quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Panetones da corrupção

Tomara que o brasileiro não se acostume de vez com os atos de corrupção da política como se fossem algo dado pela natureza. Corruptos não nascem em árvores ou brotam do chão bruto, por mais que se aproximem na quantidade e disposição. Corruptos são basicamente produtos da cultura.
Não desconheço que cada um de nós carrega dentro de si tendências para o desatino ao lado de inspirações para o bem. Ou que corruptos houve em toda a história nossa e alheia. Mas a ética tentou, ao longo do tempo, domesticar esses desvios. Claro que a ética, ela mesma, foi contagiada pela ambivalência humana, mas, seriamente, sempre buscou aprimorar os padrões de comportamento e, mais importante, tentou estimular uma consciência moral mais brilhante do que o céu estrelado como dizia um ranzinza de Könisberg.
A ética das virtudes dos antigos ou a ética formalista da modernidade, a ética empirista ou a ética discursiva, todas tinham essa empreitada. E criam e creem que somos capazes de nos tornar melhores com a descoberta de que sem ética o mundo vira um monturo de carcaças, uma carnificina espalhada pela terra, uma terra de ninguém. Ou, pior, uma terra dos mais espertos ou dos mais inescrupulosos.
Há povos que se detêm sobre o projeto de emancipação do ser humano de modo muito mais intenso e, por isso mesmo, exitoso de que outros. Para eles, a esfera pública não é território sem dono ou lei nem a política é apenas o espaço de profissionais de sua apropriação. Povos em que a corrupção, mesmo com a invasão da lógica do mercado na concorrência eleitoral, tornou-se exceção. Existe, mas está ali apenas para não permitir que se relaxe o aprendizado do bem comum e da república, não como valores da vida pública apenas, mas ingredientes do dia-a-dia de cada um.
Não é, por acaso, que muitos regimes políticos que romperam com a ordem existente, sob justificativa de extermínio da corrupção e dos corruptos, revelaram-se tão ou mais corruptos do que os que derrubaram. Talvez pela hipocrisia de seus argumentos. Talvez e mais provavelmente pelo vício de origem: não se combate a corrupção sendo igualmente corrupto.
Fiquemos precavidos de outras confusões supostamente salvadoras.
Para começar, corrupção é bem mais que dar ou receber vantagem indevida em virtude do cargo. Por isso mesmo, Robespierres não são suficientes, mesmo que imbuídos de nobres propósitos. O medo inibe, mas não corrige tampouco, por si, educa. Além do mais, o ambiente o devorará feito leão faminto a suas presas mais apetitosas. Será uma questão de tempo.
Nem bastam leis. A Constituição brasileira faz referência à defesa da probidade ou da moral ou do decoro públicos, pelo menos, em quinze diferentes passagens. Mas a Caixa de Pandora sempre dá o ar das suas desgraças com panetones milionários. Em âmbito nacional, distrital, estadual ou municipal, com o perdão dos ecos de cão. Dinheiro no bolso, na cueca, na meia, em Cayman, nas Bahamas, na Suíça, fraudes em licitação, em concursos públicos, caixas dois eleitorais, mensalões, mensalinhos, mensalinas.
Pequeno, acreditava que vivia num país promissor. Vejo hoje, não tão grande, mas razoavelmente experiente, que este é um país de resistência e de riqueza. Com toda roubalheira acumulada na história ainda aparece nos estudos como aquele país promissor de minha infância.
As leis brasileiras trazem em si, é verdade, um componente de ineficácia. Não falo das famosas brechas que deixam às vistas das taras capitalistas (bando de despudoradas jurídicas!), mas dos déficits instrumentais dos mecanismos de controle (desprepara técnico, falta de suporte logístico, desarticulações institucionais, para ficar em alguns), aliados a um sistema de justiça que reproduz a exclusão social, de modo que, para os mais afortunados, oferece os prazeres dos direitos fundamentais e, para os deserdados, as faces perversas do direito penal.
Então vamos mudar esse quadro. Escuto o presidente da República falar da Ucrânia. Devemos fazer uma constituinte com temas específicos: voto em lista, financiamento público de campanhas, agravamento das penas aos aloprados da corrupção. Tudo, de novo, outra vez, ecos de ecos: a retórica do direito sendo usada para um conto de fadas moribundo.
Os caciques dos partidos mandarão mais do que nunca e os caixas dois sobreviverão incólumes. Assim como a corrupção sangrará o país promissor. Há mudanças institucionais que podem e devem ser feitas. O aperfeiçoamento das instâncias de controle e a democratização do sistema de justiça, para ser enfático, espero que não enfadonho, são exemplos bem mais promissores para o nosso país promissor.
E, claro, uma mudança de cultura privada. É notória entre nós a falta do autointeresse responsável ou, como dizia Tocqueville, do interesse bem compreendido. O mundo corporativo está repleto de espaços de corrupção privada (entre agentes privados, os departamentos de compras e os financeiros, por exemplo) ou pública (como corruptores dos agentes públicos). Essa face quase sempre invisível nos debates sobre ética pública precisa ser revelada e corrigida. São antes ingredientes de difusão da lógica das facilidades e de soberania da perversão e da anomia, da redução dos valores humanos, inclusive a dignidade, a meros cifrões.
Precisamos também abandonar práticas rotineiras de corrupções menores, filhas do mesmo erro. Pequenos gestos de nosso cotidiano como fechar cruzamento, furar filas ou subornar o guarda de trânsito revelam que se estivéssemos em Brasília faríamos igual. Ou pior.

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