Acabou de sair o livro "Os Fantásticos Mistérios de Lygia", de Aíla Sampaio (Editora Expressão Gráfica, 2009, 188 páginas). Leia as resenhas e análises sobre a obra.
Em OPovo (Vida & Arte), por Angélica Feitosa:
O título é, sim, fruto da conclusão do mestrado em Literatura da Universidade Federal do Ceará (UFC). Não se deixe afetar, no entanto, pela ideia de academicismo que uma dissertação pode fazer lembrar. Os Fantásticos Mistérios de Lygia, ao contrário, mais parece um convite a percorrer a obra de Lygia Fagundes Telles no que diz respeito à condição do extraordinário na obra da escritora paulista.
Aíla partiu de uma inquietação: ao longo da história, o fantástico foi geralmente retratado por um reduzido número de opções, sempre seguindo seres incomuns como gigantes, duendes, bruxas, enfim, pelo sobrenatural. De que forma, então, essa mesma temática ganhou os contos reunidos no livro Mistérios (1981), de Lygia?
"Eu já tinha uma aproximação com esse gênero da literatura e me interessei em fazer uma comparativa para perceber como em textos tão fortes e, ao mesmo tempo, sutis da escritora dialogam com o fantástico do século XIX e XX", aponta a autora.
Aíla sugere respostas na medida em que os questionamentos apontam se a direção dos contos de Lygia foi pelo tradicional ou seguiu os rumos de uma modernidade. Para isso, a autora faz um trajeto pela história do fantástico na literatura, principalmente a partir do século XIX.
Um comparativo com obra de Machado de Assis e José J. Veiga e do argentino Júlio Cortazar. "Meu trabalho chama à leitura da obra de Lygia, jamais tem o objetivo de substituí-la", deixa claro a autora. Ela quer provocar o mesmo processo de descobrimento pelo qual passou na época da faculdade, com as primeiras leituras mais aprofundadas dos textos da escritora paulista.
"O fantástico é tudo que subverte o real sem uma explicação plausível", conceitua a autora. Lygia atua esse mesmo extraordinário no campo do cotidiano, mescla os acontecimentos inexplicáveis com situações absolutamente corriqueiras. Espaços simples como uma butique de antiguidades desencadeia o processo de subversão.
"No conto A Caçada, por exemplo, traz a história de um cliente da loja de objetos antigos e se depara com um quadro e se sente fortemente identificado por ele. Ao final, a flecha do quadro dispara e o homem cai. Há uma provocação, uma confusão dos dois espaços", identifica. A história transcende as leis da razão, do entendimento e até das certezas, já que não fica claro se o homem cai morto ou não.
O sobrenatural está presente, mas de outro modo. Temas como viagem ao passado, o encontro com um eu de outra vida até poderiam ser explicados por uma crença religiosa, por exemplo, mas não condiz com a autonomia da obra. "Se não são feitas referências, não é possível partir para uma análise extra-livro. Mas, claro que existe a cosmovisão daquele autor e isso deve ser levado em consideração", pontua a autora.
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No DN (reportagem de Henrique Nunes):
O fantástico é uma das marcas da literatura de Lygia Fagundes Telles. Nele, a escritora paulistana se envolveu sobretudo em "Mistérios", coletânea de contos de 1981. Quinze anos depois, a então estudante Aíla Sampaio se debruçou sobre estas narrativas para compor "Tradição e modernidade nos contos fantásticos de Lygia Fagundes Telles", sua dissertação na Universidade Federal do Ceará.
Hoje professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira da Unifor, Aíla a publica em forma de ensaio como "Os Fantásticos Mistérios de Lygia". "Esperei o crivo do tempo. Enxuguei, tirei o ranço do trabalho acadêmico, atualizei a ortografia, e agora a pesquisa é socializada com todos interessados pela obra de Lygia e pelos insondáveis mistérios da existência.
Temas como o duplo, a ressurreição e a morte são analisados dentro do texto literário da escritora", apresenta.Com "Mistérios", acrescenta a pesquisadora, Lygia mostra sua versatilidade na criação ficcional. "Ela tanto escreve romances intimistas com propensão psicológica como contos vazados de temas transversais como ética, amor, cumplicidade, como constrói ainda universos enigmáticos", aponta.
Depois, ela constata a presença de narrativas fantásticas nas obras: "A Noite Escura e Mais Eu", no conto "Anão de Jardim", e "Invenção e Memória", em "A Chave na Porta", cuja construção do fantástico, segundo Aíla, é "perfeita". A pesquisadora cearense atribui esse fascínio pelo fantástico, em parte, ao fato de Lygia desde pequena se sentir "fascinada por esse universo de seres insólitos", provavelmente estimulada pelas histórias de Trancoso ouvidas de sua pagem na infância.
Posteriormente, as leituras de autores como E.T. A Hoffman, Alan Poe e Machado de Assis contribuíram para incrementar sua admiração pelo gênero, talvez estimulada ainda pelo amizade com pelo menos uma escritora, a amiga Hilda Hilst (1930-2004). "Meu primeiro contato com Lygia foi com o ´Ciranda de Pedra´, seu romance de estréia, que traz uma abordagem psicológica dos personagens. Depois foi que entrei em contato com as narrativas curtas, e ´Mistérios´ me chamou especial atenção.
Como havia estudado o gênero fantástico, interessou-me aplicar sua teoria a estes contos. Foi aí que percebi que todo fantástico é um mistério, mas nem todo mistério é fantástico. Por exemplo, os contos ´A caçada´, ´Noturno Amarelo´, ´O Encontro´ e ´As Formigas´, de ´Mistérios´, são contos fantásticos porque transgridem as leis da razão de forma inexplicável. Já os contos ´Venha ver o pôr-do-sol´, ´Jardim Selvagem´ e ´O Noivo´ apenas encenam um evento macabro ou estranho".
Seu ensaio tem como objeto de análise os contos de Lygia Fagundes Telles, mostrando a configuração do gênero Fantástico nos contos da escritora e comparando-os a narrativas de Machado de Assis, Edgar Allan Poe, E. T. A Hoffman, Teophile Gautier, escritores do século XIX, e ainda Julio Cortázar, Jorge Luís Borges, Murilo Rubião e J.J. Veiga, do século XX.
O fantástico"Mostro que a configuração do Fantástico depende dos procedimentos narrativos de cada autor. O sobrenatural ou extra-natural, nos contos, em geral, não dependem mais da aparição de fantasmas, de seres incomuns.
Uma simples máquina, um cachecol ou outros objetos comuns podem desencadear um evento que transponha as leis do real. O romance ´Os Verdes Abutres da Colina´, de José Alcides Pinto, é um romance fantástico porque ele transgride as leis naturais de forma inexplicável", exemplifica.
Um comentário:
Oi Adércio, Aíla, está de parabéns pelo belo lançamento do seu livro "Os Fantasticos Mistérios de Lygia! A sua poesia também é um encanto.
Um abraço, Margleice
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