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terça-feira, 14 de maio de 2013

Qual igualdade? Uma versão do anticonstitucionalismo


Debati há alguns dias com um professor colombiano, defensor do “constitucionalismo de resistência latino-americano”. Ou, como ele mesmo disse, do anticonstitucionalismo, movimento que vê a Constituição como legado liberal que legitima o poder dos ricos, nacional e internacionalmente, em detrimento de um contingente numeroso de pessoas oprimidas. Trata-se de Ricardo Sanín Restrepo da Universidade de Caldas.

O constitucionalismo liberal, segundo ele, teria promovido a privatização ou a mercantilização do público (bens, práticas e discursos) e a despolitização dos conflitos sociais (por meio de sua juridificação e judicialização, em meio a um debate de especialistas), encapsuladas por uma promessa jamais cumprida ou realizável de inclusão democrática (excessivo peso na representação política, cooptada pelas leis do mercado).

Até aí parece fazer eco à análise crítica marxista e não marxista do formalismo liberal. Mais ele vai além. A mercantilização da vida, ao promover a tecnocracia e a meritocracia a instrumentos pretensamente neutros de diferenciação social, acabou por adotar uma política racista e etnocêntrica. Ela excluiria práticas e valores de comunidades locais, submetendo os povos ao poder global de potências europeias e norte-americana. Seria uma nova faceta do colonialismo.

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terça-feira, 2 de outubro de 2012

Corrupção e os ossos do ofício


Sempre achei paradoxal o entendimento de que, para a existência da corrupção passiva, fosse necessária a demonstração de que o agente público praticara ou deixara de praticar ato de ofício.  O Código Penal define o crime como a “solicitar ou o receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem” (art. 317).

Não há menção expressa a que se pratique ou se omita um ato que esteja na órbita de competência do agente como contrapartida pela vantagem indevida solicitada, recebida ou apenas prometida. Pela literalidade, basta que se peça ou se receba a vantagem em razão da função pública. Ou aceite a promessa de recebê-la. Apenas nas formas qualificada e privilegiada, previstas nos §§ 1° e 2° daquele artigo, é que se exige o tal ato de ofício.

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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

As primeiras lições do mensalão


Assistir pela tevê ao julgamento do mensalão pode não ser um dos programas mais interessantes. É, todavia, uma aula sobre a natureza humana e sobre como se tomam as decisões judiciais, especialmente em órgãos colegiados, além de  oferecer boas lições de direito, do bom e do mau direito.

A começar pelo próprio evento discutido nos autos. Parece pouco crível que as coisas se tenham passado como se passaram, a imaginar quem eram e ao que se propunham alguns dos réus.  Será que Hobbes estava certo? Todos agimos, mesmo nas melhores causas e intenções, mesmo com uma biografia invejável, como egoístas incuráveis?


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Mensalão - voto de Peluso pode levar a impasse


Relator do mensalão no STF (Supremo Tribunal Federal), Joaquim Barbosa afirmou ontem que a saída do colega Cezar Peluso pode gerar um impasse para o STF na hora de dar os veredictos.

Peluso se aposentará até o dia 3, o que deixará o Supremo com dez integrantes. Com isso, haverá possibilidade de empate em determinadas situações. "A única preocupação é a possibilidade de dar empate porque já tivemos, em um passado muito recente, empates que geraram impasses", afirmou Barbosa.

Ele citou a polêmica sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa, que gerou discussões no plenário do tribunal em um momento em que era composto por apenas dez integrantes, e só foi resolvido com a chegada de Luiz Fux, no início do ano passado.Integrantes da corte divergem sobre o que fazer quando ocorre um empate em ação penal. Uns avaliam que deve ser seguida a regra utilizada em habeas corpus, o que beneficiaria o réu.

Outros, como o ministro Marco Aurélio Mello, avaliam que deve prevalecer o voto do presidente do tribunal. A primeira avaliação, no entanto, de que um empate não poderia levar à condenação de alguém, prevalece entre a maioria dos ministros.O relator diz ainda que o fato de Peluso participar de apenas uma parte do julgamento não tira sua "legitimidade". "Gostaria de lembrar que ele participou de tudo".


NULIDADE


Advogado de um dos réus do mensalão e ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos levanta uma outra questão sobre o saída de Peluso.Para ele, o voto do ministro "será nulo" caso seja cumprida a decisão de que os eventuais condenados só saibam o tamanho de suas penas no final do julgamento, quando Peluso não estará presente."[Provocará] uma nulidade porque ele [Peluso] anteciparia uma parte do seu voto e não anteciparia o resto", diz Thomaz Bastos.

Ou seja, Peluso "apresentar um veredicto de condenação sem dar uma pena".Uma possibilidade é Peluso dar o veredicto e também estipular penas para os condenados. Nesse caso haveria uma mudança no modelo adotado, o que também pode ser questionado.O julgamento do mensalão chega hoje ao 13º dia, quando será apresentado o início do voto do revisor Ricardo Lewandowski. Até o limite da permanência de Peluso há só mais cinco sessões.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, também defendeu a participação de Peluso. "Eu acho que seria ideal que Peluso votasse em tudo, mas, se não for votar, melhor que seja em parte do que em nada", disse.O presidente do Supremo, Carlos Ayres Britto, ainda não descartou a possibilidade de Peluso adiantar todo o seu voto. "Fica a critério de Peluso decidir se antecipa ou não."

