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quarta-feira, 19 de junho de 2013

Passe Livre: A Lógica de Benjamin

Temos sangue correndo nas veias. Pode até faltar um pouco de orientação. Sangue perdido nas cruzadas do corpo, emulando o que vem de fora. Pode até carecer de ferro. Anêmico que seja, o “Movimento Passe Livre” revela que, por trás do comodismo e do temor reverencial, pode existir um povo rebelde.

Povo é palavra plurissignificativa. Referir-se a povo assim genericamente poderia ser um pecado etimológico e político. Esses que vão às ruas em algumas capitais do País por R$ 0,20 de aumento dos ônibus, você escuta dizer, não passam de baderneiros inconsequentes, vândalos irresponsáveis. O povo, povo mesmo, está com os governos estaduais e federal. As pesquisas estão aí para provar.

Ainda que essa fosse a leitura mais acertada, a reação contra os manifestantes (ou arruaceiros, que sejam), desencadeada pela Polícia Militar, notadamente a paulista, mas também a candanga (a mostrar que é apartidária) tem sido exagerada.

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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Resposta autoritária: reduzir os poderes da Corte Constitucional. O caso húngaro


O governo húngaro propôs, no início de fevereiro de 2013, emenda constitucional  (T/9929) que visa restringir os poderes da Corte Constitucional, principalmente no tocante à fiscalização de constitucionalidade das leis. Há um dispositivo ainda mais complicado: impede a interpretação de artigos da Constituição  de 2012 que use entendimento firmado com base na Constituição pretérita (de 1949 com as emendas de 1989).

Esta nova Constituição tem sofrido sérias críticas pelo seu conservadorismo e caráter autoritário. A tentativa de reduzir as competências da CC, inclusive do uso de sua jurisprudência firmada nos últimos vinte anos, é mais um sério atentado à democracia constitucional daquele país.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O Estado de direito é terreiro da máfia?


Saiu há menos de um mês na França, pela editora Gallimard, um livro que nos ajuda a refletir sobre as relações ambíguas entre as organizações criminosas e o Estado de direito. Trata-se da obra do professor de história do direito das Universidades Paris VIII e Roma III, Jacques de Saint-Victor, com o título “Un pouvoir invisible: Les mafias et la société démocratique (XIXe-XXIe siècles) [Um poder invisível: As mafias e a sociedade democrática (séculos XIX-XX)]”.

O Estado de direito não admite conceitualmente a existência de tais organizações, mas, na prática, acaba por fazer concessões que, se não as estimulam, pelo menos, impedem que as forças institucionais as extingam. Complicada a tese? Não, se imaginarmos que o Estado de direito se desenvolve com a democracia e o capitalismo. Então, o regime político e o sistema econômico dominantes é que são as causas do problema? Em termos.


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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Essa política de cada dia


A política nos atravessa como algo inevitável, mais que um braço ou um olho. Ser apolítico é ser político de algum modo. Costumamos pensar a política como tarefa de partido. Mas me refiro à política como algo mais abrangente, como esfera de decisão coletiva que, por isso mesmo, nos afeta nas pequenas coisas que fazemos. Aristotélico demais? Talvez.

Não acredito como o Filósofo que a felicidade esteja na vida ativa, nos domínios da política. Ser cidadão virtuoso (quase um pleonasmo), para ele, era o que bastava para a vida digna e feliz. Nem penso em algo tão complexo e intangível como a felicidade. Creio, entretanto, que a política está em nossas vidas como o ar ou o sangue, este que circula em nossas veias.

Muitos fogem da político como do diabo... continue a ler aqui

terça-feira, 15 de maio de 2012

Capitalismo e democracia


A Modernidade produziu muitas ambiguidades a pretexto de construir ou pensar um mundo puramente cartesiano. Gerou, no esforço de objetivação, razão sem razão, emoção reprimida, paixões desqualificadas que se reacenderam do recalque e confusão em formas predatórias de manejo dos recursos naturais e, claro, dos potenciais humanos. E formas totalitárias de poder. 

O primado religioso, adotado por Kant, de que o ser humano não há de ser meio, mas apenas fim, passou a decantar a moralidade e ecoa sempre que a dignidade humana é chamada a prestar contas do seu significado e proteção. 

Mas, ao mesmo tempo, triunfou com os Modernos um sistema econômico que se vale dos seres humanos como instrumento de seus fins: o trabalhador e o consumidor a serviço do lucro. Imaginou-se evitar ou, pelo menos, compensar essa manipulação, por meio da legalidade, ungida pela democracia.  

