Em um campo que explode com a normatividade, David Strauss escreveu um artigo , intitulado The Modernizing Mission of Judicial Review [A Missão Modernizadora do Controle de Constitucionalidade], que fornece uma descrição verdadeiramente iluminante da racionalidade que subjaz a muitas das recentes decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos. A Corte, ele argumenta, muitas vezes segue um princípio que ele descreve como "modernização", composto por dois elementos básicos. O primeiro é definido por uma espécie de análise rigorosa de qualquer lei que considera "fora de sintonia com o sentimento popular atual" que resultará na sua invalidação, se houver qualquer fundamento doutrinário possível para fazê-lo. O segundo elemento é dado pela reconsideração que a Corte faz da sua decisão, se eventos subseqüentes mostrarem que sua conclusão estava errada e que a lei realmente tinha o apoio popular. A "modernização" raramente é invocada como a única base para uma decisão, de acordo com Strauss, mas não é um tropismo subconsciente ou uma conivência clandestina. Em vez disso, ela funciona como um princípio de apoio que aparece regularmente na fundamentação racional.
Strauss sustenta a sua observação com uma extensa pesquisa e reflexão sobre as recentes decisões da Corte. Exemplos para o primeiro elemento de modernização são as decisões sobre a Oitava Emenda, especificamente Roper v. Simmons (que proíbe a execução de um menor), Atkins v. Virginia (proibindo a execução de um deficiente mental), e Kennedy v. Louisiana (proibindo a execução do estuprador não-letal de um filho). Em todos esses casos, a Corte afirmou que a pena de morte era uma disposição arcaica que conflitava com o teor geral da opinião popular. Exemplos para o segundo elemento de modernização são a decisão de 1972, em Furman v. Geórgia, quando a Corte declarou ser a pena capital cruel e incomum, e as tomadas em 1976, inclusive Gregg v. Geórgia, em que manteve a pena de morte após os 35 Estados reeditarem leis prevendo a pena de morte. Outros casos que revelariam inclinações de modernização seriam Virginia v. U.S. que derrubou a recusa do VMI a admitir mulheres, Griswold v. Connecticut e Lawrence v. Texas. Strauss cita alguns outros casos que levam o seu argumento a extremos, como Moore v. City of East Cleveland. Em geral, contudo, sua tese é convincente.
Como se trata de um artigo de direito constitucional, seria realmente estranho que, depois de realizar um exame descritivo e normativo do assunto, não tivesse nada a dizer. Strauss continua a fornecer uma avaliação do padrão que descobre nas decisões. Mas ele resiste à tentação natural de seu estudo apresentar-se como uma solução para o dilema de revisão judicial ou condená-la como prova de que devesse ser abolida em sua totalidade. Modernização, diz ele, tem algumas características boas e outras más. Uma das suas características boas é apresetanda pelo primeiro elemento (invalidando leis arcaicas) que serve como uma função de reforço da democracia. A Corte invalida as leis que o público não quer, mas que foram aprovadas devido à inércia institucional que atinge o processo legislativo. Outra boa característica da modernização é que seu segundo elemento (contenção face ao apoio renovado) remete para o processo político, de modo que a Corte, ao julgar mal o sentimento popular, dispõe-se a mudar de posição. Estas duas características integram os dois princípios básicos da Escola do Processo Legal (Legal Process School), sendo a primeira essencialmente igual a U.S. v Carolene Products, às análises de Choper-Ely; e a segunda, semelhante à tese da "virtude passiva" de Bickel. Todas elas levantam a questão da competência jurisdicional, é claro, mas Strauss prefere referir-se à modernização como um instrumento que "lembra o papel tradicional dos tribunais de direito comum". Esse, aliás, foi um ponto a que ele se dedicou em seus escritos anteriores sobre o processo de tomada de decisão constitucional em geral. (Em uma notável exibição de autocontenção acadêmica, ele se recusa a citar-se).