(FELIPE SELIGMAN, FERNANDO RODRIGUES, FLÁVIO FERREIRA, MÁRCIO FALCÃO E RUBENS VALENTE)
Fonte: Correio

domingo, 10 de junho de 2012

Sinais exteriores de riqueza e corrupção

Ainda na Folha de 10/6/2012, Elio Gaspari dá pistas de como identificar desvios na conduta de agentes públicos e privados, que possam dá nota de desvios de conduta:

O ''jeitão'' dos Filipelli

Bruno Filipelli casou-se na sexta-feira no castelo Odescalchi, nas cercanias de Roma. Ele é filho do deputado Tadeu Filipelli, ex-vice-governador de Brasília na gestão de Joaquim Roriz, defensor de emendas que facilitam a vida de sonegadores. Como dizia a secretária da Receita, Lina Vieira, quem paga imposto se sente "um otário". E casa filho em festa barata.




Cachorrão para a diretoria do BC 




O professor Ademar Fonseca, titular de Mecânica da Faculdade de Engenharia da PUC do Rio, tinha o apelido de Cachorrão. Ele deu zero a um aluno que resolveu um problema em cinco páginas e errou a colocação da vírgula na última conta. Quando o jovem reclamou, recebeu uma aula para toda a vida: "Uma ponte não pode ter oito metros ou 80 metros. Você mergulha em uma questão complexa, depois, quando você termina, você se afasta e olha o jeitão da coisa. Pelo jeitão, você vai ver se é 8 ou 80".

A doutora Dilma deveria criar uma "Diretoria do Cachorrão" no Banco Central. O encarregado teria a atribuição de olhar o "jeitão" dos banqueiros. (...).



Rafael Palladino, presidente do Banco PanAmericano, quebrado em 2010 numa operação para lá de esquisita, tinha um belo apartamento e uma imobiliária em Miami. Seu diretor financeiro morava num teto de R$ 14 milhões. Coisa de classe média emergente, se comparada com as extravagâncias do doutor Luís Octavio Indio da Costa, dono do banco Cruzeiro do Sul, com sua carteira de 300 mil empréstimos irregulares, num total de R$ 1,3 bilhão. O magnata tem dois helicópteros da grife Eurocopter, com dez lugares cada, coisa de R$ 60 milhões. Isso e mais um iate de 110 pés, com cinco suítes, avaliado em R$ 30 milhões. Nas suas festas apresentavam-se Elton John, Bono Vox e Tony Bennett.

Bastava que o Banco Central olhasse para o "jeitão" do doutor para que se acendesse a luz amarela. Acender a vermelha seria preconceito contra rico, mas deu no que deu. Cachorrão chamaria o diretor de Fiscalização do BC e haveria de constrangê-lo apontando o risco que corria.

Seria pedir demais que a "Diretoria do Cachorrão" ficasse encarregada de recuperar pelo menos uma parte do que os clientes perdessem. As casas, os barcos e os chinelos dos Madoff foram a leilão em 2010. Onze pares de cuecas entraram num lote que saiu por US$ 1.700.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O efeito manada na internet e as críticas ao ex-presidente Lula

Ainda estão vivas as palavras de Lula, dizendo que desejaria estar doente para ir-se tratar num hospital do SUS. E agora está em tratamento no Sírio-Libanês, um dos mais caros hospitais do país. A hipocrisia política é reprovável, assim como a qualidade da maioria dos serviços do SUS. E a crítica um direito democrático. Mas será que isso autoriza as piadas infames sobre o ex-presidente que circularam nas redes sociais? Atribua-se à difusão do mau gosto, em grande parte, ao efeito manada propiciado pela internet. Cass Sunstein escreveu, num livro que organizei "Constituição e crise política", um artigo sobre as causas desse efeito e da radicalização dos grupos sociais em "Por que os grupos vão a extremos?". Ontem Hélio Schwartsman publicou na Folha um texto interessante também a respeito, intitulado Patologias de grupo, baseando-se no caso brasileiro:

Quem quiser vislumbrar a face feia da natureza humana deverá dar uma espiadela nos comentários de leitores a reportagens, blogs e colunas que tratam da saúde de Lula. Há um número não desprezível de pessoas querendo despachar o ex-presidente para a fila do SUS e alguns chegam mesmo a regozijar-se com sua doença. 

O fenômeno, com claros contornos políticos, parece estar relacionado à internet e à massificação das redes sociais. Trata-se de uma hipótese especulativa, mas chama a atenção o fato de as manifestações mais deprimentes de intolerância ilustrarem com perfeição o que psicólogos sociais chamam de patologias do pensamento de grupo.

A primeira é a polarização. Junte um punhado de gente com opiniões semelhantes, deixe-os conversando por um tempo e o grupo sairá com convicções mais parecidas e mais radicais. Provavelmente é assim que nascem organizações terroristas.

A conformidade é outro elemento importante. Grupos tendem a suprimir o dissenso. Mais do que isso, procuram censurar dúvidas que um dos membros possa nutrir e ignorar evidências que contrariem o consenso que se forma. É esse o segredo do sucesso das religiões.

Há, por fim, a animosidade. Ponha um corintiano e um palmeirense numa sala e mande-os discutir futebol.

Eles discordarão, mas provavelmente se tratarão com civilidade. Entretanto, se você colocar cem de cada lado, quase certamente produzirá xingamentos e até pontapés.

O que a internet e as redes sociais fazem é criar gigantescos espaços virtuais onde o pensamento de grupo pode prosperar, com o que ele tem de positivo e de negativo. A linha que separa a sabedoria das multidões de delírios coletivos é tênue.

O que os experimentos em psicologia sugerem é que a melhor defesa contra o radicalismo é semear dúvidas, de preferência levantadas por um membro do próprio grupo.

domingo, 16 de outubro de 2011

Os indignados de agora e de ontem - discurso de Naomi Klein


A Folha de S. Paulo publicou hoje, domingo, 16/10/2010, o discurso de Naomi Klein, ativista social e autora de "A doutrina do choque - A ascensão do capitalismo de desastre, comparando o movimento atual, especialmente o "Ocupe Wall Street" com o movimento do passado, principalmente o dos anos 1990. Muito interessante:

Uma coisa que sei é que 1% das pessoas amam as crises.

