema Corte do Estado a determinar a recontagem dos votos. Dados oficiais apontavam a vitória de George W. Bush com a vantagem de apenas 1.784 votos (ou 0,5%), enquanto levantamentos paralelos indicavam Al Gore como vitorioso. A suspeita aumentou com a recontagem automática, realizada eletronicamente, conforme determinava a lei eleitoral da Flórida. A vantagem foi reduzida para 327 eleitores. A Corte estadual determinou a recontagem manual dos votos em vários distritos. O prazo legal para a declaração do resultado tinha sido superado sem que a contagem tivesse encerrado. O Secretário de Estado da Flórida decretou, então, a vitória do Republicano em 26/11/2000. Em 8/12/2000, a Corte estadual, por 4 a 3, determinou nova recontagem manual, dessa vez, em todos os distritos para, no dia seguinte, a Suprema Corte dos Estados Unidos, por 5 a 4, revê-la. Os juízes estaduais teriam violado a cláusula da igual proteção, pois diversas contagens e métodos haviam sido determinados, não havendo um critério alternativo que superasse o impasse a tempo de declarar o resultado das eleições. A incerteza de quem governaria o país era mais grave do que eventual (e mínimo) erro da apuração. Para os críticos, os juízes que haviam sido nomeados pelo Bush-pai haviam garantido a vitória do Bush-filho. No tapetão.

Kelo v. City of New London (2005): Susette Kelo era uma proprietária de um bairro decadente de New London, Connecticut. O governo local planejava renovar a área com a edificação de um condomínio de luxo, com o objetivo de atrair os empregados da Pfizer. Kelo - como seus vizinhos - não estava incluída nos planos e, claro, recusou-se a vender o seu imóvel. A cidade de New London, usando o princípio do domínio eminente, desapropriou-o e o repassou aos responsáveis pelo projeto imobiliário. A Suprema Corte decidiu, entretanto, que o governo detinha esse poder, porque o empreendimento se destinava a uma finalidade pública. Em seu dissenso, juiz Clarence Thomas lamentou a decisão:

"Permitir ao governo tomar a propriedade para fins exclusivamente públicos é ruim, mas o alargamento do conceito de utilidade pública para abranger qualquer propósito de benefício econômico é pior, pois possibilitará que essas perdas recaiam de maneira desproporcional sobre as comunidades mais pobres".

Se os legisladores erram, os juízes podem também errar. Quando aqueles se equivocam há sempre estes para reparar. Mas e quando os próprios juízes erram? Diremos sempre: há sempre o povo, fonte de todo poder, para corrigir. Os legisladores podem desafiar a decisão da Corte com novas leis ou mudanças constitucionais, pois são representantes do povo. Mas, então, para que servirá o controle de constitucionalidade? Apenas um obstáculo a mais no processo deliberativo? E as minorias e os direitos fundamentais como ficam? Eis o principal dilema da teoria constitucional.

ìndice de democracia do EIU

O Brasil ficou na 47ª colocação no 'Índice de Democracia 2010', em estudo feito pelo Economist Intelligence Unit, vinculado à revista "The Economist". O estudo procura medir o índice de democracia dos governos de 165 países, com base nos processos eleitorais, na cultura política e nas liberdades civis.
Em 2008, o Brasil era o 41º colocado. Agora, ele é enquadrado na categoria de democracia imperfeita. Na América Latina, apenas o Uruguai aparece como "democracia plena". Venezuela, Equador e Bolívia são classificados como "regimes híbridos",
A pesquisa agrupou os países em quatro tipos de regimes: democracias plenas (26), democracias imperfeitas (53), regimes híbridos (33) e regimes autoritários (55).

O relatório indica que apenas 12,3% da população mundial vive em democracias plenas. Viveríamos um tempo de "recessão democrática",