A principal alegação do autor é baseada na ciência política, mostrando que a Corte sob o comando de Robert é mais propensa a proferir decisões “conservadoras” do que seus antecessores. Liptak relata: "Nos seus primeiros cinco anos, a Corte proferiu decisões conservadoras em 58% das vezes. E no último trimestre do ano passado, a taxa subiu para 65%, o maior número em anos, pelo menos desde 1953".
A recente mudança para a direita é modesta. As decisões da Corte dificilmente têm sido uniformemente conservadoras. Os Ministros, limitaram, por exemplo, a aplicação da pena de morte e rejeitaram amplas reivindicações do poder executivo no esforço do governo em combater o terrorismo.
Mas estudiosos que observam as tendências gerais, ao invés das decisões individuais, dizem que dados amplamente aceitos pelos cientistas políticos contam uma inequívoca história acerca de uma Corte notadamente conservadora. Em outro ponto do artigo, Liptak escreve “o ritmo de mudanças tem sido vertiginoso” desde que os Ministros Roberts e Alito se juntaram à Corte, mas também que “a mudança para a direita é modesta”.
Supondo que a definição do que sejam decisões “conservadoras” ou “ liberais” seja precisa, esta metodologia identifica a tendência das decisões, mas necessariamente também identificará quais tribunais seriam os mais conservadores? Depende do que se está querendo dizer.
Um tribunal que, mais frequentemente, profere decisões conservadoras não necessariamente “desloca” a aplicação da lei para a direita mais do que um outro que tenha registros mais liberais (um ponto que Liptak reconhece). Isso porque uma decisão “conservadora” pode ser aquela que anula ou modifica precedentes para deslocar a aplicação da lei para a direita, mas também pode ser nada mais do que uma decisão que recusa abarcar uma mudança liberal na lei.
Uma Corte na qual o último tipo de decisão é predominante, o que pode ser chamado de uma Corte conservadora “minimalista”, poderia ser identificada como sendo mais “conservadora” do que uma Corte em que grande parte das decisões proferidas é liberal, mas que, quando profere decisões conservadoras, está mais propensa a anular precedentes ou a mudar a lei. Dessa forma, o tribunal mais conservador teria um papel menor em tornar a lei mais conservadora. Como pontuei anteriormente, existe, também, uma importante diferença entre uma decisão judicial que, digamos, identifica uma nova limitação constitucional com relação ao poder legislativo e outra que adota uma interpretação regulamentar moderada, uma vez que a última é bem mais deferente para as instituições políticas, sendo mais fácil sua correção.
Esta distinção é importante devido ao fato de que os dados apresentados por Liptak sugerem que a Corte sob o comando do Justice Roberts é “minimalista conservadora”. Na realidade, a referida Corte parece ser a mais moderada – ou menos “ativista” (se ativismo for definido como a vontade de anular estatutos federais ou precedentes) - desde a Segunda Guerra Mundial. De acordo com os dados apresentados no artigo referido, as Cortes sob o comando de Warren, Burger e Reqhnquist anularam precedentes com taxas médias de 2.7, 2.8 e 2.4 por trimestre, respectivamente. A Corte sob o comando de Roberts, por outro lado, somente anulou em média 1.6 precedentes por trimestre.
Os registros referentes a leis invalidadas mostram uma padrão similar. Os tribunais sob o comando de Warren, Burger e Rehnquist invalidaram em média 7.9, 12.5 e 8.2 leis por trimestre, respectivamente, ao passo que o tribunal presidido por Robert somente invalidou uma média de 3 leis por trimestre. Liptak citou estes dados no final de seu artigo, mas os subestima com a seguinte descrição: “A corte sob o comando de Robert está declarando leis como sendo inconstitucionais e revertendo precedentes – duas medidas de ativismo – não mais frequentemente do que tribunais prévios.”
Dessa forma, enquanto a maioria de decisões da referida Corte são “conservadoras”, os dados que Liptak resume não parecem ter resultado em um regime legal mais conservador, uma vez que a Corte fez relativamente pouco para mudar a lei (pelo menos até agora) comparada com a de seus antecessores. Isso é importante porque efetivamente refuta as alegações de que existe algo particularmente radical ou “ativista” acerca do Tribunal presidido por Robert, mesmo que se aceite que seja notadamente “conservador”.