Quando o público está em pânico e desesperado, e ninguém parece saber o que fazer, o momento é ideal para forçar a aprovação de uma extensa lista de políticas que beneficiam as empresas: privatizar a educação e a Previdência Social, reduzir os serviços públicos, remover os últimos obstáculos ao poder das grandes companhias. Em meio à crise, isso vem acontecendo no mundo inteiro.

Só existe uma coisa capaz de bloquear essa tática, e felizmente é uma coisa muito grande: os outros 99% das pessoas. E esses 99% estão saindo às ruas, de Madison a Madri, para dizer: "Não, não pagaremos pela sua crise".

O slogan surgiu em 2008, na Itália. Ricocheteou para a Grécia, França e Irlanda, e por fim voltou. "Por que eles estão protestando?", indagam os sabichões embasbacados na televisão. Enquanto isso, o resto do mundo pergunta: "Por que demoraram tanto? Estávamos imaginando quando vocês enfim se dignariam a aparecer. Bem-vindos".

Muita gente traçou paralelos entre o movimento "Ocupe Wall Street" e os chamados protestos antiglobalização que conquistaram a atenção do planeta em 1999, em Seattle. Foi a última ocasião em que um movimento mundial, descentralizado e comandado por jovens tomou por alvo direto o poder das empresas. E me orgulho por ter participado daquilo que chamávamos "o movimento dos movimentos".Mas há diferenças importantes. Por exemplo, nós escolhemos como alvo conferências de cúpula: da Organização Mundial de Comércio (OMC), do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Grupo dos 8.

Mas esses eventos são transitórios por natureza, o que nos tornava igualmente transitórios. Aparecíamos, conquistávamos manchetes no mundo todo e em seguida desaparecíamos. E no frenesi e patriotismo excessivo que se seguiram aos ataques do 11 de Setembro, foi fácil nos varrer do cenário, ao menos nos Estados Unidos.Já o "Ocupe Wall Street" tem alvo fixo. E não definiu um prazo para sua presença, o que é sábio. Apenas quem se mantém firme pode criar raízes. E isso é crucial.

Na Era da Informação, muitos movimentos brotam como belas flores, mas logo morrem. Isso acontece porque não criam raízes e não têm planos de longo prazo para se sustentar.

Ser horizontal e profundamente democrático, é maravilhoso. Esses princípios são compatíveis com o árduo trabalho de construir estruturas e instituições firmes para suportar futuras tempestades. Tenho grande fé nisso.

Há mais uma coisa que esse movimento está fazendo direito: assumiu um compromisso para com a não violência. E essa imensa disciplina significou, em incontáveis ocasiões, que as reportagens da mídia tivessem por tema a brutalidade policial, injustificada e repugnante. Enquanto isso, o apoio ao movimento só cresce.


Mas a maior diferença que a década de distância entre os dois movimentos produziu é que, em 1999, nós estávamos atacando o capitalismo no pico de um boom frenético. O desemprego era baixo, as carteiras de ações propiciavam fortes lucros. A mídia estava embriagada pelo acesso fácil ao dinheiro. Então, todos preferiam falar mais sobre as empresas iniciantes de internet do que sobre os esforços para paralisar atividades reprováveis.


Nós insistíamos em que a desregulamentação que havia possibilitado aquele frenesi teria um custo. Que ela havia rebaixado os padrões trabalhistas. Que prejudicava o meio ambiente. As empresas se tornavam mais poderosas que os governos, e prejudicando nossas democracias.

Mas, para ser honesta, enfrentar um sistema econômico baseado em cobiça era uma parada indigesta enquanto as coisas iam bem, ao menos nos países ricos.Passados 10 anos, parecem não existir mais países ricos. Apenas muitas e muitas pessoas ricas. Pessoas que enriqueceram saqueando o patrimônio público e exaurindo os recursos naturais do planeta.

O ponto é que hoje todos podem ver que o sistema é profundamente injusto e está escapando ao controle. A cobiça descontrolada devastou a economia mundial, e está devastando o mundo natural.Estamos pescando demais em nossos oceanos, poluindo nossas águas com exploração petroleira e recorrendo às formas de energia mais sujas do planeta.

Esses são os fatos práticos. São tão gritantes, tão óbvios, que é muito mais fácil agora do que em 1999 promover conexão com o público, e assim expandir o movimento.Temos de tratar esse belo movimento como se fosse a coisa mais importante do mundo. Porque de fato é.

sábado, 15 de outubro de 2011

Indignados: Não no Brasil

Os árabes se indignam, os franceses se indignam, os ingleses se indignam, os espanhóis se indignam, os alemães se indignam, os gregos se indignam, os suíços se indignam, os italianos se indignam, os chilenos se indignam, até os americanos se indignam, só os brasileiros não conseguem se indignar... Que falta a nós que os outros têm?

Manifestações espalham-se por 82 países
Em vídeo

domingo, 4 de setembro de 2011

Corrupção faz Brasil perder o equivalente a uma Bolívia

Pelo menos o valor equivalente à economia da Bolívia foi desviado dos cofres do governo federal em sete anos, de 2002 a 2008, informa reportagem de Mariana Carneiro, publicada na Folha deste domingo, 4/9/2011.

Cálculo feito a partir de informações de órgãos públicos de controle mostra que R$ 40 bilhões foram perdidos com a corrupção no período --média de R$ 6 bilhões por ano, dinheiro que deixou de ser aplicado na provisão de serviços públicos.