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sábado, 28 de abril de 2012

STF: Imprensa e Eleições


O rádio e a televisão, por constituírem serviços públicos, dependentes de “outorga” do Estado e prestados mediante a utilização de um bem público (espectro de radiofrequências), têm um dever que não se estende à mídia escrita: o dever da imparcialidade ou da equidistância perante os candidatos. Imparcialidade, porém, que não significa ausência de opinião ou de crítica jornalística. Equidistância que apenas veda às emissoras de rádio e televisão encamparem, ou então repudiarem, essa ou aquela candidatura a cargo político-eletivo.
Suspensão de eficácia do inciso II do art. 45 da Lei 9.504/1997 e, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo, incluídos pela Lei 12.034/2009. Os dispositivos legais não se voltam, propriamente, para aquilo que o TSE vê como imperativo de imparcialidade das emissoras de rádio e televisão. Visa a coibir um estilo peculiar de fazer imprensa: aquele que se utiliza da trucagem, da montagem ou de outros recursos de áudio e vídeo como técnicas de expressão da crítica jornalística, em especial os programas humorísticos. 
Suspensão de eficácia da expressão “ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes”, contida no inciso III do art. 45 da Lei 9.504/1997. Apenas se estará diante de uma conduta vedada quando a crítica ou matéria jornalísticas venham a descambar para a propaganda política, passando nitidamente a favorecer uma das partes na disputa eleitoral. Hipótese a ser avaliada em cada caso concreto. 
ADI- MC-REF  4451/ DF

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Internet: direito e risco

O acesso à internet é um direito humano, de acordo com um relatório das Nações Unidas divulgado no último 30 de abril. Direito de todos e para todos.
"Dado que a Internet se tornou uma ferramenta indispensável para a realização de uma gama de direitos humanos, para o combate à desigualdade e para acelerar o desenvolvimento e progresso humanos, a garantia do acesso universal à Internet deve ser uma prioridade para todos os estados". É a observação do relatório, intitulado "sobre a promoção e a proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão." Frank La Rue, designado "relator especial das Nações Unidas", foi quem o apresentou.
O documento ressalta que a internet é um dos instrumentos mais poderosos do século XXI para aumentar a transparência dos governos, difusão do conhecimento e informação e para facilitar a participação ativa das pessoas na construção de sociedades democráticas. Lembra, por exemplo, da recente onda de manifestações em países de todo o Oriente Médio e Norte Africano, como poderia ter mencionado o movimento dos indignados espanhóis, a demonstrar o papel fundamental que a internet pode desempenhar na mobilização da população para pedir justiça, igualdade e maior respeito pelos direitos humanos. O relatório critica a adoção por alguns países de criminalização da manifestação de pensamento pela internet, violando a obrigação internacional dos Estados de respeito aos direitos humanos. A pretexto de proteger a honra das pessoas, a segurança nacional e o combate ao terrorismo, tais leis são usadas, na prática, como forma de censura e controle da opinião pública.

O direito humano ao acesso à internet certamente sofre limitação de recursos para plena efetivação. Por isso, é mais que um direito de defesa, é um direito de prestação continuada. Como explica o relatório:

Dado que o acesso a produtos básicos como a eletricidade ainda é difícil em muitos Estados em desenvolvimento, o Relator Especial tem plena consciência de que o acesso universal à Internet para todos os indivíduos em todo o mundo não pode ser alcançado instantaneamente.
No entanto, o Relator Especial recorda a todos os Estados a sua obrigação positiva de promover ou facilitar o exercício do direito à liberdade de expressão e aos meios necessários para exercer esse direito, incluindo a Internet.
Assim, os Estados devem adotar políticas eficazes e concretas, bem como estratégias - desenvolvidas em consulta com os indivíduos de todos os segmentos da sociedade, incluindo o setor privado, bem como ministérios governamentais relevantes - para tornar a Internet amplamente disponível, acessível e disponível a todos.
Não há dúvida de que a internet é um poderoso meio de comunicação social. Seu uso tem propiciado mudanças importantes nas formas de interação humana e mesmo de fazer política. É possível que seus impactos em longo prazo sejam ainda mais significativos. Impactos de natureza antropológica, social e, evidentemente, política. Algo que se assemelhe à abertura das mentes induzida pelas grandes navegações do século XV e XVI.
Pode acontecer de os próprios Estados e as organizações internacionais perderem, pelo menos, parte do poder que hoje possuem. A capacidade cada vez maior de grandes conglomerados como Google, Apple e Facebook acumularem informações privadas e públicas, espionando silenciosamente a vida e os perfis pessoais, pode anunciar um outro arranjo de forças e organização social num futuro próximo. Claro que a comunidade internacional deve lutar pelo acesso universal e igualitário aos meios internáuticos. Entretanto, a preocupação com a saúde democrática do mundo deve também ser a sua tônica, sob pena de acordarmos tarde demais.
Leia o documento da ONU aqui