Se Liptak tivesse se engajado em um exame substancial das decisões da Corte em questão, ele teria encontrado um padrão similar na maioria das áreas, sendo alguns aspectos de processo penal a exceção. Como mostrei nesse artigo, em muitas áreas bastante discutidas, a essência das opiniões da Corte presidida por Roberts não é mais conservadora do que as da Corte presidida por Rehnquist. Em relação ao aborto, por exemplo, a decisão proferida no caso Gonzales v. Carhart de 2007 é mais conservadora do que no caso Stenberg v. Carhart, de 2000, mas Stenberg possivelmente representou uma mudança para a esquerda se comparado a Casey e Carhart, que havia meramente alterado a lei no sentido como era anteriormente. Parents involved e Ricci podem parecer mais conservadoras do que Grutter, porém, não são mais restritivas do que Croson e Adarand.
Não existe evidência, até o momento, de que a Corte presidida por Roberts esteja querendo desafiar o poder federal tanto quanto a Corte presidida por Burger (National League of Cities v. Usery) ou por Rehnquist (Lopez, Morrison, Boerne). Existem exceções, tais como algumas das decisões da Corte sobre os "direitos de Miranda" - que certamente fizeram a lei menos protetora a suspeitos e réus criminais – e como Citizens United, mas estas exceções são balanceadas pelas agressivas opiniões liberais em áreas relacionadas ao poder executivo e à pena de morte. Em suma, mesmo que a maioria das decisões da Corte seja “conservadora”, uma análise substancial das decisões da Corte em questão não revela uma mudança na lei para a direita.
O artigo atribuiu a mudança para a direita do Tribunal às mudanças de pessoal, em particular à substituição da Ministra O´Connor pelo Ministro Alito. Existe pouca controvérsia no fato de que o Ministro Alito era notadamente mais “conservador” do que a Ministra O´Connor à época de sua aposentadoria. Isto é importante porque, por muitos anos, a Juíza O´Connor foi a Juíza moderada (median Justice). Substituí-la poderia não ajudar, mas acarretaria uma mudança no Tribunal. Mesmo assim, a substituição pelo Ministro Alito não tornou a Corte significativamente mais conservadora do que foi há uma década, principalmente pelo fato de a jurisprudência da Ministra O´Connor ter se “desenvolvida” em uma direção visivelmente mais liberal durante seu exercício (o que também aconteceu com os Ministros Kennedy e Stevens, como mostra o trabalho de alguns dos estudiosos que o próprio Liptak se baseou para escrever seu artigo).
Como consequência, a Corte presidida por Rehnquist seguiu em direção da esquerda, mesmo quando não houve alteração em seu quadro de pessoal, e tornou-se mais esquerdista quando o Ministro Ginsburg substituiu o Ministro White. Dessa forma, dizer que a Corte é agora mais conservadora do que, digamos, era em 2001, nos diz muito pouco acerca de sua trajetória ideológica como um todo.
Curiosamente, qualquer mudança para a direita não deixou a Corte em menor sintonia com o público americano. Como Litak relata: "Enquanto a Corte é um tanto quanto conservadora por padrões históricos, é menos conservadora, se analisada em relação a padrões contemporâneos. Pesquisas da opinião pública sugerem que cerca de 30% dos americanos acham que a corte atual é muito liberal e quase metade acha está na direção certa".
Em certas questões legais, também, as decisões do tribunal estão, com frequência, intimamente alinhadas com a opinião pública, ou mais liberais, de acordo com estudos realizados em 2008 em “Public Opinion e Constitutional Controversy” (Oxford University Press).
Liptak aponta a questão do aborto e das ações afirmativas como áreas nas quais a Corte está alinhada com a opinião pública. Ele também poderia ter falado do poder executivo, da pena de morte e de outras áreas nas quais a Corte está ainda à esquerda do público.
E a questão da metodologia subjacente? Podemos realmente descrever todas as opiniões como sendo “conservadoras” ou liberais? Segue a descrição da metodologia feita por Liptak: "Votos que favorecem réus criminais, sindicatos, pessoas que reclamam de discriminações ou violações de seus direitos civis são, por exemplo, considerados liberais. Decisões que derrubam regulamentações de natureza econômica e favorecem promotores, empregadores e o governo são consideradas conservadoras"
Cerca de 1% dos casos não possui nenhuma valência ideológica, como em uma disputa de fronteiras por dois Estados. E alguns dizem respeito a múltiplas questões ou contêm correntes ideológicas cruzadas. Mas, enquanto é fácil identificar o caso especial para o qual a codificação ideológica não faz nenhum sentido, a grande maioria se encaixa bem. Eles também tendem a se alinhar aos votos dos juízes que geralmente são considerados liberais ou conservadores.
