terça-feira, 9 de novembro de 2010

Retratos de uma eleição inacabada

O dinheiro corrompe, a ganância, seu combustível essencial, corrompe muito mais. Os humanistas cívicos italianos do século XV temiam que os mecenas no poder corrompessem o projeto do bem-comum. Naquela época, porém, as vigorosas repúblicas de cidades como Florença e Milão eram governadas apenas pelas famílias tradicionais, não necessariamente as mais ricas. E muitos daqueles humanistas viam nelas, por crença ou conveniência, um celeiro da virtude republicana.
Falava-se em soberania popular, uma verdadeira revolução no pensamento monárquico e teológico reinante, mas povo era um conceito tão restrito, quanto o estatuto civil das mulheres. Até os novos ricos mercadores eram barrados.
O constitucionalismo nasceu, em parte, com essa inspiração. A república seria um processo eletivo do povo sábio, fonte de todo poder e do melhor governo. O dinheiro não haveria de corroer o interesse público, apenas pré-selecionaria os homens capazes de discernimento. Ricos, não precisariam fazer da política um meio de vida.
Foram mais de cem anos para se utilizar a palavra democracia como uma forma universal de soberania popular. Ricos e pobres poderiam votar e ser votados. Todos poderiam ser eleitos. O devido processo eleitoral se imunizaria das influências do poder econômico e político, sem o determinismo da herança ou da consanguinidade.
Mais de cem anos depois daqueles cem anos nos damos conta que as promessas foram quebradas. O dinheiro continua dando as cartas. Ser deputado custa dinheiro, ser senador mais ainda. Ser presidente, nem se fala. As campanhas dos congressistas, há pouco eleitos, receberam oficialmente mais de R$ 800 milhões. Uma pechincha. As empreiteiras ajudaram a eleger mais de 50% deles. Ao campeão dos votos mineiros ao Senado, foram pouco mais de R$ 5 milhões. A agroindústria doou só a Blairo Maggi cerca de R$ 2,1 milhões. Pura benemerência e espírito público.
A polêmica Lei da Ficha Limpa não impediu que, pelo menos 65 parlamentares que respondiam a ações no STF fossem eleitos. Jader Barbalho, como vimos, foi barrado por ela no Supremo. Mas esperam julgamento outros tantos como Paulo Maluf (PP-SP), Natan Donadon (PMDB-RO) e Pedro Henry (PP-MT). Compra de votos, fraudes em licitação e remessas de divisas para o exterior são alguns dos delitos mais comuns das condenações. Mas como cada caso é um caso, sabem-se lá quantos pularão a cerca judiciária.
A hereditariedade, enfim, permanece como fator decisivo dentro de nossa democracia. Muitos campeões de votos levam sobrenomes de tradição. Em Alagoas, o filho do senador Renan Calheiros, Renan Filho, recebeu mais de 140 mil votos e foi eleito deputado federal. Benedito de Lira (PP-AL) elegeu-se senador e fez de seu filho Arthur Lira (PP-AL) deputado federal. Ciro Nogueira (PP-PI) foi para o Senado e a sua mulher, Iracema Portela (PP-PI), para a Câmara de Deputados. Foi o que também fez Romero Jucá (PMDB-RR) e sua ex-mulher Teresa Jucá (PMDB-RR).
Vital Filho (PMDB-PB) e Wilson Santiago (PMDB-PB) seguiram quase o mesmo roteiro, ambos igualmente senadores. Vital ajudou a mãe, Nilda Gondim (PMDB-PB), e Wilson apoiou Wilsinho (PMDB-PB) à conquista de uma vaga na Câmara. Sem mandatos famosos também fizeram sua parte. José Dirceu (PT-SP) e Virgílio Guimarães (PT-MG) contribuiram para que os filhos Zeca Dirceu (PT-PR) e Gabriel Guimarães (PT-MG), respectivamente, fossem eleitos deputados federais. São alguns exemplos apenas.
E ainda há os donos da mídia, aqueles que dominam os meios de comunicação regionais e que são capazes de, em nome da liberdade de imprensa, exercer plenamente a sua liberdade de empresa eleitoral. Notícias filtradas, críticas recolhidas e uma opinião pública sob censura, resultando de tudo uma vontade política deformada. Mas isso discutiremos numa outra vez, num próximo capítulo. Fica, todavia, a chamada: a democracia é um processo, um aprendizado, uma promessa por cumprir-se.