Quando Tímon desapareceu de Atenas deixando poucos vestígios, abandonando a vida respeitável e confortável que levava, poucos souberam o motivo.
Tímon fora à falência, consumindo todo o seu patrimônio em banquetes e presentes para os amigos. Não encontrando nenhum apoio, se afasta de tudo e de todos e vai morar numa cabana bem longe da cidade.
Logo, as notícias sobre suas desgraças ganham o mundo. Não pude deixar de lembrar de Tímon, protagonista da peça Tímon de Atenas, de Shakespeare, depois que acompanhei, pela Imprensa, as notícias do sumiço do cantor e compositor cearense, Belchior.
Belchior consagrou-se, nos anos 70, como um dos grandes compositores brasileiros. Juntamente com outros cearenses, que ficaram conhecidos como “pessoal do ceará”, sendo os mais notáveis, Ednardo e Fagner – curiosamente nenhum deles utiliza sobrenome – inscreveram o talento nordestino na Música Popular Brasileira, a “elitizada” MPB.
Num período em que Chico Buarque de Holanda era chamado de unanimidade nacional, com suas veneradas músicas de protesto, e Caetano Veloso e Gilberto Gil estavam consagrados após a Tropicália, aparece um cearense dizendo que é: “apenas um rapaz latino americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo interior”.
Naquele momento surge um compositor falando de sua terra com uma pitada de literatura clássica, com álbuns denominados A Divina Comédia Humana e, mais tarde, com O Elogio da Loucura, conquistando o Brasil. Belchior, naquele final dos anos setenta, chegou a ser festejado, e com razão, como o maior compositor do país.
Ele e Fagner foram os primeiros compositores nordestinos a “estourarem” nacionalmente com músicas de MPB. Gil e Caetano são baianos, e a Bahia quando se trata de música ultrapassa o conceito de região. Permanecer no topo e criar a vida toda é algo impossível pra qualquer artista.
O único da geração de Belchior, a turma que passou dos sessenta anos, que continua criando e em grande atividade é Caetano Veloso. A criação é quase como um parto. Poucos sabem, mas Belchior já havia “sumido” trinta anos antes, logo depois de se tornar um “superstar”, e reaparecendo irreconhecível com uma longa barba e um repertório completamente mudado.
Mas Belchior, diferente de quase todos os “sumidos”, segundo me disse ele em 2002, nunca deixou de ler - como fazia desde os quinzes anos - um livro por semana. Sua vida é impregnada de literatura. Hoje, Belchior está traduzindo e ilustrando A Divina Comédia, de Dante.
As especulações tolas e fúteis de grande parte da Imprensa, de que Belchior estava montando um golpe publicitário, porque estaria esquecido, para depois surgir dando entrevistas em programas de auditório, denota burrice. Belchior está noutro patamar.
Tímon estava brigado com o mundo, Belchior não, ele quer viver sua alucinação, longe de gente comum, dos frutos da aldeia global de que ele se recusa a participar. Ele segue o conselho de Apemanto a Tímon: “A melhor situação, sem contentamento, é mais desgraçada e miserável do que a mais baixa situação com contentamento”.
Os gregos, que sabiam de tudo, já tinham afirmado: “uma vida que não é reexaminada não merece ser vivida”. Belchior está louco de razão, ele está reexaminando a sua. Os broncos não sabem o que é isso. Deixemo-lo em paz.
Artigo dedicado a Luiz Moreira
Theófilo Silva, Presidente Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.
Um comentário:
O sumiço de Belchior foi só MKT.
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