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Índice do Estado de Direito

O World Justice Project (WJP) divulgou, na semana passada, seu primeiro Rule of Law Index, um relatório de medição do grau de efetividade do Estado de Direito em 35 países.
O índice define "Estado de Direito" em torno de quatro "princípios universais":
1. O governo e os demais agentes públicos são responsáveis e submetidos a controles jurídicos;
2. As leis são claras, públicas, estáveis e justas, protegendo os direitos fundamentais, inclusive a segurança pessoal e o patrimônio;
3. O processo pelo qual as leis são aprovadas, executadas e aplicadas é acessível, justo e eficiente;
4. Acesso à justiça é promovido por juízes, procuradores, representantes e serventuários competentes, independentes e éticos, existentes em número e com recursos suficientes, refletindo, ademais, a composição das comunidades a que servem.
O índice mede o "Estado de Direito" por meio de dez fatores:
1. Governo de poderes efetivamente limitados (pela Constituição, pela legislatura, pelo judiciário, por auditores independentes. Penalização dos agentes governamentais que praticarem desvio de conduta; liberdade de opinião e expressão; vinculação ao direito internacional e sucessão no poder de acordo com o direito). Destaques: Suécia e Holanda.
2. Ausência de corrupção (agentes públicos e políticos não pedem ou recebem subornos nem praticam alcance, exercendo suas funções sem influências "impróprias"). Destaques: Suécia e Holanda.
3. Leis claras, públicas e estáveis (as normas são escritas de modo compreensível ao público, sendo publicadas e acessíveis facilmente, gozando de estabilidade).
Destaques: Suécia e Holanda.
4. Garantias de ordem e segurança (os crimes são efetivamente controlados; os conflitos civis, limitados, sem que os indivíduos recorram à violência para resolvê-los). Destaques: Cingapura e Japão.
5. Respeito aos direitos Fundamentais (garantia e efetividade dos direitos fundamentais, designadamente a igualdade, a vida e segurança pessoal, o devido processo legal e os direitos do acusado, as liberdades de opinião, de expressão, de crença e religião, de reunião e associação, bem assim a liberdade contra a interferência arbitrária na esfera privada e os direitos trabalhistas fundamentais). Destaques: Áustria e Suécia.
6. Transparência do governo e sua abertura à participação popular (processo administrativo aberto à participação pública; os projetos de lei e de regulamentos estão disponíveis ao público; as informações oficiais são razoavelmente acessíveis). Destaques: Suécia e Holanda.
7. Garantias da administração pública (regulamentos e normas administrativas são eficazes, aplicando-se sem influências "impróprias" e seguindo o devido processo, inclusive nas desapropriações que devem ser acompanhadas de adequada indenização).
Destaques: Suécia e Holanda.
8. Garantias da justiça civil (justiça civil imparcial, sem influências "impróprias", rápida, eficaz e acessível a todos).Destaques: Cingapura e Suécia.
9. Garantias da justiça penal (investigações eficazes, julgamentos céleres e efetivos, sistema correicional redutor de comportamento criminoso; sistema de justiça criminal imparcial, livre de influências "impróprias" e garantidor do devido processo legal). Destaques: Áustria e Japão.
10. Garantias de uma justiça informal, quando existente, a exemplo de cortes religiosas e tribais, célere, efetiva, imparcial, livre de influências "impróprias" e protetora dos direitos fundamentais.
Lamentavelmente o Brasil não foi considerado no estudo. Na América Latina, foram examinados Argentina, Bolívia, Colômbia, El Salvador, México, Peru e República Dominicana. Apenas a Argentina e México ficaram na escala média alta entre os países, divididos entre os de nível alto, médio alto, médio baixo e baixo.

terça-feira, 1 de março de 2011

Michel Rosenfeld: Democracia constitucional e Estado de direito

Leia artigo de Michel Rosenfeld sobre a democracia constitucional e as exigências do Estado de direito.
Pontos de destaque:
O ESTADO DE DIREITO: In the broadest terms, the rule of law requires that the state only subject the citizenry to publicly promulgated laws, that the state’s legislative function be separate from the adjudicative function, and that no one within the polity be above the law. The three essential characteristics of modern constitutionalism are limiting the powers of government, adherence to the rule of law, and protection of fundamental rights. In the absence of the rule of law, contemporary constitutional democracy would be impossible. QUE CONSENSO SE PODE ESPERAR NUMA SOCIEDADE PLURALISTA: According to Habermas, the legitimacy of law can be established dialogically through communicative action among persons who recognize one another as equals and who agree to accept as legitimate only those laws to which they would all consent, both to enact as autonomous legislators and to follow as law-abiding citizens. This test allows for reconstruction on the basis of a counterfactual in order to establish the legitimacy of law and is used by Habermas to elaborate and defend his “proceduralist paradigm of law.” I therefore propose to adapt Habermas’ test to account for this key difference. More specifically, I intend to rely on two modifications which somewhat weaken the conditions of legitimacy envisaged by Habermas: 1) I will consider the counterfactual requirement of self-legislation, coupled with willing submission to law, to be satisfied if it can be used to legitimate a rule of law regime taken as a whole without separately legitimating individual laws within that regime and 2) I will construe the requirement of consent more loosely so as to include within it a criterion of reasonableness based on lack of coercion, coupled with the meeting of certain conditions, which make it reasonable to endorse a particular rule of law regime consistent with one’s substantive aims. It follows from these considerations that actual unanimous consent for any meaningful constitutional constraints, let alone for any rule of law regime, seems highly implausible. Actual consent, however, is unnecessary. It is arguably sufficient for purposes of assessing the legitimacy of a rule of law regime to determine whether acceptance of the latter would be reasonably consistent with the diverse agendas of all concerned. RISCOS DE POLITIZAÇÃO DO DIREITO: Furthermore, so long as the line between judicial interpretation and judicial lawmaking remains blurred, there seems to be no cogent way to draw a plausible distinction between the rule of law and politics (p. 1337).
PUBLICIDADE DAS DECISÕES E DAS RAZÕES DE DECIDIR EVITA ABUSOS JUDICIAIS: to the extent that judicial decisions must be made public and the reasons for such decisions revealed in published opinions, the likelihood of blatant judicial abuses seems rather remote (p. 1340). CORREÇÃO DOS EXCESSOS DA MAIORIA E REFORÇAR A DEMOCRACIA: According to this view, the function of the Constitution and of judicial review is to provide the necessary legal basis for a well-functioning democracy. Consistent with this, besides protecting democracy from its traditional enemies, the Constitution is meant to insulate the democratically generated legal order against majoritarian excesses and pathologies. In this context, process based guarantees become part and parcel of the rule of law through imposition of procedural constraints on the generation and application of majority-based legal rules (p.1340)
ROSENFELD, Michel. The Rule of Law and the Legitimacy of Constitutional Democracy". Southern California Law Review, v. 74, 2001, p.1307-1351
Na íntegra aqui

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

ìndice de democracia do EIU

O Brasil ficou na 47ª colocação no 'Índice de Democracia 2010', em estudo feito pelo Economist Intelligence Unit, vinculado à revista "The Economist". O estudo procura medir o índice de democracia dos governos de 165 países, com base nos processos eleitorais, na cultura política e nas liberdades civis.
Em 2008, o Brasil era o 41º colocado. Agora, ele é enquadrado na categoria de democracia imperfeita. Na América Latina, apenas o Uruguai aparece como "democracia plena". Venezuela, Equador e Bolívia são classificados como "regimes híbridos",
A pesquisa agrupou os países em quatro tipos de regimes: democracias plenas (26), democracias imperfeitas (53), regimes híbridos (33) e regimes autoritários (55).

O relatório indica que apenas 12,3% da população mundial vive em democracias plenas. Viveríamos um tempo de "recessão democrática",

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Retratos de uma eleição inacabada

O dinheiro corrompe, a ganância, seu combustível essencial, corrompe muito mais. Os humanistas cívicos italianos do século XV temiam que os mecenas no poder corrompessem o projeto do bem-comum. Naquela época, porém, as vigorosas repúblicas de cidades como Florença e Milão eram governadas apenas pelas famílias tradicionais, não necessariamente as mais ricas. E muitos daqueles humanistas viam nelas, por crença ou conveniência, um celeiro da virtude republicana.
Falava-se em soberania popular, uma verdadeira revolução no pensamento monárquico e teológico reinante, mas povo era um conceito tão restrito, quanto o estatuto civil das mulheres. Até os novos ricos mercadores eram barrados.
O constitucionalismo nasceu, em parte, com essa inspiração. A república seria um processo eletivo do povo sábio, fonte de todo poder e do melhor governo. O dinheiro não haveria de corroer o interesse público, apenas pré-selecionaria os homens capazes de discernimento. Ricos, não precisariam fazer da política um meio de vida.
Foram mais de cem anos para se utilizar a palavra democracia como uma forma universal de soberania popular. Ricos e pobres poderiam votar e ser votados. Todos poderiam ser eleitos. O devido processo eleitoral se imunizaria das influências do poder econômico e político, sem o determinismo da herança ou da consanguinidade.
Mais de cem anos depois daqueles cem anos nos damos conta que as promessas foram quebradas. O dinheiro continua dando as cartas. Ser deputado custa dinheiro, ser senador mais ainda. Ser presidente, nem se fala. As campanhas dos congressistas, há pouco eleitos, receberam oficialmente mais de R$ 800 milhões. Uma pechincha. As empreiteiras ajudaram a eleger mais de 50% deles. Ao campeão dos votos mineiros ao Senado, foram pouco mais de R$ 5 milhões. A agroindústria doou só a Blairo Maggi cerca de R$ 2,1 milhões. Pura benemerência e espírito público.
A polêmica Lei da Ficha Limpa não impediu que, pelo menos 65 parlamentares que respondiam a ações no STF fossem eleitos. Jader Barbalho, como vimos, foi barrado por ela no Supremo. Mas esperam julgamento outros tantos como Paulo Maluf (PP-SP), Natan Donadon (PMDB-RO) e Pedro Henry (PP-MT). Compra de votos, fraudes em licitação e remessas de divisas para o exterior são alguns dos delitos mais comuns das condenações. Mas como cada caso é um caso, sabem-se lá quantos pularão a cerca judiciária.
A hereditariedade, enfim, permanece como fator decisivo dentro de nossa democracia. Muitos campeões de votos levam sobrenomes de tradição. Em Alagoas, o filho do senador Renan Calheiros, Renan Filho, recebeu mais de 140 mil votos e foi eleito deputado federal. Benedito de Lira (PP-AL) elegeu-se senador e fez de seu filho Arthur Lira (PP-AL) deputado federal. Ciro Nogueira (PP-PI) foi para o Senado e a sua mulher, Iracema Portela (PP-PI), para a Câmara de Deputados. Foi o que também fez Romero Jucá (PMDB-RR) e sua ex-mulher Teresa Jucá (PMDB-RR).
Vital Filho (PMDB-PB) e Wilson Santiago (PMDB-PB) seguiram quase o mesmo roteiro, ambos igualmente senadores. Vital ajudou a mãe, Nilda Gondim (PMDB-PB), e Wilson apoiou Wilsinho (PMDB-PB) à conquista de uma vaga na Câmara. Sem mandatos famosos também fizeram sua parte. José Dirceu (PT-SP) e Virgílio Guimarães (PT-MG) contribuiram para que os filhos Zeca Dirceu (PT-PR) e Gabriel Guimarães (PT-MG), respectivamente, fossem eleitos deputados federais. São alguns exemplos apenas.
E ainda há os donos da mídia, aqueles que dominam os meios de comunicação regionais e que são capazes de, em nome da liberdade de imprensa, exercer plenamente a sua liberdade de empresa eleitoral. Notícias filtradas, críticas recolhidas e uma opinião pública sob censura, resultando de tudo uma vontade política deformada. Mas isso discutiremos numa outra vez, num próximo capítulo. Fica, todavia, a chamada: a democracia é um processo, um aprendizado, uma promessa por cumprir-se.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Reportagens Provocantes: EM. Dinheiro doado a candidatos daria para construir 15 mil casas

