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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O efeito manada na internet e as críticas ao ex-presidente Lula

Ainda estão vivas as palavras de Lula, dizendo que desejaria estar doente para ir-se tratar num hospital do SUS. E agora está em tratamento no Sírio-Libanês, um dos mais caros hospitais do país. A hipocrisia política é reprovável, assim como a qualidade da maioria dos serviços do SUS. E a crítica um direito democrático. Mas será que isso autoriza as piadas infames sobre o ex-presidente que circularam nas redes sociais? Atribua-se à difusão do mau gosto, em grande parte, ao efeito manada propiciado pela internet. Cass Sunstein escreveu, num livro que organizei "Constituição e crise política", um artigo sobre as causas desse efeito e da radicalização dos grupos sociais em "Por que os grupos vão a extremos?". Ontem Hélio Schwartsman publicou na Folha um texto interessante também a respeito, intitulado Patologias de grupo, baseando-se no caso brasileiro:

Quem quiser vislumbrar a face feia da natureza humana deverá dar uma espiadela nos comentários de leitores a reportagens, blogs e colunas que tratam da saúde de Lula. Há um número não desprezível de pessoas querendo despachar o ex-presidente para a fila do SUS e alguns chegam mesmo a regozijar-se com sua doença. 

O fenômeno, com claros contornos políticos, parece estar relacionado à internet e à massificação das redes sociais. Trata-se de uma hipótese especulativa, mas chama a atenção o fato de as manifestações mais deprimentes de intolerância ilustrarem com perfeição o que psicólogos sociais chamam de patologias do pensamento de grupo.

A primeira é a polarização. Junte um punhado de gente com opiniões semelhantes, deixe-os conversando por um tempo e o grupo sairá com convicções mais parecidas e mais radicais. Provavelmente é assim que nascem organizações terroristas.

A conformidade é outro elemento importante. Grupos tendem a suprimir o dissenso. Mais do que isso, procuram censurar dúvidas que um dos membros possa nutrir e ignorar evidências que contrariem o consenso que se forma. É esse o segredo do sucesso das religiões.

Há, por fim, a animosidade. Ponha um corintiano e um palmeirense numa sala e mande-os discutir futebol.

Eles discordarão, mas provavelmente se tratarão com civilidade. Entretanto, se você colocar cem de cada lado, quase certamente produzirá xingamentos e até pontapés.

O que a internet e as redes sociais fazem é criar gigantescos espaços virtuais onde o pensamento de grupo pode prosperar, com o que ele tem de positivo e de negativo. A linha que separa a sabedoria das multidões de delírios coletivos é tênue.

O que os experimentos em psicologia sugerem é que a melhor defesa contra o radicalismo é semear dúvidas, de preferência levantadas por um membro do próprio grupo.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Cass Sunstein: sobre a clonagem

"Se os cientistas usarem e clonarem embriões somente num estágio muito precoce [de desenvolvimento], quando eles não passam de um punhado de células, não há razão suficiente para a sua proibição," escreveu Cass Sunstein, em 2003, numa resenha que fez, para o "The New Republic", do livro de Fukuyama Our Posthuman Future: Consequences of the Biotechnology Revolution, lançando em 2002.
À continuação, deixou claro que é "tolice pensar que 'potencial' seja [um valor] significativo para [despertar] preocupação moral. As células germinais têm 'potencial' e (não se deve dar atenção demasiada a isso) a maioria das pessoas não está particularmente sensibilizada com elas."
Como ele é agora o administrador do Escritório de Informações e Assuntos Regulatórios da Casa Branca (o Czar Regulatório de Obama), a lembrança da frase causou alvoroço nos meios conservadores.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Resenha: Cass Sunstein. A Constitution of Many Minds.

