Leia a defesa dos direitos autorais, escrita por Scott Turow, Paul Aiken e James Shapiro, publicada na Folha de S. Paulo:
Arqueólogos concluíram uma escavação notável na zona leste de Londres no verão britânico passado. Entre os artefatos que encontraram, estavam sete puxadores de cerâmica, evidências físicas de um experimento quase perfeito realizado no século 16 sobre o vínculo entre comércio e cultura.
Quando William Shakespeare estava crescendo em Stratford-upon-Avon, na zona rural, carpinteiros naquele local de Londres estavam construindo os muros daquele que alguns consideram ter sido o primeiro teatro erguido na Europa desde a Antiguidade.
Em pouco tempo, outros teatros foram surgindo pela cidade. Quem podia pagar tinha direito de entrar e assistir à peça; quem não podia, não assistia. Quando Shakespeare começou a escrever, essas "paywalls culturais" já eram abundantes em Londres.
Trabalhadores com urnas para dinheiro (ostentando os puxadores singulares encontrados pelos arqueólogos) nas mãos ficavam na entrada de um número crescente de teatros ao ar livre, recolhendo um "penny" de ingresso.
Com essa renda, dramaturgos eram pagos para escrever novas peças. Pela primeira vez na história, tornou-se possível ganhar a vida escrevendo para o público. Uma onda de dramaturgos brilhantes surgiu quase da noite para o dia, entre eles Christopher Marlowe, Thomas Kyd, Ben Jonson e Shakespeare.
Esses talentos tinham encontrado a oportunidade, as condições e o dinheiro para exercer seu ofício.
Qual foi a constatação simples desse experimento? Como é o caso de muitas outras coisas, o talento literário permanece sem se desenvolver, a não ser que os mercados o recompensem. No auge do Iluminismo, o "paywall cultural" tornou-se virtual, quando autores britânicos conquistaram o direito de criar mercados legalmente protegidos para suas obras.
Em 1709, a Inglaterra promulgou a primeira lei do "copyright", com o objetivo expresso de combater a pirataria de livros e "para incentivar homens eruditos a compor e escrever livros úteis". Os direitos autorais, agora vinculando fortemente os autores, as gráficas (e tecnologias posteriores) e o mercado, mostrariam ser um dos grandes sucessos de política pública da história.
Os livros iriam atrair investimentos de trabalho de autores e capital de editores em escala colossal. Hoje, porém, esses mercados estão se desfazendo. A pirataria tornou-se um empreendimento lucrativo, inovador e global. A ascensão da internet levou à visão, por parte de muitos usuários e empresas que operam na rede, de que os direitos autorais são uma relíquia adequada apenas às necessidades de gigantes corporativos que estão fora de sintonia com a atualidade.
Basta pensar nos dedicados "compartilhadores de arquivos" que transmitem e recebem material protegido sem o menor sentimento de culpa. Eles são encorajados e assistidos por um punhado de professores de direito e outros especialistas que se tornaram peritos em formular argumentos contraintuitivos segundo os quais os direitos autorais constituem empecilhos à criatividade e ao progresso.
A teoria deles é que, se enfraquecermos gravemente as proteções dos direitos autorais, a inovação irá florescer de fato. É uma ideia sedutora, mas que ignora séculos de progresso científico. Uma cultura rica requer contribuições de autores e artistas que dediquem milhares de horas a uma obra e a vida inteira a seu trabalho.
Desde o Iluminismo, as sociedades ocidentais acostumaram-se a acreditar que o progresso é inevitável. Ele nunca o foi. O progresso é decorrente da obediência a regras que foram construídas cuidadosamente e práticas que foram iniciadas por pessoas que viviam sob a sombra comprida da Idade das Trevas. Quando mudamos essas regras, corremos riscos.
Em julho passado, um público pequeno reuniu-se naquela escavação arqueológica em Londres para ouvir dois atores ler trechos de "Sonho de Uma Noite de Verão" no lugar onde a peça estreou, no ponto onde ficavam as paredes mais valiosas do teatro.
Na íntegra: FSP: Apenas "copyright" pode garantir progresso
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