Brasília – Quinze mil casas populares para abrigar 75 mil pessoas. É o que seria possível construir com o total de doações eleitorais já registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). São R$ 274 milhões, considerando todos os cargos em disputa, de presidente da República a deputado estadual. Desse total, os candidatos já gastaram R$ 162 milhões. A maior parte das despesas foi destinada à publicidade com material impresso, placas, estandartes e faixas. Esses gastos chegam a R$ 58 milhões, o que corresponde a 36% do total. Os impressos superaram até mesmo a produção de programas de rádio e televisão (23,7 milhões), considerada por especialistas como a maior despesa das campanhas. Na era virtual, os tradicionais comícios estão em baixa. Com as limitações impostas pela Lei Eleitoral, consumiram escassos R$ 642 mil em todo o país.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Indicação de livro: Nicolas Sarkozy. The French Media President

O presidente francês Nicolas Sarkozy não precisa possuir seu próprio império midiático para ter a sua imagem bem cuidada nas telas, nos rádios ou nos jornais. Seus amigos fazem por ele. Dois terços de todos os jornais e revistas francesas são de propriedade de amigos íntimos do presidente. Arnaud Lagardère, dono de uma das principais fabricantes de armas do país, é também titular da Hachette que detém a maioria das casas editoriais francesas e uma grande parte da rede de distribuição de livros e revistas. Como chefe de Estado, Sarkozy pode nomear os diretores do serviço público de televisão e rádio. Ele foi recentemente acusado de suprimir a publicidade indesejada na estatal France Télévisions.
Essa é a matéria de que trata o livro "Nicolas Sarkozy. The French Media President" de Heinz Duthel. A democracia contaminada pelo interesse privado não é primazia brasileira.

