Todos estão falando da crise da Grécia e
do empobrecimento da Europa, mas há uma crise e um empobrecimento muito mais
sérios debaixo do tapete.
Pouca gente percebe, mas perto de 1
bilhão de pessoas passam fome no mundo. Isso mesmo, 1 bilhão, segundo a FAO. Paradoxalmente,
nunca se produziram tantos cereais quanto hoje. A bagatela de 2,3 bilhões de
toneladas por ano, suficiente para alimentar uma vez e meia o número de
habitantes do planeta.
A conta não fecha devido à competição e à
distribuição dessa comida toda. Menos da metade dela vai realmente para a mesa
dos seres humanos. Mais de um terço segue para alimentar os animais e perto de
20% serve de matéria-prima ou de combustível para as máquinas.
Os países ricos, mesmo os
"quebrados" europeus, ficam com os alimentos de melhor qualidade e a
classe C emergente, principalmente nos BRICS, com o resto. Aliás, o crescimento
dessa classe nos últimos anos, segundo o Banco
Mundial, provocou uma severa alta nos preços dos alimentos. Esses dois
ingredientes somados à reivindicação crescente de melhoria dos produtos
agropecuários, à especulação dos mercados de commodities e aos danos das
mudanças climáticas, quase sempre subestimados pelos economistas, tem levado a
uma espécie de "swap alimentar": alimentam-se porcos em vez de gente.
Porcos dos Estados Unidos e do Brasil;
gente da África subsaariana, onde se concentram os principais bolsões da fome.
Não é que estejamos tão bem na foto assim. Levantamentos
oficiais contabilizaram o ano passado 16,3 milhões de miseráveis, 10,5
milhões deles em condições subumanas no País. Como bem disse uma amiga esses
dias, não vivem com ratos, vivem como ratos nos muquifos do sertão, das favelas
ou da mata. Os estados da Bahia e do Maranhão são os campeões desse humilhante
ranking.
É certo que desde o inicio dos anos noventa, houve
redução pela metade no número de pobres no Brasil. Há, porém, uma discriminação invisível embutida
nessa relativa conquista: o número dos que vivem sob os auspícios das viúvas da
fome, mulheres que, por diversas razões, chefiam sozinhas suas famílias,
continuou praticamente o mesmo. Motivo? Os programas de distribuição de renda simplesmente
não as viram na geografia famélica [A extrema pobreza é feminina. OBRIG, 2009]. Mas ainda assim estamos melhores do que a África e alguns países
asiáticos.
Os desvalidos da globalização só tende a
aumentar e a concentrar-se nos guetos do mapa múndi, se não houver um concerto
internacional. A fome mata muitas crianças e as que sobram têm dificuldade de
aprender. São as sequelas da nova velha divisão internacional da fortuna. Sem
educação adequada o destino é a pobreza e a fertilidade.
Estudos, como os realizados por
Heck, Schoendorf, Ventura e Kiely [Delayed
Childbearing by Education Level in the United States, 1969–1994], e por
Currie e Moretti [Mother's education and the intergenerational
transmission of human capital: Evidence from college openings], mostram que o índice de natalidade está diretamente relacionado com os
níveis de escolaridade. Pais mais educados
tendem a ter menos filhos. Os recursos, se não sobram, faltam menos, então.
Menos filhos podem significar melhor qualidade de vida e melhor
educação, tornando virtuoso o círculo.
É meio malthusiana a análise, mas tem
seus acertos. Alguns iluminados, como os autores do “Implications of Worldwide
Population Growth for U.S. Security and Overseas Interests” (NSSM 200), o
famoso “Relatório Kissinger,” e os Le Pens da vida que se multiplicam sem
parar, sobretudo em tempo de crise, apresentam propostas nobres para solução do
problema: esterilização em massa dos famintos. O pior é que muita gente dá
ouvidos a esses desvarios morais. Não há alternativas que não passem por uma
redistribuição dos ônus e bônus dessa tal globalização. A questão é: quem
efetivamente dará o primeiro passo?
O silêncio tem levado a uma prática tão
perversa quanto as sugestões dos Kissingers e Le Pens: quem for pobre que se
exploda.