terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O suicídio assistido e a vida digna

O Conselho Federal da Suíça iniciou uma consulta que deverá se alongar até março de 2010 sobre duas propostas de combate ao chamado, pelo governo e organizações pró-vida, "turismo do suicídio".
Segundo informações divulgadas por essas organizações, só em 2007 ocorreram 1.360 suicídios naquele país, 400 deles com assistência. Da Grã-Bretanha vieram, pelo menos, cento e noventa pessoas em 2008, embora a Alemanha continue sendo o país com maior número de gente que procura pelas clínicas suíças.
A Suíça condena a eutanásia, quer dizer, a abreviação, sem dor, da vida de doente incurável, mas admite o suicídio assistido: o auxílio para que uma pessoa ponha termo à própria vida, com apoio em laudo médico da doença e do estado de consciência do paciente.
A primeira proposta governamental propõe o fim da prática admitida por lá."O suicídio é o último recurso do ser humano. O Conselho Federal crê na importância crucial de proteger a vida humana", justifica, em comunicado, o Ministério da Justiça.
A segunda proposta, em lugar de proibir a prática, restringe-a, por exemplo, a pacientes terminais que, em gozo de suas faculdades mentais, tiverem feito a opção por uma "morte com dignidade". Ficariam de fora os doentes crônicos, clientela grande do expediente final.
Além do mais, seriam necessários dois atestados médicos fornecidos por profissionais sem vínculos com as clínicas de suicídio, um declarando o gozo das faculdades mentais; outro, da condição terminal do paciente.
Em terceiro lugar, proibir-se-iam os lucros com o que chamam de "indústria da morte". Nenhuma clínica poderá cobrar nada além dos gastos com o tratamento. Para os organismos que defendem a "morte digna", tais medidas trocarão o fim assistido pela tragédia do suicídio solitário "em pontes, estradas e trilhos".
A clínica Dignitas, uma das que mais promovem a assistência ao suicídio, defende a convocação de um referendo sobre o tema. Acredita que a população é contra as duas propostas governamentais.
O assunto inflama as opiniões em qualquer lugar. Na maioria dos países, eutanásia ou suicídio assistido são crimes. A Corte Européia de Direitos do Homem chegou a afirmar em 2002, no caso Diane Pretty c. U.K., que não haveria, no direito europeu, um "direito à morte", mas, ao contrário, um direito à vida, consagrado pelo artigo 2o da Convenção Européia de Direitos do Homem. As exceções ainda são raras, mas bem sólidas.
O modelo suíço, por exemplo, é previsto também na Holanda. Na Bélgica, como no Distrito norteámericano de Colúmbia e em Luxemburgo, há a legalização tanto da eutanásia, quanto do suicídio assistido. Mesmo que a legislação não permita, algumas decisões judiciais recentes autorizaram, direta ou indiretamente, a prática. Nos Estados Unidos, o caso Terri Schiavo é o mais lembrado.
Na Itália, semelhantemente ao que se deu nos EUA, a Corte de Cassação autorizou a não alimentação de Eluana Englaro como forma de ajudá-la a morrer, depois de um coma de dezessete anos.
Seria possível, do ponto de vista constitucional, a adoção da medida no Brasil? A tese é problemática, mas sem fugir da pergunta: sim, é possível. Poderíamos, para justificar, recorrer ao direito à vida que, não é só ou qualquer vida, mas a digna de ser vivida.
Essa não é uma definição externa ou de Estado, como fora adotada pelos nazistas, por exemplo, mas um julgamento individual ou familiar que, com alguns cuidados, deve ser respeitado pela sociedade.
O tema já chamava a atenção dos parlamentares brasileiros antes da Constituição de 1988. O PL-732/1983, de iniciativa do deputado Inocêncio de Oliveira, permitia ao médico assistente o desligamento dos aparelhos de um paciente em estado de coma terminal ou a omissão de um medicamento que fosse prolongar inutilmente uma vida vegetativa, sem possibilidade de recuperar condições de vida sofrivel, em comum acordo com os familiares. Sem apoio, o projeto foi arquivado no mesmo ano de sua proposição.
Depois de outubro de 1988, a tendência especialmente dos deputados é não só manter a proibição como pesar a mão punitiva do Estado sobre a conduta. Exceção se faça ao parlamentar paulista Gilvam Borges e ao seu colega fluminense Hugo Leal. Gilvam não apenas formulou o PL-1989/1991, dispondo sobre a prática, que foi, todavia, arquivado dois anos depois de sua apresentação, como ainda propôs um plebiscito sobre a matéria (PDC-244/1993), igualmente frustado.
A proposta de Leal continua a tramitar na Câmara. De acordo com ela, haverá a liberação da ortotanásia, abreviação da morte de um paciente, por meio do desligamento de aparelhos ou cessação de procedimentos que o mantenham vivo artificialmente. É de se lembrar que a ortonásia havia sido liberada pelo Conselho Federal de Medicina em 2006, cuja resolução foi, em seguida, suspensa pela Justiça Federal.
No Senado Federal, há o PL n. 125/96, que estabelece critérios para a legalização da "morte sem dor". De acordo com a proposição, pessoas com sofrimento físico ou psíquico ou seus familiares, em caso de impossibilidade de expressar a vontade, poderão solicitar autorização judicial para que sejam realizados procedimentos que visem a abreviar a própria morte. O pedido deverá ser embasado em laudos firmados por uma junta médica, composta por 5 membros, sendo dois especialistas no problema do solicitante.
Diversos projetos, entretanto, tendem a incluir expressamente a eutanásia, juntamente com o aborto provocado, como crime hediondo (PL-3207/2008, PL-2283/2007, PL-5058/2005). Lúgrube ou sombrio, esse é um tema que, mais cedo ou mais tarde, o país terá de resolver.
Não é preciso pressa qualquer que seja a orientação, mas é necessário que todas as vozes se façam ouvidas. Audiências públicas, como a realizada em 10 de setembro passado, na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, devem ser repetidas. A sociedade, inclusive as escolas de ensino superior, deve estimular e promover o debate plural sobre a questão.

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