Que vivemos um tempo de aparência, não há
dúvidas. E de sensação de ausência, que alguns traduzem como vazio existencial,
também. Ausência de quê?. De algo que jamais tivemos e que, ainda assim, nos
roubaram. Perdemos o sentido de um projeto histórico de emancipação e
felicidade, e passamos a viver de uma imediatidade de estímulos e respostas,
identificada erradamente desde os iluministas com o hedonismo. Tudo que não
somos é hedonistas, não cultuamos o prazer como objetivo de vida nem a vida
como meta do prazer. Cultivamos o sofrimento, a angústia que se expressa nessa
falta e nessa instantaneidade dos sentidos que nos obrigam a parecer o que não
somos, um projeto simulado para que uns jurados igualmente ocos, simulacros de
pessoas que fingem o que (não) são, nos aceitem.
As relações pessoais estão dominadas por esse
jogo de gato e rato. Escondemos uns dos outros o que não temos e, todavia,
mostramos o que tampouco possuímos. O olhar – e principalmente a impressão dos
outros – é uma tirania diária contra a qual não nos rebelamos, porque somos,
nós próprios, tiranos dos demais. Somos os hipermodernos, como diz Gilles Lipovetsky, que substituíram as palavras pelo
hipertexto, os vínculos pelo hiperlink, o afeto pelo hiperconsumo (e pelo
desconsolo). Somos hiper-quase-tudo com pouco ou nada realmente a dar ou a
receber.
Diferentemente do que pensa Lipovetsky, porém,
não creio que se foi o tempo do teatro da ostentação social. Estou mais com
Bauman, quando afirma, em “A Arte da Vida”, que continuamos a competir pela aparência e
por uma efêmera superioridade estética. Em alguns de nós, a vitória sobre os
nossos julgadores é a felicidade que nos basta e é dada pelo consumo e pela
forma, socialmente reconhecidos como diferenciados e diferenciadores, pouco
importando a sua produção ou o conteúdo.
O “socialmente”, aqui, está reduzido a um
grupo que é também reconhecido, pelos réus ou autores (os polos se confundem),
como sendo integrado por “distintos julgadores” - da aparência. Uma plateia
seleta a um narciso complexado. Para outros de nós (o nós dos outros),
entretanto, não se faz necessário que se passe fisicamente pelo julgamento
dessa classe iluminada pela passarela invisível (e inexistente) da moda da existência.
A imaginação já traz ao páreo a sociedade de consumidores. Nesses casos, basta
que se compre. No ato de comprar, consuma-se o desfile e o esbanjamento. Mas
também, esgota-se o prazer.
Esse quadro, do capitalismo das redes ou do
hipercapital, nos mostra como zumbis de gente e deboches de agentes morais
(aliás, o deboche do alheio é a forma preferida de esconder-nos das nossas
próprias fraquezas). Economicamente, é ainda mais cruel, pois, como diz ainda
Bauman, a felicidade do consumo leva à contradição sem saída “de uma sociedade
que estabelece para todos os membros um padrão de felicidade que a maioria
destes ‘todos’ é incapaz de alcançar” (p. 38). A maioria, não, ninguém. A
menos que aceitemos como certa a felicidade do absurdo e da carência. A
aparência e o vazio como a felicidade (impossível) de nossos dias.
PS - Ao reler o texto, dei-me conta de que a
tentação desse prazer de fachada, desse desejo de poder sem poder e de imitar o
inimitável, por mérito, ou o vulgar, por roteiro do que no fundo é supérfluo e
pura despeita, não tem nada de novo. Freud, há muito, já dizia que “é difícil escapar à impressão de que em
geral as pessoas usam medidas falsas, de que buscam poder, sucesso e riqueza
para si mesmas e admiram aqueles que os têm, subestimando os autênticos valores da vida” (p. 1). Com um agravante hoje: quem os tem
não os tem, se é que os tivera algum dia, os valores mais autênticos da vida.
Sobram só o aparente e a ausência do que jamais tivemos e, para piorar, nos
roubaram, vai ver que num shopping center entre mim e você. Estamos sós e
competindo pelo prazer insensível de hedonistas de araque.