Esta metodologia é certamente de fácil aplicação na maioria dos casos contemporâneos, mas existem áreas nas quais sua aplicação se torna difícil. Imagine os sentencing cases, Qual lado é “conservador”? E a preempção? Geralmente pensamos em preempção como sendo algo defendido por corporações e, sendo, assim, algo conservador, mas e se for aplicada a casos envolvendo as leis imigratórias do Arizona? E em relação à cláusula dormant commerce? Seria a postura “conservadora” aquela que afasta as obstruções do Estado ao comércio interestadual? Ou seria aquela que adota uma visão mais moderada dada a proveniência textual incerta da doutrina?
Casos que obviamente tinham uma valência ideológica à época, podem não parecer tão claros com o passar do tempo. Ricci v. DeStefano foi uma decisão “contra os empregadores” e “contra o governo” favorecendo às “pessoas que alegavam discriminação”, e, mesmo assim, a consideraríamos “conservadora” por padrões contemporâneos. Mas um estudante de graduação em ciência política poderia não considerar a decisão “conservadora”. O mesmo pode se aplicar no caso Comstock, no qual a Corte manteve o poder federal contra contestação de réus federais. Isto a torna conservadora? Eu não acredito. Minha opinião não é a de que coding cases são indeterminados, mas que tentar manter uma métrica ideológica consistente com o passar do tempo por meio de regras codificadas pode ser muito difícil, e não creio que tais análises nos dão uma entendimento inequívoco de que, digamos, o Ministro Hugo Black é mais ou menos “conservador” do que o Ministro Kennedy.
Uma consideração final: dizer que a Corte é mais “conservadora” ou mais liberal é não analisar a qualidade do trabalho da Corte ou a assertividade de suas decisões. Acredito que a Corte é muito liberal em algumas áreas e muito conservadora em outras. E simplesmente assertiva em outras. Meu interesse por esse assunto surgiu de minha frustração pela pressa com a qual alguns caracterizam o trabalho da Corte, abarcando termos ideológicos e pelo que percebo ser um esforço um tanto quanto persistente em rotular a Corte como ideologicamente “conservadora”, especialmente quando tais rótulos não descrevem acuradamente o trabalho dela. Pelo menos, até o momento.
Artigo de Jonathan Adler, publicado em The Volokh Conspiracy. Trad. Virginia Rosa Rodrigues Astolfi
2 comentários:
O texto suscita um olhar atento a esse recorte da matéria:"Dessa forma, dizer que a Corte é agora mais conservadora do que, digamos, era em 2001, nos diz muito pouco acerca de sua trajetória ideológica como um todo.
Curiosamente, qualquer mudança para a direita não deixou a Corte em menor sintonia com o público americano."
E a consideração final do artigo nos dá uma resposta coerente desvencilhada de rótulos inequívocos.
"... dizer que a Corte é mais “conservadora” ou mais liberal é não analisar a qualidade do trabalho da Corte ou a assertividade de suas decisões." Concordo.
Grande e prezado José Adércio,
Tudo bem? Não vou comentar agora essa postagem. Gostaria, em verdade, de tirar duas dúvidas: Poderia me auxiliar?
a) Qual é a sua concepção acerca dos Direitos sociais: a.1) Direitos Definitivos; a.2) Direitos prima facie; a.3) nenhuma das duas? Estou tratando do tema na dissertação e, sinceramente, penso que o Professor defenda a primeira das duas. Você confirma?
b) No livro The cost of rigths, Holmes e Sunstein demonstram reconhecer a importância dos welfare rights e das políticas de inclusão. Mas estou na dúvida: para eles esses Direitos são Legais ou Constitucionais? Pesquisei um outro texto de Sunstein (Social and Economic Rights? Lessons from South Africa) onde ele reconhece a possibilidade de a Suprema Corte controlar a constitucionalidade das políticas públicas implementadas pelo Estado, sobretudo no tocante à razoabilidade das mesmas. Então: Seriam esses Direitos constitucionais ou legais na concepção de Sunstein?
Aguardo posição e desde já agradeço,
Grande abraço.
Bernardo.
Postar um comentário