Com esse volume de recursos seria possível elevar em 23% o número de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família --hoje quase 13 milhões. Ou ainda reduzir à metade o número de casas sem saneamento --no total, cerca de 25 milhões de moradias.

O montante apurado faz com que escândalos políticos de grande repercussão pareçam pequenos.
Leia ainda:

domingo, 7 de agosto de 2011

A escolha do ministro do Supremo - Joaquim Falcão

Leia artigo de Joaquim Falcão sobre a escolha do ministro do STF que substituirá Ellen Gracie.
A indicação da presidenta provavelmente vai considerar a sintonia política do candidato com sua visão de Brasil, a pressão da base governista por um voto pró-absolvição no mensalão, o desestímulo ao individualismo político midiático e a capacidade do candidato articular e influenciar, a longo prazo, os destinos do próprio Supremo. E, se possível, liderar intelectualmente.
Na íntegra aqui

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Futebol, paixão e poder

“Sei tudo quanto é malandragens, se é preciso, jogo com todas as armas. Já conheci todos os submundos, mas o do futebol é o pior.”(Nabi Abi-Chedid, ESP 22/7/1979)
Muitos acham que a política é um dos meios mais fáceis de se tornar milionário. Embora com os pecados da generalização, os escândalos recentes parecem lhes dar razão. Mas eles se esquecem de incluir na lista uma atividade que mobiliza nossos sentimentos de modo descomunal: o esporte e, mais especificamente, o futebol. Não me refiro (ou só) a quem o pratica, mas a quem o administra. A FIFA está agora envolta em denúncias de corrupção para a escolha das sedes da Copa do Mundo. A CBF cheira à mistura constante de custeio das riquezas privadas com as emoções e dinheiros públicos.
Se os escândalos na política não são de hoje, tampouco o odor nauseabundo da entidade máxima do futebol brasileiro é novidade. Sem querer fazer da lista um apuro de ocorrências, relembro de alguns episódios mal explicados e com olor sulfúrico dos últimos trinta anos. Não me tomem por rogado, sou mais um apaixonado por futebol. E, confesso, atleticano por imposição das horas e, talvez, do destino. Vamos lá.

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sábado, 28 de maio de 2011

O poder corrompe?

Um estudo recente realizado pela Columbia Business School procurou mostrar como o poder influencia as pessoas. Os pesquisadores realizaram duas simulações com os participantes. Em primeiro lugar, eles foram divididos em gerentes e subordinados, supostamente com base no resultado de um questionário de liderança, assumindo-se os respectivos papeis.

Logo após, submeteram-se a um novo teste. Foram informados de que havia uma nota de US$ 100 dentro de um livro. Foi-lhes dito que poderiam ficar com o dinheiro, se quisessem. Entretanto, eles deveriam tentar convencer um terceiro, desconhecedor da opção feita, de que não haviam pegado o dinheiro, embora tivessem sido autorizados a fazê-lo. Se os participantes obtivessem sucesso, ganhariam os US$100 e ainda concorreriam a obter mais US$ 500. O nível de cortisol, hormônio do estresse, foi medido em todos eles que, sem saberem, foram gravados durante toda a pesquisa.

Indagados, em seguida ao teste, todos afirmaram que mentir era errado. No entanto, apenas um grupo deles experimentou estresse emocional depois de mentir: os mentirosos que, na primeira simulação, ocuparam o papel de subordinados. Eles registraram picos de cortisol e sinais faciais de constrangimento. Os mentirosos que foram gerentes não tiveram mudança significativa nos níveis do hormônio nem mostraram sinais expressivos de aflição.

Os pesquisadores concluíram que o poder tende a neutralizar as reações negativas diante de comportamentos moralmente equívocos. Não é que o poder os corrompa, salientam. Apenas realça suas predisposições. Há outra conclusão extraída do estudo que precisa de confirmações adicionais, mas que é tão ou mais importante que a primeira: as pessoas que procuram o poder apresentam as características fisiológicas, talvez genéticas, que neutralizariam suas reações à adversidade. Em outras palavras: a ganância pelo poder é um indicativo de tampão moral. Será?

domingo, 20 de fevereiro de 2011

O capitalismo 4.0 de Kaletsky

Em seu livro "Capitalism 4.0. The Birth of a New Economy in the Aftermath of Crisis[Capitalismo 4.0. O Nascimento de uma Nova Economia depois da Crise], o economista russo, radicado na Inglaterra, Anatole Kaletsky analisa a crise econômica entre 2008 e 2010 no ciclo das crises do capitalismo. O sistema econômico esteve à beira do colapso no final do século XIX, nos anos 1930 e na década de 1970. No momento atual, vive uma transição para uma nova etapa: o “capitalismo 4.0”.

Em cada uma das versões anteriores, o capitalismo sofreu alterações especialmente na articulação entre o poder econômico, cujas decisões se baseiam do voto do lucro ou dinheiro, e no poder político, assentado no voto dos cidadãos.

Se, durante o século XIX, essa interações eram negligenciadas, limitando-se ao custeio privado do aparato militar e à defesa de leis que beneficiassem o mercado, nos anos 1930 tornaram-se visíveis seus efeitos e causas, estigmatizando o mercado. A terceira etapa, desencadeada pela dupla Margareth Thatcher e Ronald Reagan, estigmatizou, por sua vez, o Estado.

O cenário agora é outro. Diferente dos credos liberais e sociais, a quarta geração do capitalismo tem de conviver com a contingência e falibilidade dos mercados e dos governos. E com a necessidade de uma interação mais sistemática e transparente entre eles. A crise atual levou a credibilidade dos dois à lona, assim como suas perspectivas unilaterais.

O novo capitalismo deve contar com mais e menos Estado. Mais Estado em áreas que não se limitam apenas ao controle da inflação ou à política fiscal. É preciso que os governos adotem uma sólida gestão macroeconômica, promovendo o crescimento e o emprego. A mistura revela um keynesianismo sem Keynes.