domingo, 27 de junho de 2010

Jürgen Habermas sobre a democracia deliberativa

Militarismo e democracia

Muito bom o artigo de Ricardo Bonalume Neto, publicado na FSP de 27/6/2010, sob o título "Militarismo e democracia não combinam". Veja um trecho:
Os Estados Unidos da América se tornaram independentes após dura guerra de libertação. Mas seus "pais da pátria" morriam de medo dos líderes militares estarem interessados em tomar o poder. Tiveram sorte com George Washington, que ganhou a guerra e era um general e político eficiente sem sonhos de virar um Napoleão. Os países ao Sul, ao contrário, tiveram longas e desgastantes intervenções militares na sua governança.
Outro período difícil nos EUA foi a Guerra Civil. Mais uma vez surge o risco do militarismo. O presidente Abraham Lincoln driblou problemas políticos, mas tinha dificuldade de achar bons generais. Achou alguns poucos bons, um dos quais -Ulysses Grant- terminou também virando presidente depois.
O medo americano do militarismo fica claro ao se ver o tamanho do Exército comparado ao da Marinha. Na guerras mundiais, a Marinha era uma das maiores do planeta; o Exército estava longe disso. O mesmo acontecia na "pátria-mãe": o Reino Unido tinha então a maior Marinha do planeta e um Exército de parada. Bonito de ver, por sinal, pois, se havia uma Marinha Real, não havia "Exército Real"; reais eram os regimentos, e cada um usava o uniforme de que gostava...
Na Guerra da Coreia, o presidente americano Harry Truman teve de tirar do cargo um general de proporções míticas, Douglas MacArthur, também por insubordinação. Mas como um presidente "comandante em chefe", em geral ignorante de assuntos militares, pode comandar as Forças Armadas? Para isso ele depende do conselho dos militares; mas a decisão política é sua. Voltando às guerras deste século: a maioria não é "convencional", é "assimétrica". Ou seja, mais política que militar.
O general David Petraeus, um dos mais brilhantes da geração, percebeu o óbvio: você não ganha de insurgentes com poder de fogo, e sim protegendo a população. Foi ele quem reescreveu o manual do Exército de anti-insurgência, algo em que não se mexia desde a clássica derrota no gênero, no Vietnã. Resumindo: o fundamental é proteger a população e livrá-la do contato com "bandidos", seja numa favela em Bagdá ou no Rio ou no Haiti, ou na zona rural do Afeganistão. O Brasil tem bom currículo, como já havia demonstrado a eficiente derrota dos guerrilheiros no Araguaia.
Vai dar certo no Afeganistão? Difícil dizer. Os britânicos venceram na Irlanda do Norte com paciência (uns 30 anos!), sem força excessiva, tentando respeitar a lei. Os sírios também venceram com estratégia oposta na cidade de Hama, em 1982: bombardeando e matando.
Claro, essa não é uma opção para uma democracia.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

As mudanças trazidas pela Lei da Ficha Limpa

O Estadão fez um resumo interessante sobre as mudanças trazidas pela Lei da Ficha Limpa:
1. QUEM FICA INELEGÍVEL
Como é hoje: só os condenados com sentença transitada em julgado (sem possibilidade de recurso) ficam inelegíveis.
Como fica: condenação decidida por órgão jurisdicional colegiado deixa o político inelegível. Porém, ele pode recorrer e, se conseguir liminar, poderá inscrever-se na eleição.
2. TEMPO DE INEGIBILIDADE
Como é hoje: o período de inelegibilidade varia de três a oito anos, a depender do crime.
Como fica: o político condenado pela Justiça fica oito anos inelegível.
3. CRIMES PREVISTOS NA LEI
Como é hoje: ficam inelegíveis condenados sem possibilidade de recurso pelos crimes contra economia popular, mercado financeiro, administração pública, fé pública, patrimônio público, tráfico de entorpecentes e crimes eleitorais.
Como fica: além dos crimes já previstos hoje, ficam inelegíveis também os condenados, em decisão de colegiado jurisdicional, por crimes de abuso de autoridade, lavagem ou ocultação de bens; racismo; tortura; terrorismo; crimes hediondos; trabalho escravo; crimes contra a vida; abuso sexual; formação de quadrilha ou bando; ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público; e enriquecimento ilícito.
4. CRIMES PRATICADOS NO EXERCÍCIO DO PODER
Como é hoje: quem tem cargo público na administração pública direta ou indireta e for condenado por abuso de poder econômico ou político fica inelegível por três anos. É comum que as decisões da Justiça saiam no final do mandato de quatro anos do político. Assim, na eleição seguinte, ele pode se reeleger.
Como fica: ficam inelegíveis por oito anos seguintes à decisão.
5. POLÍTICOS QUE RENUNCIAM PARA NÃO SEREM CASSADOS
Como é hoje: o político ameaçado de ser processado e renuncia para não ter o mandato cassado pode se candidatar na eleição seguinte
Como fica: presidente da República, governadores, prefeitos, deputados federais e estaduais, senadores e vereadores que renunciam para não perder o mandato ficam inelegíveis nos oito anos subsequentes.
6. PROFISSIONAIS PROCESSADOS
Como é hoje: o político que tenha sido demitido do cargo profissional por decorrência de infração ética e profissional não tem impedimento para se candidatar.
Como fica: profissional excluído da profissão por infração ética fica inelegível. Funcionários públicos demitidos após processo administrativo ou judicial também. Ainda membros do Ministério Público que tenham perdido o cargo por processo disciplinar ficam fora das eleições.
Para recordar: a Lei da Ficha Limpa foi de iniciativa do povo, tendo sido aprovada às pressas pelo Congresso Nacional por pressão da sociedade civil. Claro que às custas de algumas modificações. O texto original previa, por exemplo, a condenação em primeira instância. A Câmara aprovou emenda que exigia decisão de órgão colegiado. Vale dizer, tribunal.
No Senado, houve uma alteração no tempo verbal de um enunciado que poderá trazer graves consequências. O impedimento de elegibilidade se aplicava aos candidatos que tivessem condenação. Emenda introduzida pelo senador Francisco Dornelles, sob argumento de tornar o texto mais coerente, substituiu "que tenham sido condenados" por candidatos "que forem condenados". Segundo o presidente da CCJ do Senado e relator do projeto, Demóstenes Torres, “Tínhamos, quando o texto chegou [da Câmara], nove disposições das quais quatro tinham a expressão 'os que forem' e quatro com a expressão 'os que tenham sido' – além de uma que não continha nenhuma das duas expressões. Ora, a lei não pode ser aprovada desta forma porque vai dar a impressão, ao julgador, que num caso só se abarcam os casos do futuro, em outros casos só abarcará o passado”. Como o Senado entendeu que a emenda não alterara o sentido da Lei, enviou-a para sanção presidencial.
São, pelo menos, três os problemas que a interpretação da norma lança: a) suas disposições valerão para as eleições de 2010? Sim. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não considera "processo eleitoral", sujeitas à anualidade do artigo constitucional 16, regras sobre registro de candidaturas; b) a mudança do Senado exigia volta do texto à Câmara? Embora tenha, aparentemente, afetado os destinatários da norma, especialmente os condenados em segunda instância, a alteração foi meramente gramatical, sem afetar substancialmente a disciplina legal. Não precisaria mesmo retornar à Câmara; c) apenas os que forem condenados a partir da publicação (ou da sanção, para alguns) da lei ficarão proibidos de candidatar-se? Não. A mudança redacional não pode ser desligada da finalidade normativa e do texto em sua sistematicidade constitucional. Não há violação a situações consolidadas ou retroatividade constitucionalmente vedada. A própria Constituição já determinava que fossem criadas hipóteses de inelegibilidade com base na vida pregressa do candidato, além de reiteradamente prescrever o dever de lealdade e de probidade administrativa de todo agente público, notadamente o político. A Lei apenas aclarou aquelas hipóteses, atendendo aos reclames constitucionais. Nenhum candidato pode falar em direito adquirido fundado em ato ilícito. Já não podia. Agora, tampouco. Enfim, a máxima efetividade da Constituição em favor da democracia e a lisura do processo político exigem tais respostas.
Ao Tribunal Superior Eleitoral caberá dirimir tais dúvidas em consultas que lhe foram formuladas recentemente. É provável que o assunto acabe na pauta do Supremo Tribunal Federal.

