terça-feira, 17 de maio de 2011

As origens do pensamento politicamente correto

Algumas críticas feitas aos excessos dos comentários do deputado Jair Bolsonaro a respeitos da decisão do STF sobre união homoafetivas, despertam um temor quase instintivo, se não fosse também histórico: o pensamento de esquerda (sim, ainda há esquerda) é totalitário? Não necessariamente, respondo sem espaço e tempo bastante para justificar. As teses deliberativistas e discursivas me socorrem na omissão. Mas para não cometer uma contradição performativa, recorro aos que fazem daquele temor uma espécie de mantra. Alguma coisa têm a nos dizer. Sejamos tolerantes, puro ouvido, então.
Ali está William S. Lind que é um dos maiores defensores do pensamento conservador nos Estados Unidos. Um de seus artigos mais conhecido é “The origins of political correctness” [As origens do politicamente correto]. A ideia central do texto é a de que o discurso do politicamente correto teve origem na Escola de Frankfurt (EF), passando daí para o movimento estudantil e a academia dos Estados Unidos.
O marxismo cultural
A Escola de Frankfurt, fundada com o dinheiro de Felix Weil, filho de um milionário comerciante alemão, foi responsável por substituir a crítica econômica do marxismo pela crítica cultural, associando Marx e Freud. A teoria crítica, como foi chamado o trabalho a que se dedicaram os integrantes da Escola, procurou mostrar que a opressão e a desigualdade entre os seres humanos tinham raízes na cultura ocidental de dominação. A economia era um sintoma apenas.
A crítica cultural ganhou força com o exame das razões que levaram às falhas da previsão marxista de que a guerra, previsível no final do século XIX, uniria os proletários contra seus opressores nacionais. Na Primeira Guerra Mundial, deu-se o contrário. Os operários uniram-se aos burgueses em defesa de seus países. A alienação seria produto da cultura que os cegava dos fatores de dominação. Antonio Gramsci e Györg Lukacs foram os dois grandes nomes dessa crítica, a dizerem que a cultura ocidental impedia que os trabalhadores percebessem os seus verdadeiros interesses de classe.
A comparação entre marxismo econômico e marxismo cultural (fonte do politicamente correto) mostra similaridades, que autorizam vê-las como “ideologias totalitárias”:
  • O discurso politicamente correto, como sucede com o marxismo econômico, coisifica as pessoas de modo maniqueísta. Assim como no marxismo clássico, “os burgueses e donos de capital são maus, no marxismo cultural politicamente correto certos grupos também são bons – mulheres feministas (somente elas, mulheres não-feministas são tidas como inexistentes), negros, hispânicos, homossexuais. Esses grupos são escolhidos para serem ‘vítimas’ e, por isso, são automaticamente bons, não importa o que façam. Similarmente, machos brancos são automaticamente determinados para serem maus”.
  • A teleologia da história existe nas duas variantes, designadamente, a propriedade dos meios de produção para o marxismo clássico e a propriedade dos meios de poder social e político, para os culturalistas: “A economia marxista afirma que toda a história é determinada pela propriedade dos meios de produção. O marxismo cultural, ou politicamente correto, afirma que a história é determinada pelo poder, onde grupos são definidos em termos de raça, sexo, etc., e têm o poder sobre outros grupos. Nada mais importa”.
  • As duas ideologias teriam seu próprio método: a economia materialista no marxismo clássico e o desconstrutivismo no marxismo da cultura. “Para o marxista clássico, o método é a economia marxista. Para o marxista cultural, o método é o desconstrucionismo. Essencialmente, o desconstrucionismo remove todo o sentido de um texto e reinsere qualquer sentido desejado”. A obra de Shakespeare, por exemplo, é relida como a história da opressão das mulheres, assim como a Bíblia relata as posições de poder da raça e do sexo.
  • Há uma ocupação expropriante do espaço político pelas duas vertentes: “Quando os marxistas clássicos – os comunistas – tomaram o poder na Rússia, eles expropriaram a burguesia tomando suas propriedades. Do mesmo modo, quando marxistas culturais tomam um campus universitário, eles expropriam por meio de quotas de admissão. Quando um estudante branco mais qualificado tem a sua admissão negada em favor de um negro ou de um hispânico não tão qualificado, o estudante branco é expropriado”.
A migração da crítica da cultura para os Estados Unidos
Com a perseguição nazista, os autores de Frankfurt, de origem judaica, tiveram de fugir para os Estados Unidos. O primeiro grande abrigo foi a Columbia University. Depois, Hollywood. Alguns deles foram membros do governo estadunidense. Marcuse, por exemplo, ocupou um cargo de destaque na Office of Strategic Services ou OSS, precursora da CIA.
As ideias do grupo foram usadas pelos estudantes nos anos 1960 para resistirem à convocação militar e à Guerra do Vietnã. O movimento estudantil era hedonista, superficial e irresponsável, encontrando nas propostas supostamente libertárias dos frankturtianos a oportunidade de dar contornos intelectuais às suas pretensões (ou despretensões). Para Lind, Marcuse cunhou a frase "Faça amor, não faça a guerra." E fez a cabeça da academia e da New Left do país.
Os Estados Unidos viram crescer a simpatia ao discurso culturalmente emancipado, pelo menos na visão de seus defensores. Ecologia se misturou com a radical defesa das feministas, sob a influência dos frankfurtianos exilados. O discurso ecológico teve grande impulso com Max Horkheimer e sua crítica à tendência moderna de dominação da natureza.
O relativismo sexual teve suas principais fontes em Hebert Marcuse e Erich Fromm. A apropriação política da sexualidade mostrava uma história cheia de repressões dos sentidos e de dominação do gênero feminino. A emancipação do ser humano passava, então, pela liberação da sexualidade.
Na prática, os norte-americanos se tornaram reféns do medo de escorregar na linguagem e “de usar a palavra errada, a palavra tida como ofensiva, insensível, racista, machista ou homofóbica”.
Até que ponto Lind destila seus próprios preconceitos e fantasmas? Até que ponto nos faz refletir sobre eventuais excessos do politicamente correto? Será que toda esquerda é autoritária em seu discurso? Será que é possível ser inclusivista, sem cair na tentação totalitária? Já respondi que sim, é possível. Entretanto, é mais correto, politicamente correto, deixar o leitor pensar com a própria cabeça.

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