Há também, segundo Strauss, uma séria desvantagem para a abordagem da modernização. "O problema é que os tribunais podem ceder demais ao processo político, deixando, portanto, de aplicar os princípios que os tribunais, e apenas os tribunais, são adequados para aplicar." (p. 900). Isso parece um ponto crucial, talvez porque eu concordo com ele (eu realmente não concordo com Strauss sobre as boas características da modernização, porque elas lidam com o conceito de "democracia" e os EUA não são realmente uma "democracia" - são uma república representativa). A razão pela qual eu aprecio a crítica de Strauss de modernização é que ela resiste ao que eu chamaria de virada populista na teoria constitucional moderna. Ambos originalistas e as teorias evolucionistas adquiriram um sabor fortemente populista nos últimos anos. A antiga abordagem do originalismo era focada na intenção dos constituintes, membros de uma elite muito restrita tanto em termos de riqueza quanto em termos de educação. Sua nova versão repousa sobre as crenças da ratificação publica, ou seja, de todo o povo americano da época em que o documento foi apresentado para aprovação. Da mesma forma, as teorias evolucionistas eram tradicionalmente baseadas nas habilidades especiais do judiciário, desenvolvidas por membros de uma profissão exclusiva. As atuais teorias evolutivas, ao contrário, centram-se nas atitudes do público, refletidas eventos observáveis, tais como os movimentos sociais, as eleições decisivas ou o discurso público.
A guinada para o populismo resolve algumas dificuldades que têm atormentado tanto originalistas quanto evolucionistas. Ela libera originalismo do culto ancestral e indecoroso de um pequeno grupo de proprietários, que compunham uma quase-aristocracia escravista. Ela liberta os evolucionistas de invocar as decisões de uma classe restrita de juristas idosos, pertencente à classe média alta ou rica, cuja capacidade de discernimento dos sentimentos populares é no mínimo questionável. Mas essas vantagens têm um custo alto, pois subestimam o valor básico do controle de constitucionalidade que levaram à sua inclusão em praticamente todas as Constituições modernas em todo o mundo. O controle de constitucionalidade é o primeiro mecanismo juridicamente estabelecido no mundo ocidental (e, talvez, o primeiro desde os profetas hebreus) que pode efetivamente controlar a autoridade pública que possui, segundo Weber, o monopólio da força legítima. Com efeito, ele domestica o direito de revolução que os filósofos políticos ocidentais defendiam no milênio passado, sem terem a menor ideia de como efetivar.
Claro que o controle jurisdicional de constitucionalidade é contra-majoritário, para invocar a Escola do Processo Legal mais uma vez. Ele é projetado para impor normas socialmente aceitas sobre a força governante na sociedade, de modo a conter a tendência inevitável de qualquer governante de trair os princípios básicos sobre os quais seu governo se baseia. É certo que o controle é realizado por uma elite, mas assim são todas as outras funções governamentais em todo o sistema, exceto na democracia direta, que é uma forma de governo que nunca foi aplicada com sucesso em qualquer lugar maior que uma aldeia. Os altos dignatários do poder político - o Presidente, o Gabinete, as agências independentes, os legisladores - são todos igualmente membros da elite. Os pobres e a classe operária nunca podem eleger seus próprios membros ao Legislativo, porque logo que são eleitos, eles deixam de ser pobres e classe trabalhadora.
As teorias populistas tornaram-se tão populares nos dias de hoje, especialmente para os teóricos da evolução (entre os quais, obviamente, encontra-se Strauss), que eu realmente esperava que ele utilizasse sua descrição da modernização para elogiá-las. Fiquei verdadeiramente surpreendido quando ele apresentou a conta das vantagens da modernização - uma discussão que se vincula fortemente ao pensamento populista - com uma crítica ao padrão de comportamento judicial que ele havia descoberto. Não é fácil, nestes dias, escrever algo sobre o controle de constitucionalidade que seja verdadeiramente esclarecedor. Escrever algo que não seja apenas surpreendente, mas também esclarecedor é uma coisa rara. É por isso que o artigo Strauss vale a pena ser lido.
O texto é uma adaptação do artigo de
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