Lei da Ficha Limpa e os condenados pelo TCU

De acordo com a Lei de Inelegibilidade (LC 64/1990), são inelegíveis para qualquer cargo os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se a questão houver sido ou estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 5 (cinco) anos seguintes, contados a partir da data da decisão (art. 1, I, g). Para que haja incidência da norma é necessário que a Justiça Eleitoral reconheça a causa impeditiva de elegibilidade em ação movida pelo Ministério Público com base na decisão dos tribunais de contas. Na prática, as cortes de contas, especialmente o TCU, enviavam ao MP lista com os nomes das pessoas que tinham as suas contas rejeitadas. A Lei da Ficha Limpa, recentemente aprovada, passou a prever, no entanto, que, para ter o registro de candidatura negado, a condenação deverá "configurar ato doloso de improbidade administrativa, em decisão irrecorrível". Textualmente, o dispositivo exige mais que pronunciamento do tribunal de contas. Será necessário haver uma condenação judicial. Essa modificação foi introduzida por emenda parlamentar, assinada pelos deputados José Eduardo Cardoso e Antônio Carlos Biscaia. A "Ficha Limpa" sujou em sua literalidade. A única forma de fugir ao aterro é dar a ela uma interpretação mais adequada à sua teleologia. Para que seja declarada a inelegibilidade bastará que o TCU indique se tratar de improbidade administrativa praticada dolosamente. Resta saber como a Justiça Eleitoral irá se comportar. Espera-se que de acordo com os anseios populares pela moralidade pública.

