Marina, uma jovem honrada, vendida para um bordel como prostituta, chama Boult, o encarregado do prostíbulo, de “porteiro amaldiçoado” e “limpador de latrinas”.
Indignado com Marina, Boult dá uma dura resposta: “queres que vá para a guerra? Onde um homem é obrigado a servir sete anos, exposto a perder uma perna, para depois não ter dinheiro bastante, no fim de tudo, para comprar uma perna de pau”?
A cena se passa em Péricles, Príncipe de Tyro, uma das Peças Finais de Shakespeare. A perna de pau de que fala Boult me inspirou a escrever sobre o drama dos aposentados do Brasil, esses cidadãos esquecidos e espoliados.
Falo daquelas pessoas que trabalharam trinta e cinco anos e, no crepúsculo da vida têm direito a um salário mágico, misterioso, porque, curiosamente, vai diminuindo ano a ano. Acontece algo parecido com o que diz Boult: “no fim de tudo”, o salário não dá para comprar uma perna de pau.
Vamos substituir perna de pau por muleta, remédios ou medicamentos. Isso, o salário do aposentado não compra sequer aquelas caixinhas de remédio com nome em inglês contendo uma tarja de advertência.
Hoje todo “velhinho” ou “velhinha” – só uso essa palavra para dá ênfase ao texto – é obrigado a comprar um bocado delas todos os meses. E para o resto da vida. Bom, alguém poderia dizer: é natural, eles estão se cuidando para prolongar a vida, prevenindo-se de doenças futuras! Correto, porém, não é tão simples assim.
O Estado também está doente, pois sofre da memória não se lembra daqueles que, com muito trabalho, suor, e sofrimento ajudaram, bem ou mal, a construir o país que temos. O abandono dos mais velhos é um problema antigo da cultura ocidental. Os idosos são tratados com desprezo.
O tratamento é desrespeitoso e egoísta; somos iguais aos muçulmanos no seu trato com as mulheres. E não estou exagerando. A atenção aos mais velhos no Japão e na China e mesmo entre os islâmicos é semelhante ao que se dá às crianças no ocidente: atenção e carinho, sempre.
Entre nós, o problema está nas próprias famílias; dos filhos que abandonam seus pais em lares para idosos e somem para constituir outra família. Essa lógica perversa tem que mudar, mesmo que leve várias gerações.
Infelizmente, os Governos ajudam a manter essa situação, diminuindo periodicamente os proventos desses que não podem se defender como deveriam. O nome de Boult é simbólico, significa algo como, “impotente”, Shakespeare não pôs esse nome por acaso.
O aposentado no Brasil é um impotente, é um Boult. As milhares de entidades que dizem lutar pelos interesses da classe – têm até um partido político com a palavra aposentado – pouco conseguem fazer.
Dia a dia, vemos nossos pais e nossos avós serem humilhados em filas de bancos e hospitais. Vaga de estacionamento pra quem tem mais de 60 anos é charlatanismo político. O que os mais velhos precisam é que o Estado lhes pague um salário digno.
Pelo menos, aquele salário que o aposentado tinha no seu último mês de trabalho e que foi comido ano após ano pela política nefasta dos governos que desprezam aqueles que construíram o passado. Uma nação que despreza o passado não tem futuro.
Postado por Theófilo Silva, Presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.
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