Menos Estado, porém, no âmbito das políticas sociais. Os sistemas previdenciários como hoje existem e as demandas por serviços cada vez mais sofisticados de saúde e educação requerem uma nova distribuição de papeis. O Estado não pode se ausentar desses campos, mas não deve agir como único fornecedor de serviços. Antes deve estabelecer relações de parceria com o setor privado, induzindo consensos.

No campo da educação, por exemplo, deve dar prioridade ao ensino fundamental e médio, sem negligenciar o acesso aos cursos universitários. As escolas não devem ser públicas, mas estimuladas pelo poder público a adotar políticas de qualidade e de inclusão social. Esse é o desafio da área: ser inventiva e responsável sem gerar exclusão social. Admite, por exemplo, que o governo pague bolsas de estudo para os estudantes carentes.

Na saúde, o problema é ainda maior. Argumenta que a alternativa deve estar entre a mercantilização da saúde, ao estilo norte-americano, e a sua consideração como bem público, como sucede na Inglaterra. Outra vez, as relações entre mercados e governos devem ser rediscutidas sem uso de estereótipos e maniqueísmos.

Os políticos têm de conduzir-se pela ética, inclusive nas eleições, pondo, por exemplo, claramente aos eleitores as alternativas disponíveis e a crise por que passam os gastos públicos. O objetivo é obter consensos ou, quando menos, aceitação de uma dura realidade: aumento de tributos e diminuição de benefícios sociais. A experimentação ousada e persistente deve ser a tônica dessas relações.

O problema está nesse ponto: como ser ousado e responsável ao mesmo tempo. E como possibilitar que a lógica do mercado e a lógica da política consigam conviver de modo respeitoso. Mais que conviver, ajudar-se mutuamente. Mercados e governos não podem ser parasitas uns dos outros, mas parceiros de um mesmo futuro. Fáceis palavras, difícil execução.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

As mudanças trazidas pela Lei da Ficha Limpa

O Estadão fez um resumo interessante sobre as mudanças trazidas pela Lei da Ficha Limpa:
1. QUEM FICA INELEGÍVEL
Como é hoje: só os condenados com sentença transitada em julgado (sem possibilidade de recurso) ficam inelegíveis.
Como fica: condenação decidida por órgão jurisdicional colegiado deixa o político inelegível. Porém, ele pode recorrer e, se conseguir liminar, poderá inscrever-se na eleição.
2. TEMPO DE INEGIBILIDADE
Como é hoje: o período de inelegibilidade varia de três a oito anos, a depender do crime.
Como fica: o político condenado pela Justiça fica oito anos inelegível.
3. CRIMES PREVISTOS NA LEI
Como é hoje: ficam inelegíveis condenados sem possibilidade de recurso pelos crimes contra economia popular, mercado financeiro, administração pública, fé pública, patrimônio público, tráfico de entorpecentes e crimes eleitorais.
Como fica: além dos crimes já previstos hoje, ficam inelegíveis também os condenados, em decisão de colegiado jurisdicional, por crimes de abuso de autoridade, lavagem ou ocultação de bens; racismo; tortura; terrorismo; crimes hediondos; trabalho escravo; crimes contra a vida; abuso sexual; formação de quadrilha ou bando; ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público; e enriquecimento ilícito.
4. CRIMES PRATICADOS NO EXERCÍCIO DO PODER
Como é hoje: quem tem cargo público na administração pública direta ou indireta e for condenado por abuso de poder econômico ou político fica inelegível por três anos. É comum que as decisões da Justiça saiam no final do mandato de quatro anos do político. Assim, na eleição seguinte, ele pode se reeleger.
Como fica: ficam inelegíveis por oito anos seguintes à decisão.
5. POLÍTICOS QUE RENUNCIAM PARA NÃO SEREM CASSADOS
Como é hoje: o político ameaçado de ser processado e renuncia para não ter o mandato cassado pode se candidatar na eleição seguinte
Como fica: presidente da República, governadores, prefeitos, deputados federais e estaduais, senadores e vereadores que renunciam para não perder o mandato ficam inelegíveis nos oito anos subsequentes.
6. PROFISSIONAIS PROCESSADOS
Como é hoje: o político que tenha sido demitido do cargo profissional por decorrência de infração ética e profissional não tem impedimento para se candidatar.
Como fica: profissional excluído da profissão por infração ética fica inelegível. Funcionários públicos demitidos após processo administrativo ou judicial também. Ainda membros do Ministério Público que tenham perdido o cargo por processo disciplinar ficam fora das eleições.
Para recordar: a Lei da Ficha Limpa foi de iniciativa do povo, tendo sido aprovada às pressas pelo Congresso Nacional por pressão da sociedade civil. Claro que às custas de algumas modificações. O texto original previa, por exemplo, a condenação em primeira instância. A Câmara aprovou emenda que exigia decisão de órgão colegiado. Vale dizer, tribunal.
No Senado, houve uma alteração no tempo verbal de um enunciado que poderá trazer graves consequências. O impedimento de elegibilidade se aplicava aos candidatos que tivessem condenação. Emenda introduzida pelo senador Francisco Dornelles, sob argumento de tornar o texto mais coerente, substituiu "que tenham sido condenados" por candidatos "que forem condenados". Segundo o presidente da CCJ do Senado e relator do projeto, Demóstenes Torres, “Tínhamos, quando o texto chegou [da Câmara], nove disposições das quais quatro tinham a expressão 'os que forem' e quatro com a expressão 'os que tenham sido' – além de uma que não continha nenhuma das duas expressões. Ora, a lei não pode ser aprovada desta forma porque vai dar a impressão, ao julgador, que num caso só se abarcam os casos do futuro, em outros casos só abarcará o passado”. Como o Senado entendeu que a emenda não alterara o sentido da Lei, enviou-a para sanção presidencial.
São, pelo menos, três os problemas que a interpretação da norma lança: a) suas disposições valerão para as eleições de 2010? Sim. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não considera "processo eleitoral", sujeitas à anualidade do artigo constitucional 16, regras sobre registro de candidaturas; b) a mudança do Senado exigia volta do texto à Câmara? Embora tenha, aparentemente, afetado os destinatários da norma, especialmente os condenados em segunda instância, a alteração foi meramente gramatical, sem afetar substancialmente a disciplina legal. Não precisaria mesmo retornar à Câmara; c) apenas os que forem condenados a partir da publicação (ou da sanção, para alguns) da lei ficarão proibidos de candidatar-se? Não. A mudança redacional não pode ser desligada da finalidade normativa e do texto em sua sistematicidade constitucional. Não há violação a situações consolidadas ou retroatividade constitucionalmente vedada. A própria Constituição já determinava que fossem criadas hipóteses de inelegibilidade com base na vida pregressa do candidato, além de reiteradamente prescrever o dever de lealdade e de probidade administrativa de todo agente público, notadamente o político. A Lei apenas aclarou aquelas hipóteses, atendendo aos reclames constitucionais. Nenhum candidato pode falar em direito adquirido fundado em ato ilícito. Já não podia. Agora, tampouco. Enfim, a máxima efetividade da Constituição em favor da democracia e a lisura do processo político exigem tais respostas.
Ao Tribunal Superior Eleitoral caberá dirimir tais dúvidas em consultas que lhe foram formuladas recentemente. É provável que o assunto acabe na pauta do Supremo Tribunal Federal.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