domingo, 8 de novembro de 2009

Democracia: 100 meias palavras

Es tan corto el amor,
y tan largo el olvido.
(Pablo Neruda)
A democracia é a melhor forma e regime de governo? A pergunta pode levar desconfiança aos espíritos desavisados, aos dogmáticos e aos que sofreram na carne os ferros da alternativa autoritária. Não há dúvidas de que, feito Churchill, se possa dizer que ela é a pior, excetuadas todas as outras já experimentadas pelas sociedades humanas.
Mas é preciso que desmontemos algumas afirmações sobre a dama do demos que se colocam hoje acima de qualquer juízo de validade: a democracia é o governo do povo. Não é. O povo é um pretexto de legitimação, um apelo retórico ou um corpo político, usando aqui o sentido foucaultiano, à mercê do poder de poucos.
Ele vai às urnas quase como um autômato programado por informações midiáticas devidamente filtradas. Sua liberdade de consciência é quase uma quimera dessas que o direito constrói em favor da política. A democracia, essa que nos chega à porta e à tevê, não é de povo, povo mesmo, é de poucos.
Democracia também não é o governo para o povo. Os benefícios que ele, povo, aufere são poucos e, em que pese o discurso oficial, são uma espécie de efeito colateral das chamadas políticas de bem comum que mais refletem projetos particulares de segmentos sociais hegemônicos. A democracia, essa das formas e dos discursos, é para poucos; não para o povo, povo mesmo.
Tampouco a democracia é o governo pelo povo. Povo, como entendemos em nossos dias, foi uma invenção do liberalismo. Uma referência política e simbólica mais que uma existência sociológica. Primeiro: o povo eram todos os que se submetiam à jurisdição de um Estado nação; segundo: servia de fonte virtual dos poderes de Estado e de destinatários reais de suas ordens, tudo ao mesmo tempo.
No começo, povo, povo mesmo sequer possuía o status de cidadão, a menos que tivesse patrimônio suficiente, mas aí deixava de ser povo, povo mesmo. Depois que cidadão virou quase todo mundo com o sufrágio universal, arquitetou-se um processo de eleições que continua, na prática, a excluir o povo sem posses, aquele povo, povo mesmo. A democracia, essa dos balcões e mercados, é pelos poucos, das cortes às bufarias de gravatas, noves fora povo, povo mesmo.
A democracia é senhora de pouca idade e, assim como a estética, foi mais preterida do que desejada. Os Antigos e Medievais acreditavam que a melhor forma de governo era a monarquia. Os Modernos preferiram a democracia aristocrática, essa da porta e da tevê, das formas e dos discursos, essa dos balcões e mercados, há duzentos e poucos anos, embora o adjetivo tenha ficado apenas subentendido. Mesmo assim caiu nas seduções pelo governo da força, da oligarquia sem democracia, por diversas vezes.
Governo de força ou simulacros que se perpetuam em diversos cantos do planeta mesmo hoje. A democracia se diz universal, mas enfrenta sérias resistências naqueles países de tradições milenares firmadas na figura da autoridade, mais do que da pulverização de idiossincrasias e de egos. O que não quer dizer que nas tais sociedades democráticas não tenha ela também seus problemas. As exceções fáticas diárias (exclusões do povo, povo mesmo) e jurídicas (os cismas autoritários) estão aí à prova. E há razões para esses tormentos.
Economicamente, ela é muito dispendiosa e, para os setores de dominação, cujos nomes e qualidades variaram de tempo para tempo, trabalhosa. Não podem mandar como antes, fazendo referência ao reino de sobrenatural, pois têm que, a cada dia, renovar os dogmas e a fé do povo, seguindo a um processo jurídico e político, ainda que manipulável, mas a um processo, cujas regras estipulam algumas limitações ao mando. Está aí a defesa dessa democracia das formas e dos negócios: exige um mínimo de atenção às normas. Melhor que nada.
Muitos dizem que é pouco, pois os meios de comunicações oligopolizados, a dependência do poder econômico desses meios, o culto ao individualismo estético e consumista, a cultura da riqueza material, o profissionalismo personalista dos políticos, as eleições viciadas, tudo acrescido e misturado à pimenta do desejo humano pelo poder jamais darão outra roupagem e corpo à vida política. Seja qual for o nome, a ideia e o conceito que tiverem.
Um otimista de teima acredita que toda essa análise é datada, seja para o modelo de democracia elitista ou aristocrática que vivemos, de povo sem povo mesmo, seja para a falta de inventividade de novas formas de coexistência humana sem as marcas da subjugação de muitos a alguns.
Quando se olha para trás e enxergam-se nomes, entre sanguinários e tiranos, como Qin Shi Huang (259 a.C-210 a.C), Calígula (12-41), Ivan, o Terrível (1530-1584), Leopoldo II (1835-1909), Josef Stalin (1878-1953), Adolf Hitler (1889-1945) e Pol Pot (1928-1998), somos tentados a enxergar um progresso da humanidade, a misturar o racionalismo kantiano ao pragmatismo de Churchill, pois as piores espécies de governantes e de governos recentes foram, em geral, bem menos perversos do que todos aqueles em suas épocas como Mugabe, a sobrevivência da exceção, é bem pior do que Berlusconi, a exceção da sobrevivência, hoje.
Se há, então, progresso, é porque se torna possível sonhar. Democracia não precisa ser esse teatro de marionetes, nem o governo de poucos, por poucos e para poucos, em nome simbólico do povo. A história, na verdade, ainda nem começou direito para ela. E há um povo que até hoje só vive na palavra da política ou na miséria do domínio, podendo ganhar as formas e conteúdos do real um dia, qualquer hora, agora mesmo. Mas que povo? Esse povo (povo mesmo) de palavras.
Sonhar faz bem, agir mais ainda.