domingo, 4 de março de 2012

Neurociência e a argumentação

Hélio Schwartsman resumiu algumas boas ideias em "A mitologia das ideias", publicada na Ilustríssima de 4/3/2012. Destaco alguns trechos importantes para registro, acrescentando aspectos teóricos e bibliografia.

A razão é darwiniana

Hugo Mercier e Dan Sperber ["Why do humans reason? Arguments for an argumentative theory". Behavioral and Brain Sciences, v. 34, 2011, p. 57-111] (...) sustentam que a razão humana evoluiu - não para aumentar nosso conhecimento e nos aproximar da verdade, mas para nos fazer triunfar em debates. A teoria, dizem os autores, não só faz sentido evolutivo como resolve uma série de problemas que há muito desafiavam a psicologia: os chamados vieses cognitivos. 

Um viés cognitivo é um padrão de desvio no julgamento humano, ocorrente em determinadas situações, levando a distorções perceptivas, a conclusões imprecisas, a interpretações ilógicas ou a outras manifestações do que se denomina irracionalidade (HASELTON, Marti G.; NETTLE, ANDREWS, Paul W. Daniel "The evolution of cognitive bias" In BUSS, D.M. (ed.). Handbook of Evolutionary PsychologyHoboken: John Wiley and Sons, 1991, p. 724, ss; ARIELY, Dan. Predictably irrational: The hidden forces that shape our decisions. New York: HarperCollins, 2008 )

Segundo Robert Wright, em "Animal Moral" (Campus BB, 2005, esgotado): "O cérebro é como um bom advogado: dado um conjunto de interesses a defender, ele se põe a convencer o mundo de sua correção lógica e moral, independentemente de ter qualquer uma das duas. Como um advogado, o cérebro humano quer vitória, não verdade; e, como um advogado, ele é muitas vezes mais admirável por sua habilidade do que por sua virtude".


O viés de confirmação: Julgamos com os nossos preconceitos


Embora tenhamos nos acostumado a pensar que tomamos decisões pesando prós e contras de cada uma das alternativas possíveis e extraindo com base nisso uma conclusão, o que os estudos psicológicos e neurocientíficos mostram é que, na maioria das ocasiões, a parte inconsciente de nossa mente chega de imediato a uma conclusão, por meio de sentimentos, palpites ou intuições. Neste instante, são os vieses cognitivos que estão operando. Em seguida, a porção racional de nosso cérebro se põe a procurar e elaborar argumentos racionais (ou quase) para justificar essa conclusão. É muito mais uma conta de chegada do que um cálculo honesto. 

Experimentos

O psicólogo Richard Wiseman, da Universidade de Hertfordshire, resolveu espalhar 240 carteiras pelas ruas de Edimburgo. Elas não continham dinheiro, apenas documentos de identidade, cartões de fidelidade, bilhetes de rifa e fotografias pessoais. A única variação eram as fotos. Algumas das carteiras não tinham foto nenhuma e outras traziam imagens que podiam ser de um casal de velhinhos, de uma família reunida, de um cachorrinho ou de um bebê. 

A meta do experimento era descobrir se a fotografia afetaria a taxa de devolução das carteiras. Num mundo perfeitamente racional, a imagem seria irrelevante. Devolve-se o objeto perdido porque é a coisa certa a fazer. O trabalho de colocá-lo numa caixa de correio não é tão grande assim, e é o que gostaríamos que os outros fizessem, caso nós é que tivéssemos perdido os documentos. É claro, porém, que as fotografias influíram nos resultados. Foram devolvidas apenas 15% das carteiras sem foto, pouco mais de 25% das que traziam a imagem dos velhinhos, 48% das da família, 53% das do filhotinho e 88% das do bebê.

Veja o blog de Wiseman aqui

O neurocientista norte-americano Michael Gazzaniga trabalha bem essa questão. Ele identifica no hemisfério esquerdo estruturas que buscam dar sentido ao mundo. O pesquisador as chama de "intérprete do hemisfério esquerdo". É ele que busca desesperadamente um significado unificado a todas as nossas experiências, memórias e fragmentos de informação. Ele nos faz deixar de ver as evidências que não nos interessam e atribui enorme peso a tudo o que apoia a nossa tese. Quando a história não fecha, pior para a verossimilhança: o intérprete não hesita em criar desculpas esfarrapadas e explicações que beiram o delírio.


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