Cass Sunstein é um dos juristas mais renomados dos Estados Unidos. A começar pela impressionante capacidade de trabalho. Por ano, ele lança pelo menos um livro além de diversos artigos. Os campos de estudo são os mais diversos. Desde a análise psicológica do comportamento de grupos sociais e das razões que os levam a agir com extremismos a discussões sobre o constitucionalismo e a democracia; tanto sobre os custos dos direitos civis e sociais quanto sobre a atualidade dos direitos dos animais, sem esquecer de suas reflexões acerca do movimento feminista e do princípio ambiental da precaução. Essa atividade profícua, para alguns, custou-lhe uma vaga na Suprema Corte. Certo é que as suas qualidades acadêmicas, associadas a vínculos pessoais com o presidente Barack Obama, de quem foi colega nos bancos da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, credenciaram-no a assumir o papel de jurista número um da Casa Branca. Em um de seus recentes livros, lançado pela Princeton University Press em fevereiro de 2009, com o título “A Constitution of Many Minds: Why the Founding Document Doesn't Mean What It Meant Before” [Uma Constituição de Muitas Mendes: Porque o documento fundador não significa o que significava antes], ele retoma um de seus temas preferidos: a forma como a Constituição deve ser interpretada. Com o título sugere, Sunstein defende, contrariamente às visões unifocadas de interpretação, uma leitura pluralista da Constituição, seja do ponto de vista “metodológico” (a lembrar Friedrich Muller e, em parte, Konrad Hesse), seja do ponto de vista de seus autores (no estilo da sociedade aberta de intérpretes de Peter Häberle). Para ele, a Constituição não é um documento semanticamente estático, tampouco um texto que está inteiramente à disposição do intérprete. Na verdade, ela possui uma dinâmica de mudanças, não necessariamente formais (de emendas às normas escritas), que oscila entre grandes e pequenas transformações da percepção de todos sobre as necessidades individuais e coletivas que devem ser satisfeitas pela Constituição ou por meio dela. As grandes transformações são apoiadas em extraordinários momentos de modificação das visões dominantes, daquilo que “We, The People” passam a enxergar como integrante do compromisso que estabelecem uns com os outros (os tais “momentos constitucionais” de que fala Bruce Ackerman). Assim, com o New Deal de F.D. Roosevelt, houve uma compreensão disseminada de que, para enfrentar os desafios dos novos tempos, era preciso a ampliação dos poderes do Congresso e do presidente mesmo que em detrimento dos Estados, do direito de propriedade e da liberdade contratual. Essas transformações radicais seguiriam a teoria constitucional de Thomas Jefferson: o texto dos mortos não pode comandar o mundo dos vivos, de modo que cada geração está livre, inclusive das barreiras formais de mudança constitucional, para definir seus próprios entendimentos a respeito da Constituição. Sunstein chama essa visão de “populismo constitucional”. Para os juízes, equivaleria a dizer que a interpretação das normas da Constituição não dependeria de uma determinada vontade constituinte, mas, ao contrário, refletiria os valores do tempo em que são interpretadas. Nem sempre, no entanto, as mudanças são produtos desses excepcionais momentos de mobilização popular. A Constituição está em constante evolução, provocada pelo movimento das idéias e das contingências da realidade, que, embora quase sempre imperceptível aos contemporâneos, tornam-na diferente a cada instante até que as distinções se acumulam a ponto de revelar contornos mais precisos e visíveis. De qualquer sorte, as tradições não podem ser desconsideradas um minuto sequer e são elas que conduzem as alterações do texto constitucional ou de sua interpretação. Essa outra leitura, chamada de “tradicionalista”, teria como grande precursor James Madison e sua defesa intransigente da rigidez constitucional como uma espécie de vínculo permanente entre o passado e o futuro. Segundo seus defensores, o Judiciário deve respeitar as práticas sociais estabelecidas e os seus próprios precedentes. Uma versão da corrente é dada pelos originalistas como os juízes da Suprema Corte Antonin Scalia e Clarence Thomas. Os dois “acreditam que a Constituição dever ser entendida hoje como era no tempo em que foi ratificada.” Em outras palavras, as mudanças de orientação devem ocorrer, sem sobressaltos, somente quando a realidade social estiver, de maneira flagrante, a requerê-las. Sunstein afirma que as duas situações não se excluem. Bem ao contrário, haveria mesmo uma continuidade entre as radicais guinadas da compreensão constitucional e as pequenas alterações, produzidas em períodos de relativa estabilidade. Continuidade que expressa uma multidão de vozes e mentes mais anônimas que loquazes: “As mudanças constitucionais”, ele diz, “ocorrem por meio dos julgamentos de muitas mentes e de sucessivas gerações”. Não há, por conseguinte, um constituinte, mas diversos: “Tem havido inúmeros fundadores que podem ser encontrados em muitas gerações. A nossa