quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O declínio da influência do constitucionalismo dos Estados Unidos


O império perece? As análises indicam que sim. Inclusive no plano jurídico. Leia texto sobre o assunto.
The Declining Influence of the United States Constitution


Mila Versteeg and I have just posted to SSRN a paper that might be of interest to readers of this blog entitled "The Declining Influence of the United States Constitution". It follows up on an earlier article, imminently forthcoming in the California Law Review, in which we took a very bird's eye view of the evolution and ideology of global constitutionalism. This time, we zoom in and take an empirical look at whether constitution-makers in other countries (still) emulate the U.S. Constitution. (The title of the paper offers a hint as to what we conclude.) We also look for evidence that international or regional human rights instruments have influenced the way in which national constitutions are written, but the evidence is underwhelming. 

A discussão do casamento homoafetivo nos Estados Unidos

Interessante o resumo de um simpósio, realizado em agosto passado nos Estados Unidos, sobre a constitucionalidade das leis que vedam a união homoafetiva, trazido por Linda Keen. Segundo os debatedores, a Suprema Corte estaria para invalidar uma lei federal do gênero. Curioso, mas não por acaso, os argumentos não são distintos dos que se apresentam aqui: opinião pública contrária, necessidade de pluralismo, disfuncionalidade do Legislativo para equacionar tais situações, tarefa contramajoritária ou defensora dos direitos fundamentais da Suprema Corte, direitos fundamentais como proteção das minorias.



U.S. Justice Antonin Scalia has already conceded that laws banning same-sex marriage are unconstitutional, according to one constitutional scholar. And the U.S. Supreme Court is “very likely” to invalidate the federal Defense of Marriage Act once it reaches the U.S. Supreme Court, says another, generally conservative, expert.
Leia na íntegra aqui

terça-feira, 20 de setembro de 2011

De que são feito os sonhos


Ouro Preto, 21 de setembro de um ano qualquer. Estou a um passo do precipício, sob essa neblina que não deixa o sol revelar os contornos do paredão de pedras nem os imponentes campanários das igrejas à distância de meia légua. Ainda assim escuto o badalar dos sinos entre uma e outra prece das beatas como sucede em todo alvorecer. A cena de tão vista nesses anos todos acabou impregnando meus olhos e ouvidos como fosse parte deles, imagem guardada na memória da alma (o que pode significar mais, a eternidade, talvez) ou das células (o que pode significar menos, a transmissão aos vermes que me espreitam lá de baixo). Pois um deslize, um passo adiante e estarei a mil metros de pedaços de carne, osso e sangue tingindo o verde da mata semivirgem e o escorrer intrépido do Rio da Ponte. Um passo que me falta para recuperar a dimensão do invisível e transmudar o tempo. Voltarei ao mundo das possibilidades imateriais da existência, deixando o terreno árido das probabilidades de ser um amontoado de carbono pensante e deprimido.

Devo dizer que já fui, em outros tempos, poderoso e feliz; rei persa, bajulado pelas cortesãs e adorado pelos reinos e senhores de meu tempo; comandante fenício que assaltou e colonizou a Sicília; imperador chinês da dinastia Han, por pouco, não tendo conquistado todo o limite do oceano Hircaniano; senador romano da estirpe dos césares, que, somente pela insidiosa conspiração de Marco Bruto, a quem lealmente ajudei a destruir Caio Júlio, não me tornei um; papa, sim, fui, a enfrentar as intempéries e os destemperos de monarcas infiéis ou simplesmente incompetentes; Grão-mestre dos Templários, tendo sob minha espada subjugado mais de duas centenas de chefes islâmicos, e, de menor importância, fui ainda reitor da universidade de Bologna.

Nem tão poderosa assim, mas talvez a mais saudosa de minhas vidas tenha sido mesmo a que vivi nos esconderijos amorosos de Catarina Romola, uma jovem da linhagem dos Médici, que aprendera muito bem em Florença as artes da mesa, mas nada, absolutamente nada, as artes da cama. Ninguém conta, a história omite, mas Catarina não tinha gosto pelo amor, nem recebeu de Henrique (com quem, sob encomendas da política, casou-se) os cuidados e paciência para aprender a gostar dos prazeres mais carnais que as travessas cheias de caças, massas e profiteroles.

