domingo, 12 de setembro de 2010

Liberdade de expressão - há limites prévios?

A Constituição Federal assegura a liberdade de expressão de modo enfático. Mas expressamente prevê a sua convivência com outros direitos e interesses constitucionais. De um lado, parece assumir os chamados limites internos que, em tese, autorizariam medidas preventivas para evitar estragos irreversíveis às pessoas: "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV" (art. 220, § 1º). Nem toda violação à intimidade, à imagem ou à honra é compensada por dinheiro ou prisão do responsável. Por outro lado, parece recusar a interferência prévia à expressão manifestada: "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença" (art. 5o, IX) e "é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística" (art. 220, § 2º). Há censura que não seja política, ideológica ou artística? Para rádio e tevê sua linguagem é mais restritiva: "Compete à lei federal estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente" (art. 220, § 3º). Destaco apenas um inciso IV do art. 221 que estabelece deveres à produção e a programação das emissoras de rádio e televisão: "respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família". Que devemos entender dentro desse emaranhado todo de normas constitucionais? Juridicamente parece defensável a possibilidade excepcional de decisões judiciais impedirem a circulação de certas matérias que flagrantemente atentem contra a intimidade de uma pessoa, por exemplo. A menos que tais decisões tenham clara intenção de valoração política, artística ou ideológica. Politicamente, há um risco sério de a autorização de "flagrância" e de a inevitabilidade da "valoração" darem espaço para instauração da censura judicial, em especial num país de histórico recente de censores. O STF tem assumido essa orientação como no caso da revogação da Lei de Imprensa (ADPF 130/DF) e mais recentemente na suspensão do inciso 2 do art. 45 da Lei eleitoral (9.504/1997), que vedava, a partir de 1º de julho de ano eleitoral, "trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degrada[ss]em ou ridiculariza[ss]em candidato, partido ou coligação". Pôs fim ao fim da piada com candidatos. A imprensa aplaudiu as duas decisões. Neste domingo,12/9/2010, Elio Gaspari escreveu a respeito: A campanha eleitoral está nos seus últimos dias e o estrago que a censura podia ter feito já se consumou. Nos próximos meses o debate poderá ser retomado. Se a Constituição diz que não há censura e se o Supremo já decidiu que é assim, falta terminar a faxina. Todo mundo defende a liberdade de expressão, salvo quando ela se torna incômoda, ou mesmo abusiva, criminosa. O remédio para as malfeitorias não está na tesoura, mas nas leis que protegem os cidadãos e penalizam aqueles que as violam. A ideia segundo a qual "algo deve ser feito" embute um drible na Constituição. O que deve ser feito está há tempo nas leis, basta aplicá-las. Durante dez anos, de 1968 a 1978, a imprensa brasileira foi submetida a formas variáveis e seletivas de censura. O principal responsável pelo fim da censura foi um general que, sinceramente, condenava o voto direto para a escolha de governantes, a interferência do Congresso em matéria orçamentária e a liberdade de imprensa. Chamava-se Ernesto Geisel. Tendo governado o país de 1974 a 1979, aprendeu que ela não funcionava, contaminando o governo ao encobrir corruptos. Não sei se há exatamente um "drible" constitucional na tentativa de conciliar direitos fundamentais que possam entrar em conflito. Mas que é perigosa a iniciativa, não tenha dúvidas

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