AGU ameaça MPF

Ainda com relação ao artigo de Jânio de Freitas, há uma passagem que considero assustadora: a ameaça que o chefe da Advocacia Geral da União (AGU) faz aos Procuradores da República, principalmente, ao que atuam no caso da usina hidrelétrica de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio. Responsabilização pessoal pelo fato de os Procuradores terem obtido na Justiça ordens de suspensão do empreendimento, em virtude de irregularidades no processo de seu licenciamento ambiental. Escreve o jornalista:
A AGU adota a coerção e a impropriedade jurídica como instrumentos para reprimir a ação de procuradores da República contra decisões, ilegais ou polêmicas, do governo. A AGU comunica que vai processar já os procuradores que acusam falhas no processo de autorização para a usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. E o fará, em outros assuntos, daqui para a frente. À parte o fato de que Belo Monte e as usinas de Jirau e Santo Antonio estão cercadas de atos no mínimo suspeitos, por parte do governo federal, a AGU adota a pressão intimidatória em lugar do procedimento apropriado: o confronto das alegações divergentes perante o Judiciário.
Esse tipo de comportamento não é compatível com o regime democrático e o Estado constitucional. Terá a AGU que mover também ações de responsabilização civil e penal contra os juízes que decidiram contra as obras de tais usinas, por identificarem nos autos do processo, elementos comprovadores de irregularidades? Não existe outra palavra ao disparate: intimidação.

Constituição e realidade

Depois de curtas férias, entre chuva, sol e neve, além de vinhos e livros, alheios e próprios (uma revisão e um no prelo), retorno ao blog com um trecho polêmico de Jânio de Freitas, publicado sob o título "De volta ou para trás", hoje, 7/2/2010, na FSP. Após congratular-se com o "retorno da sociedade civil", no caso do Mensalão Arruda, revela sua insatisfação com as práticas pouco democráticas e constitucionais do Governo. Lista algumas:
A ininterrupta liberação de bilhões do BNDES por ordem (incabível) de Lula, em benefício de interesses privados; as distorções na legislação, para favorecer negócios privados em áreas como telefonia e grandes empreitadas de construção; os grandes negócios opacos com armamentos; o comprometimento com a fábrica Dassault e o governo Sarkozy, em desconsideração às razões da FAB às comerciais, e aos desperdícios financeiros que se projetarão no futuro; governo por medidas provisórias; o desprezo à Constituição e à legislação eleitoral, com o ostensivo trabalho eleitoreiro de Lula pela pré-candidata que escolheu sozinho -e chega, que isso aborrece.
Alguém concorda?