Henrique, rei feito, preferia Diana, sua profana e verdadeira mulher, no sentido próprio das conjunções carnais (assim mesmo no plural, como ela aos meus olhos e desejo por mais de uma vez demonstrou ser mestre e doutora), que a mim recorreu numa tarde quente e seca de verão, diante dos boatos na corte de que era necessário um herdeiro para o trono e, claro, de novas núpcias para o rei que, venhamos e convenhamos, Diana que me perdoe onde estiver, era mal acabado e tinha um hálito de porco selvagem. Não queria uma terceira e, poderia ser, uma fatal concorrente. Pois foi pelas mãos de Diana (e de outras promessas segredosas) que fui levado aos encontros com Catarina. Insípida no começo, fez-se toda charme e volúpia, depois que usei de algumas peraltices e estratagemas de amante, que só a vida nos bordéis da França ensina. Não era de toda feia ou deselegante como dizem até hoje os desavisados ou me dizia a ciumenta Diana. Tinha uns lábios firmes e pronunciados como quisessem saltar da própria boca ou enfiar-se nos desejos alheios com ardor, além de um nariz e testa que sobressaíam às maçãs (quase) esguias da face, sobretudo nos instantes em que tremia de prazer.

Assim foi que, creio eu, embora ela não nunca me tenha confirmado, certamente por conveniência e discrição, fizemos dois herdeiros ao trono francês no crédito do fanfarrão Henrique. Assim foi que chorou, mesmo depois de não nos encontrarmos mais havia quinze anos, quando soube que tinham me confundido com um protestante e me cravado um punhal bem no cruzado entre a jugular e a glote. Creio sim que chorou e ainda mais se enlutou desde então até morrer de tristeza alguns anos depois. Como adorei aquela mulher, feia que fosse (e não era, repito), seus defeitos, seu gênio, suas manias e, principalmente, a forma tenra com que acolhia meu amor plebeu. Entendo por que me proibiu de vê-la quando se fez rainha, entendo suas razões de ter preferido os filhos e a França a mim, simples amante nascido e criado nos esgotos fedorentos de Paris. Quem ama perdoa por trair e por trair-se. O amor puro e imenso não conhece a vontade de domínio, de apropriação ou exclusividade. Às vezes, afastar ou afastar-se é a melhor forma (não a mais prazerosa, todavia) de amar. Por isso, entendi aquele adeus. Talvez a amasse mais do que ela a mim. Importa que amamos, que amei.

Depois desse tempo de devoção profunda, não mais voltei a esse plano de carbonos, limites, tempo e probabilidades, senão agora como residente de um lugar distante, sem posses, sem poder, sem amor, quem sabe sem alma, apenas um corpo à disposição do destino. Talvez uma prova, talvez o epitáfio. Então me resolvi pôr na altura quase do Itacolomy e, em meio à beleza de sempre-vivas e dessas paisagens exóticas para o meu gosto refinado pelo tempo, lançar-me às planuras aladas dos sonhos e retornar aos fantasmas que escrevem minha história desde a Pérsia à França. Voltar ao que sou como essência, ar e poesia. Nada mais. Sequer aspiraria, não agora, à Catarina.

Se essa neblina me deixar, não mais há de me haver, de me contar, de me conter um 21 ou 22 de setembro de qualquer ano, de qualquer século. Assim, no fim, o rio me espera na frieza de suas águas intranquilas. E serei, enfim, mistura eterna de tudo que há e se faz matéria dos sonhos e das inspirações universais. É o que basta e terei para viver, mais que viver, existir. Atemporalmente. 


Post-scriptum: Se alguém estiver a ler essa mensagem, terei renascido. Ou quem sabe nunca terei vivido (além da mistura em que me supunha transformar).

domingo, 18 de setembro de 2011

O sonho de Descartes

Um bom resumo do pensamento, contribuição e estado da arte do pensamento cartesiano foi publicado neste dia 18/9/2011 pela Folha de S. Paulo no Ilustríssima, escrito por Cesar Benjamin.
Veja alguns pontos do resumo

O sonho.


DEZ DE NOVEMBRO de 1619. Trancado sozinho em um quatro aquecido, que ele chama de "estufa", sentindo a chegada do inverno alemão, um homem vive intensa excitação intelectual. "Fatigou-se de tal maneira", conta Adrien Baillet, seu primeiro biógrafo, "que seu cérebro se incendiou, entregando-se a uma espécie de frenesi". Deita-se e tem três sonhos em sequência, nos quais, ao acordar, reconhece uma missão. Implora a Deus e à Virgem que o mantenham no reto caminho para realizar a descoberta que havia antevisto.
O homem é René Descartes, então com 23 anos. Recebe em sonhos a missão de bem conduzir sua razão, e o que pede aos céus é confiança em si mesmo.

A dúvida

Para não correr o risco de se enganar, Descartes decide considerar falso o que é só verossímil. Começa, pois, por submeter tudo à dúvida: "Suponho que todas as coisas que vejo são falsas. Fixo-me bem que nada existiu de tudo o que minha memória me representa. Penso não ter nenhum órgão de sentidos. Creio que o corpo, a figura, a extensão, o movimento e o lugar são invenções do meu espírito. Então, o que posso considerar verdadeiro?"

