domingo, 4 de março de 2012

Patologias das multidões

Ainda trechos de Hélio Schwartsman, em "A mitologia das ideias", revelam as patologias das multidões e os efeitos manadas:.



A linha que separa a sabedoria das multidões dos delírios coletivos é tudo menos nítida. Como mostra toda uma linha de pesquisas iniciada por Irving Janis, da Universidade Yale, nos anos 70, grupos incubam uma série de patologias do pensamento.


A primeira delas é a polarização. Junte um punhado de gente com opiniões semelhantes, deixe-os conversando por um tempo e o grupo sairá com convicções mais parecidas e mais radicais. Provavelmente é assim que nascem facções como o Tea Party, que reúne ultraconservadores radicais nos EUA, e até mesmo organizações terroristas. O advento da internet e das redes sociais pode estar facilitando a formação desses bandos.


A animosidade é outro elemento importante. Ponha um corintiano e um palmeirense para discutir futebol numa sala. Eles discordarão, mas provavelmente se tratarão com civilidade. Entretanto, se você colocar cem de cada lado, quase certamente produzirá xingamentos e até pontapés, quando não tragédias. 




Há, por fim, a conformidade. Grupos tendem a suprimir o dissenso. Mais do que isso, procuram censurar dúvidas que um dos membros possa nutrir e ignorar evidências que contrariem o consenso que se forma. É esse o segredo do sucesso das religiões.


Nesse contexto, são especialmente divertidos os experimentos do psicólogo Solomon Asch [v. "Opjnion and social pressure". Scientific American, v. 193, n. 5, 1955, p. 31-35]. Ele submeteu 123 voluntários a um teste tão ridiculamente fácil que ninguém poderia errar: exibia para eles um cartão que trazia estampada uma linha com determinado comprimento. Em seguida, num segundo cartão, apareciam três linhas marcadas com letras de A a C, umas com medidas bem diferentes das outras. A missão era identificar a letra cuja linha era igual à do primeiro cartão. Em 35 tentativas, apenas um infeliz deu a resposta errada.

Mas (sempre há um "mas" em ciência), quando o pesquisador pôs comparsas seus para dar propositalmente respostas erradas antes do voluntário, a taxa de acertos despencava de 97% para 25%. Resultados parecidos foram reproduzidos em no mundo inteiro. As incursões de Asch pelos perigos da conformidade inspiraram outros experimentos famosos, como os de Stanley Milgram [The Perils of Obedience, 1973, v. slides em aqui] (no qual, pressionadas por um pesquisador, as cobaias não hesitam em dar choques que acreditam ser quase fatais num ator) e de Phil Zimbardo ["The  Past  and  Future  of   U.S.   Prison  Policy".  American Psicologist, v. 53, n.  7, p. 709-727 (ele simulou uma prisão num porão da Universidade Stanford, e os voluntários que faziam o papel de guardas se tornaram tão violentos que a encenação teve de ser interrompida).


A profilaxia do mal - o chato


Como mostram Ori e Rom Brafman em  "Sway: The Irresistible Pull of Irrational Behavior", a existência de pessoas "do contra" ("dissenters", em inglês) são nossa melhor esperança.

Embora possa produzir fricções de alto custo emocional para todas as partes envolvidas, a figura do "dissenter" costuma levar a maioria a reformular seus argumentos (ou projetos), de modo a responder a objeções percebidas como relevantes. Essa dinâmica fica particularmente clara em situações como a de tribunais colegiados, comissões legislativas e na própria ciência. É praticamente o inverso de um "brainstorming", onde a regra era não criticar.

O "do contra" aqui, ainda que possa provocar brigas homéricas, é um elemento fundamental para melhorar a qualidade do trabalho. O diálogo, vale frisar, nem precisa ser ao vivo. É preciso criar mecanismos que questionem os consensos.

Nenhum comentário: