Ninguém sabe nem talvez jamais saberá se é mais angustiante a incompreensão do presente ou a incerteza do futuro. Por conta e culpa próprias. De tanto sonhar com a perfeição ou o paraíso de um dia que pode vir a ser, perdem-se os prazeres do instante e os presentes do presente. Troca-se a certeza do estranhamento e da incompletude à disposição quase diária pela compreensão de novos dias a serem vividos sobre padrões de conduta tão velhos quanto o mofo do seu sentido. Enquanto isso, a felicidade se extravia, deixando o sabor acre da angústia. E da dúvida. Não se compreende. Não se sabe. Nem jamais se saberá. Talvez.
A proporcionalidade, como é conhecida hoje nos discursos constitucionais, foi desenvolvida pela doutrina e jurisprudência alemãs, com base na construção prussiana oitocentista de proporcionalidade no Polizeirecht, especialmente na aplicação de pena e no exercício do poder de polícia. Hoje é preceito inspirado tanto no conceito de Estado de Direito, quanto na estrutura ou essência dos direitos fundamentais, sendo empregado para aferir a legitimidade de restrição a tais direitos. O preceito é desdobrado em três máximas.
A primeira é chamada de “adequação”, “idoneidade” ou “instrumentalidade” (Geeignetheit ou Tauglichkeit), entendida como aptidão, em tese, para o meio escolhido pelo legislador promover ou produzir o resultado ou fim pretendido. A segunda é conhecida como “necessidade” (Erforderlichkeit ou Notwendigkeit), a obrigar um prévio exame dos meios disponíveis ao legislador, de modo a verificar se foi adotado aquele menos gravoso ou mais benéfico ao direito restringido.
A terceira máxima é dita proporcionalidade em sentido estrito ou justa medida (Abwägung), que demanda um sopesamento de importância entre os direitos, bens ou interesses em conflito, segundo a lógica de custo e benefício, de modo que as vantagens auferidas pelos fins perseguidos (um direito fundamental ou um interesse coletivo) sejam iguais ou superiores aos prejuízos acarretados ao direito afetado.
Diz-se que a adequação e a necessidade se referem às possibilidades fáticas, enquanto a proporcionalidade estrita indica as possibilidades jurídicas dos direitos ou bens constitucionais em conflito, pressupondo todas as três, para muitos, direitos como princípio e princípios como ordem de otimização (comandam o mais possível, segundo as condições de possibilidades fáticas e jurídica).
O rigor na apuração varia com as máximas. Quanto se trata de examinar se uma lei restritiva promoveu adequadamente o balanceamento entre as normas constitucionais, a adequação e a necessidade só podem gerar uma conclusão contrária, se for patente ou grosseiro o erro de avaliação legislativa. Um meio idôneo não será obrigatoriamente necessário, mas um meio necessário (menos gravoso) pressupõe que seja adequado. Os dois, de toda sorte, desempenham um papel menor ou insignificante quando se trata de colisão de direitos, ampla ou estrita, sem intermediação legislativa.
O ponto central do princípio é devotado à ponderação ou proporcionalidade propriamente dita, segundo a qual quanto maior for o grau de afetação (ou de não satisfação) de um direito fundamental, tanto maior tem de ser a importância de satisfação do outro. Essas observações gerais sobre o princípio não dispensam uma análise específica, ainda que sucinta, das máximas que o integram.
Preceito, princípio ou postulado, a proporcionalidade tem sido abusadamente empregada como critério definitivo de correção de leis restritivas de direitos e até mesmo na hipótese de conflitos jusfundamentais sem mediação legislativa. Poucos se dão conta de que se trata de uma técnica constitucional importante, todavia, formulada em termos lingüísticos, sendo, por isso mesmo, objeto de interpretação na hora de ser aplicada.
Um comentário:
Refletir em torno da aplicabilidade constitucional é preciso. Sem dúvida, a retrição a Direitos Fundamentais é tema que merece a atenção dos maiores e melhores pensadores por essas bandas, sobretudo em vista do nosso histórico excesso de restrição e escassez de proteção. Seria a proporcionalidade uma saída? Na postagem passada fomos enfáticos em fugir dessa certeza, sobretudo se o aludido princípio/postulado ou regra (Virgílio Afonso da Silva) fosse pensado em termos metodológicos(ao estilo de um positivismo clássico). Mas seria possível pensá-lo em termos linguísticos, como "técnica constitucional a ser construída com a interpretação na hora de ser aplicada"? Evidentemente, ontologizar aludida técnica parece não ser a melhor saída, o que nos leva, em parte, a refletir acerca da proposta de Adércio. O problema é o pressuposto, inerente à proposta de aplicação da proporcionalidade, de que devamos trabalhar com uma teoria do suporte amplo dos Direitos Fundamentais e de que inexistam limites imanentes aos Direitos Fundamentais (Virgílio Afonso). A pergunta é: isso não esvazia os Discursos de Fundamentação? E mais: até que ponto isso não significaria uma fraude à democracia (mais uma vez, sob o pressuposto de que Constitucionalismo e Democracia não se anulam, mas se pressupõem)?
Postar um comentário