O cogito

"Embora eu quisesse pensar que tudo era falso, era preciso necessariamente que eu, que assim pensava, fosse alguma coisa. Observando que essa verdade, 'penso, logo sou', era tão firme e sólida que nenhuma das mais extravagantes hipóteses dos céticos seria capaz de abalá-la, julguei que podia aceitá-la como o princípio primeiro da filosofia que procurava".

Deus


Esse eu que existe é um ser finito, imperfeito e, acima de tudo, contingente, como contingente é tudo o que o cerca: eu existo porque meus pais existiram e se conheceram, essa mesa de madeira existe porque existiu uma árvore, que por sua vez nasceu de uma semente, e assim por diante.

Nossa mente só encontra repouso quando propõe a existência de um ser de outro tipo: infinito, perfeito e necessário. Existe esse ser? Sim, por definição, pois a existência é um atributo da perfeição: um ser perfeito inexistente é uma contradição em termos. É o argumento ontológico de santo Anselmo.

Deus, as leis da criação e a razão descobridora por meio do método

Descartes conclui que não é possível que um ateu seja homem de ciência, pois não deve confiar na razão quem não crê na realidade última que a legitima.
No ato de criar o mundo, esse ser necessário fixou as leis de seu funcionamento, para que a criação perdurasse. Com o uso da razão, que nos deu, podemos descobri-las.
Poderia a razão assumir tão elevado papel? O pensamento tradicional, ancorado na revelação, era seguro de si. Faltava demonstrar que um novo pensamento sistemático poderia encontrar um caminho próprio para descobrir a verdade, construindo uma consistente teia de conceitos, com princípios e normas universais que não fossem mera opinião. Imensa tarefa.
O simples acúmulo de evidências empíricas jamais poderia estruturar um conhecimento alternativo e firme. Quem poderia fazê-lo era o método. Haveria de trabalhar com ideias claras e distintas, articuladas segundo regras igualmente claras de análise e de síntese, "graças às quais todos quanto as observem jamais possam supor verdadeiro o que é falso e cheguem ao conhecimento sem se fatigar com esforços inúteis".
A matemática mostrava o caminho: "As longas cadeias de raciocínios simples e fáceis, que os geômetras usam para chegar às suas demonstrações mais difíceis, me fazem supor que todas as coisas que caem no escopo do conhecimento humano interligam-se da mesma maneira." Deve ser possível construir uma ciência pura das relações e das proporções que independa das peculiaridades de cada objeto. É a "mathesis universalis", Na busca da verdade, os antigos colocavam em pé de igualdade a demonstração analítica, fundada na lógica formal, e a argumentação dialética, que se move no campo do que é meramente provável e extrai conclusões verossímeis, tentando persuadir. Descartes rompe essa longa tradição. Tudo é analítica.

As críticas


Gaston Bachelard sugere que não há métodos perenes, pois todos envelhecem: "Chega sempre a hora em que o espírito científico só pode progredir se criar métodos novos" ("O Novo Espírito Científico", Tempo Brasileiro, 2000). Paul Feyrabend radicaliza essa ideia e propõe uma espécie de anarquismo metodológico: "O único princípio que não inibe o progresso é: tudo vale" ("Contra o Método", Editora Unesp, 2007).
Karl Popper também se afasta da abordagem cartesiana. Para ele, a procura de um método é um problema sem solução, pois, quando buscamos um critério para distinguir o que é certo e o que não é, somos remetidos à questão de saber se esse critério é certo ou não, e assim indefinidamente.
Todas as teorias são conjecturas. O que diferencia as teorias científicas das demais é tão-somente que as primeiras são formuladas de maneiras que as deixam expostas à refutação.
Contra o programa de Descartes, Popper afirma que o conhecimento científico não acumula um estoque crescente de verdades irrefutáveis, pois vive imerso na dialética de conjecturas e refutações. As teorias válidas, em cada momento, são as que ainda não foram refutadas. Teorias incertas, ideias injustificadas e antecipações ousadas são essenciais ao progresso da ciência, pois desempenham o papel de programas de pesquisa. Sem elas, não há mutações.


Leia na íntegra aqui



domingo, 4 de setembro de 2011

Corrupção faz Brasil perder o equivalente a uma Bolívia

Pelo menos o valor equivalente à economia da Bolívia foi desviado dos cofres do governo federal em sete anos, de 2002 a 2008, informa reportagem de Mariana Carneiro, publicada na Folha deste domingo, 4/9/2011.

Cálculo feito a partir de informações de órgãos públicos de controle mostra que R$ 40 bilhões foram perdidos com a corrupção no período --média de R$ 6 bilhões por ano, dinheiro que deixou de ser aplicado na provisão de serviços públicos.

Com esse volume de recursos seria possível elevar em 23% o número de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família --hoje quase 13 milhões. Ou ainda reduzir à metade o número de casas sem saneamento --no total, cerca de 25 milhões de moradias.

O montante apurado faz com que escândalos políticos de grande repercussão pareçam pequenos.
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