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O Reino da Dinamarca

Neste momento em que toda a humanidade tem os olhos voltados para este pequeno e rico país: a Dinamarca - espécie de sociedade ideal que atingiu todos os índices de prosperidade almejados pelas outras nações-, devemos fazer uma reflexão sobre o seu passado.
Shakespeare imortalizou a Dinamarca em Hamlet, quando disse “há algo de podre no reino da Dinamarca”. Daí pra frente, essas palavras viraram um lugar comum todas as vezes que alguém sentiu o cheiro de corrupção em sua família, empresa, Estado...
Por mais que o Bardo de Stratford, naquele momento, estivesse falando de sua Inglaterra natal, a Dinamarca era mesmo um pobre e corrupto país que merecia verdadeiramente ser chamada de podre.
A Dinamarca situa-se na chamada península Escandinávia, o conceito é vago; mas Suécia, Noruega e num certo sentido, a Finlândia e os seus aparentados, a Islândia formam um “padrão escandinavo” em qualidade de vida, quase sem par no resto do mundo. Ordeiros, pacíficos, generosos, brilhantes, ricos ostentam todas as conquistas – as objetivas, pelo menos- que todos nós almejamos. Mas não foi sempre assim.
Cercados de gelo por todos os lados e com um sol que brilha partes do ano até a meia noite – esse povo, chamado no passado de Vikings, formaram as hordas mais cruéis da cristandade. Hábeis navegadores, entre os séculos IX e X – é possível que Erik, o viking tenha chegado à América séculos antes de Colombo – chegaram às costas da Europa devastando tudo que encontraram.
Durante um curto período, os Vikings governaram a Inglaterra. Aí, no século XI, parte do continente europeu se fortalece e a Escandinávia entra num processo de profunda estagnação, com Noruega, Suécia e Dinamarca se fundindo e se separando até assumirem a forma atual que conhecemos.
Até os anos de 1920, a Dinamarca e seus vizinhos não passavam de um imenso pântano gelado. Os filmes dos anos 80, Pelle, o Conquistador e a Festa de Babete nos dão um panorama do que era a Escandinávia até quatro gerações atrás. Um povo pobre, atrasado e quase sem esperança. Já hoje!
Pergunto: o que é que a Escandinávia tem que o Brasil não tem? Por que é que esta nação “abençoada por Deus” riquíssima em recursos naturais, clima favorável, não acaba com a miséria. Por mais que avanços tenham ocorrido, ainda se morre de fome no Brasil.
O nosso índice de violência é igual ao de países em guerra. O número de favelados do Rio de janeiro e São Paulo superam a população escandinava. O que fazer para mudar isso? Dizem que a resposta é educação e mais educação. Sim, mas não é só isso. Algo mais forte se impõe. Precisamos de um choque de moralidade.
O problema do Brasil, por enquanto, é um só: Impunidade. Somos uma sociedade corrupta. Eu declaro aqui em alto e bom som: enquanto as Cortes Superiores do Brasil não colocarem os grandes e notórios corruptos na cadeia, o Brasil não mudará. Precisamos de exemplos, precisamos de um corrupto condenado e preso. Como os EUA fazem.
Se um corrupto notório for preso, os outros ficarão intimidados. O STF precisa nos dar um corrupto de presente neste natal. Um corrupto embalado e condenado atrás das grades. Seria o primeiro passo para sonharmos com a prosperidade escandinava e para homenagearmos a cúpula do meio ambiente na Dinamarca, que não é mais podre, o Brasil é que é.
Postado por Theófilo Silva, Presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Meu reino por um cavalo

Depois de “Ser ou não ser: eis a questão” a sentença acima talvez seja a mais popular de Shakespeare, entre as dezenas que ele criou e que são repetidas pelas pessoas todos os dias em todo o mundo. Foi tão utilizada nesses quatro séculos que usá-la aqui é quase um lugar comum. Mas, os fatos atuais me obrigam a resgatá-la.
Foi pronunciada pelo déspota Ricardo III na batalha de Bosworth, que pôs fim a Guerra das Rosas na Inglaterra do século XV. Sem montaria, tendo que combater no chão, Ricardo brada desesperadamente: “um cavalo, meu reino por um cavalo”. Covarde, sabe que somente a força e a velocidade de um cavalo poderiam tirá-lo daquela situação.
Ninguém sabe se Ricardo III pronunciou essas palavras, mas foi assim que Shakespeare quis que fosse e seu Teatro e sua imaginação têm a capacidade de ultrapassar a própria realidade. A história da humanidade é a história das guerras e as guerras foram feitas em cima de cavalos.
Até a chegada do automóvel no final do século XIX – bem como a locomotiva no início desse século – o cavalo foi o principal meio de transporte do homem e também a maior arma dos criadores de impérios. Desde Alexandre, o Grande, no século IV A.C, com seu Bucéfalo, até Napoleão Bonaparte e seu célebre garanhão branco, o cavalo foi o grande responsável por muitas conquistas.
Sabe-se que a invenção do estribo foi muito importante para as vitórias de Alexandre. Os povos nômades, também chamados de povos montados, os hunos de Átila, no século VI, e os mongóis de Gengis Khan, no século XIII, formaram seus grandes impérios em cima de cavalos. Os hunos eram tão ligados aos cavalos, que dormiam em cima deles, formando quase um único ser, tal a ligação que existia entre homem e animal.
Mesmo o exército de Hitler nos anos quarenta, com seus tanques, Mercedes, trens e motocicletas transportaram a grande maioria de seus víveres, canhões e outros apetrechos em carroças puxadas por cavalos. Só após a Segunda Grande Guerra é que o cavalo deixa de ser utilizado pelo exército nas guerras. Mesmo assim, a cavalaria ainda existe nos exércitos de todo o mundo.
E sempre foi considerada pelos militares uma das mais nobres divisões do exército. Depois do cachorro e do gato o cavalo é o mais amado dos animais. Lembrei dos cavalos, porque vi esta semana no eixo monumental de Brasília, em frente ao Palácio da Justiça, a cavalaria da polícia da Cidade. Belíssimos animais, mestiços da raça Manga Larga com Quarto de Milha.
Esses animais foram utilizados de uma maneira vil e truculenta para amedrontar e pisotear estudantes e ativistas durante uma manifestação pacífica. Cavalos chegam a pesar quase meia tonelada, um coice deles pode matar facilmente um homem e a força de seus cascos esfacela ossos e músculos. Um cavalo montado por um néscio é uma arma muito poderosa.
O Estado deve repensar o uso da cavalaria da polícia para reprimir manifestações, ainda que, nessa operação, os cavalos fossem mais pacíficos do que os policiais. O que se viu em Brasília quarta-feira foi um ato brutal de intimidação contra pessoas indefesas e desarmadas. Havia ali mais cavalos do que os usados por Hernan Cortez na conquista do México e a polícia se comportou como as hordas montadas de Gengis Khan.
Se José Roberto Arruda, o mentiroso confesso, espera segurar-se no governo com essa tática boçal de violência, se enganou. Esse talvez tenha sido o seu grito de Ricardo III às avessas. Ricardo perdeu o trono Inglaterra e a vida por falta de um cavalo, Arruda vai perder o seu por excesso deles.
Postado por Theófilo Silva, Presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Panetones da corrupção