Constituição é produto de muitas mentes” (p.3). Os “relatores” dessas mudanças são as instituições, enquanto os seus verdadeiros autores é o povo. Há casos em que a relatoria cabe aos tribunais: a proibição de orações nas escolas, a proteção do direito ao abortamento e os programas de ações afirmativas, por exemplo. Na maioria das vezes, entretanto, é o autogoverno, representado pelo Congresso e presidente da República, que promove os ajustes constitucionais necessários. A menção aos poderes presidenciais nos domínios da segurança nacional é inevitável. Em algumas hipóteses, o Judiciário acaba apenas por ratificar as decisões políticas. Foi o que sucedeu com a centralização do federalismo depois do New Deal e com a instituição das agências reguladoras independentes como a National Labor Relations Board, o Federal Reserve Board, a Federal Communications Commission e a Securities and Exchange Commission. Mesmo quando a iniciativa parece vir da Suprema Corte, ela não faz mais do que endossar opiniões ou sentimentos já difundidos em muitas mentes, não agindo, portanto, no vácuo social. O fim da discriminação racial, bem antes de “Brown v. Board of Education” (1954), já se encontrava nos anseios e nas reivindicações da sociedade. A Corte apenas os externou. Corajosamente os relatou, mas não os inventou. Essas mentes podem inclusive se situar fora das fronteiras do país. As experiências constitucionais de outros povos servem (ou devem servir) para ampliar o horizonte da compreensão constitucional. Ao se referir à Constituição como edifício de muitas mentes, Sunstein reproduz o Teorema de Condorcet, elaborado pelo Marquês de Condorcet em sua obra “Essai sur l’application de l’analyse à la probabilité des décisions rendues à la pluralité des voix” [Ensaio sobre a aplicação da análise à probabilidade das decisões tomadas pela pluralidade de voz], publicada em 1785, e popularizado recentemente por James Surowiecki em seu livro “The Wisdom of Crowds: Why the Many Are Smarter Than the Few and How Collective Wisdom Shapes Business, Economies, Societies, and Nations”. [A Sabedoria das Multidões: Por que muitos são mais espertos do que poucos e como a sabedoria coletiva molda os negócios, as economias, as sociedades e as nações]. De acordo com o Teorema, a resposta a questões dada por um grupo tem maior probabilidade de acerto do que a apresentada pelos seus membros individualmente. A probabilidade aumenta sensivelmente se o grupo se torna cada vez mais numeroso. Para Surowiecki, os coletividades tendem a produzir decisões mais acertadas do que os indivíduos, desde que sejam suficientemente independentes e plurais. Além de atenderem a duas outras condições: a) a aferição de respostas se der por meio da regra da maioria; e b) todos estarem em busca da resposta correta. O entendimento da Constituição como um coro de mentes leva a uma teoria da interpretação constitucional que deve considerar as duas grandes influências do pensamento norte-americano: o tradicionalismo e o populismo. A aplicação de cada um delas dependerá da classe normativa a ser interpretada. Não se pode aplicar às normas sobre as competências do presidente da República, por exemplo, os mesmos critérios hermenêuticos que são empregados para definição do estatuto constitucional das relações homoafetivas. De acordo com Sunstein, para os princípios da separação de poderes e do federalismo, o que foi feito no passado é extremamente relevante ao que deve ser feito no presente, de modo que o intérprete deve ouvir a história. Entretanto, quando a questão for de igualdade, a leitura do passado terá pouco a dizer, quando não disser exatamente o contrário do que deve ser dito agora. A terceira parte do livro cuida do que seria uma terceira corrente de teóricos da interpretação constitucional dos Estados Unidos, representada por nomes como Mark Tushnet, Steven Calabresi e Sanford Levinson. São os “cosmopolitas”. Eles, como o próprio Sunstein, defendem a possibilidade de contribuição da experiência jurisprudencial de várias supremas cortes e tribunais constitucionais, afastando enfaticamente opiniões como a de Scalia, segundo a qual o direito comparado não teria nada a ensinar aos intérpretes da Constituição estadunidense (p.188). Menciona, como exemplos de contributos importantes, as nações européias, a África do Sul e a Índia. O STF não merece nem nota de rodapé. Talvez porque falte literatura em inglês a respeito. Talvez. Mal o livro saiu, seus críticos já começaram a bater forte no polimorfismo metodológico de Sunstein e no risco de, adotada a sua tese, a Constituição sucumbir às multidões. Os problemas de “desformalização” constitucional (a Constituição perderia sua força normativa e sua rigidez) são, entre dez críticos, dez vezes citados. Mas também se anotam as dificuldades de os juízes terem tempo (e preparo) para ouvir as ruas e para separar os pré-conceitos dos consensos. Essas objeções, porém, são discutidas e enfrentadas pelo livro. Leitura interessante para quem gosta do assunto. Leitura obrigatória para os que se dizem constitucionalistas.