Tomara que o brasileiro não se acostume de vez com os atos de corrupção da política como se fossem algo dado pela natureza. Corruptos não nascem em árvores ou brotam do chão bruto, por mais que se aproximem na quantidade e disposição. Corruptos são basicamente produtos da cultura.
Não desconheço que cada um de nós carrega dentro de si tendências para o desatino ao lado de inspirações para o bem. Ou que corruptos houve em toda a história nossa e alheia. Mas a ética tentou, ao longo do tempo, domesticar esses desvios. Claro que a ética, ela mesma, foi contagiada pela ambivalência humana, mas, seriamente, sempre buscou aprimorar os padrões de comportamento e, mais importante, tentou estimular uma consciência moral mais brilhante do que o céu estrelado como dizia um ranzinza de Könisberg.
A ética das virtudes dos antigos ou a ética formalista da modernidade, a ética empirista ou a ética discursiva, todas tinham essa empreitada. E criam e creem que somos capazes de nos tornar melhores com a descoberta de que sem ética o mundo vira um monturo de carcaças, uma carnificina espalhada pela terra, uma terra de ninguém. Ou, pior, uma terra dos mais espertos ou dos mais inescrupulosos.
Há povos que se detêm sobre o projeto de emancipação do ser humano de modo muito mais intenso e, por isso mesmo, exitoso de que outros. Para eles, a esfera pública não é território sem dono ou lei nem a política é apenas o espaço de profissionais de sua apropriação. Povos em que a corrupção, mesmo com a invasão da lógica do mercado na concorrência eleitoral, tornou-se exceção. Existe, mas está ali apenas para não permitir que se relaxe o aprendizado do bem comum e da república, não como valores da vida pública apenas, mas ingredientes do dia-a-dia de cada um.
Não é, por acaso, que muitos regimes políticos que romperam com a ordem existente, sob justificativa de extermínio da corrupção e dos corruptos, revelaram-se tão ou mais corruptos do que os que derrubaram. Talvez pela hipocrisia de seus argumentos. Talvez e mais provavelmente pelo vício de origem: não se combate a corrupção sendo igualmente corrupto.
Fiquemos precavidos de outras confusões supostamente salvadoras.
Para começar, corrupção é bem mais que dar ou receber vantagem indevida em virtude do cargo. Por isso mesmo, Robespierres não são suficientes, mesmo que imbuídos de nobres propósitos. O medo inibe, mas não corrige tampouco, por si, educa. Além do mais, o ambiente o devorará feito leão faminto a suas presas mais apetitosas. Será uma questão de tempo.
Nem bastam leis. A Constituição brasileira faz referência à defesa da probidade ou da moral ou do decoro públicos, pelo menos, em quinze diferentes passagens. Mas a Caixa de Pandora sempre dá o ar das suas desgraças com panetones milionários. Em âmbito nacional, distrital, estadual ou municipal, com o perdão dos ecos de cão. Dinheiro no bolso, na cueca, na meia, em Cayman, nas Bahamas, na Suíça, fraudes em licitação, em concursos públicos, caixas dois eleitorais, mensalões, mensalinhos, mensalinas.
Pequeno, acreditava que vivia num país promissor. Vejo hoje, não tão grande, mas razoavelmente experiente, que este é um país de resistência e de riqueza. Com toda roubalheira acumulada na história ainda aparece nos estudos como aquele país promissor de minha infância.
As leis brasileiras trazem em si, é verdade, um componente de ineficácia. Não falo das famosas brechas que deixam às vistas das taras capitalistas (bando de despudoradas jurídicas!), mas dos déficits instrumentais dos mecanismos de controle (desprepara técnico, falta de suporte logístico, desarticulações institucionais, para ficar em alguns), aliados a um sistema de justiça que reproduz a exclusão social, de modo que, para os mais afortunados, oferece os prazeres dos direitos fundamentais e, para os deserdados, as faces perversas do direito penal.
Então vamos mudar esse quadro. Escuto o presidente da República falar da Ucrânia. Devemos fazer uma constituinte com temas específicos: voto em lista, financiamento público de campanhas, agravamento das penas aos aloprados da corrupção. Tudo, de novo, outra vez, ecos de ecos: a retórica do direito sendo usada para um conto de fadas moribundo.
Os caciques dos partidos mandarão mais do que nunca e os caixas dois sobreviverão incólumes. Assim como a corrupção sangrará o país promissor. Há mudanças institucionais que podem e devem ser feitas. O aperfeiçoamento das instâncias de controle e a democratização do sistema de justiça, para ser enfático, espero que não enfadonho, são exemplos bem mais promissores para o nosso país promissor.
E, claro, uma mudança de cultura privada. É notória entre nós a falta do autointeresse responsável ou, como dizia Tocqueville, do interesse bem compreendido. O mundo corporativo está repleto de espaços de corrupção privada (entre agentes privados, os departamentos de compras e os financeiros, por exemplo) ou pública (como corruptores dos agentes públicos). Essa face quase sempre invisível nos debates sobre ética pública precisa ser revelada e corrigida. São antes ingredientes de difusão da lógica das facilidades e de soberania da perversão e da anomia, da redução dos valores humanos, inclusive a dignidade, a meros cifrões.
Precisamos também abandonar práticas rotineiras de corrupções menores, filhas do mesmo erro. Pequenos gestos de nosso cotidiano como fechar cruzamento, furar filas ou subornar o guarda de trânsito revelam que se estivéssemos em Brasília faríamos igual. Ou pior.