O tema da descriminalização total ou parcial das drogas divide opiniões. Há, sem dúvidas, uma tendência de recrudescimento das políticas de combate ao tráfico, associada a políticas públicas de recuperação dos viciados. Abandonou-se, embora não em todo e para todo mundo, a dupla punição: de quem vende e de quem usa.
Uma terceira via aposta que a melhor alternativa para enfrentar o problema é mesmo legalizar as drogas. Justifica-se: a política criminal repressiva nem de longe produziu os resultados esperados. Ao contrário, o consumo cresceu, a corrupção se disseminou e as organizações criminosas estão cada vez mais poderosas.
Fora os defensores do Estado de direito penal, os estudiosos acreditam que não há uma única solução para todos os lugares, sendo necessário avaliar o contexto político e cultural de cada um deles, as disponibilidades reais de recursos da saúde pública para enfrentar o problema, além da viabilidade de um controle estatal muito rigoroso.
Neste domingo, 1/11/2009, a FSP publicou uma entrevista com Klaus von Lampe. Ele é professor-assistente de justiça criminal no John Jay College, editor dos jornais Trends in Organized Crime, Crime, Law and Social Change e Criminal Justice Abstracts e coautor de diversos livros sobre a matéria. Alguns trechos da conversa valem a leitura.
Sobre a legalização das drogas: Em primeiro lugar, não acho, por várias razões, que uma legalização total de todas as drogas seja praticável. O que é mais viável é a descriminalização, juntamente com um alto nível de regulação. Em segundo lugar, o número de consumidores, o impacto negativo sobre eles, os custos sociais do uso de drogas e o volume do tráfico poderiam ser reduzidos significativamente fornecendo o acesso legal às drogas atualmente ilegais. Todas as pesquisas sobre os efeitos da oferta controlada de drogas aos consumidores -como a heroína dada aos viciados em heroína- indicam que isso apresenta mais vantagens que desvantagens.
Sobre as prisões como espaço do crime organizado: Há diversos exemplos, historicamente, de organizações criminosas (e, de forma geral, de redes criminosas) que estão sendo formadas dentro das prisões. Isso não é uma surpresa, a prisão é um lugar de encontro para pessoas que pensam de modo parecido. O fenômeno das gangues nas prisões parece ter relação, em parte, com superlotação e conflitos entre os detentos. A solução óbvia seria reduzir a superlotação nas prisões, procurando alternativas ao aprisionamento e/ou expandindo as capacidades do sistema carcerário.
Sobre o funcionamento do crime organizado e suas ligações com as elites: Há diferentes manifestações do crime organizado. Na maior parte da Europa Ocidental, o crime organizado está ligado ao fornecimento de mercadorias e serviços ilícitos, e atividades como fraude, roubo, saque e extorsão. Em algumas regiões da Europa e dos EUA, esses crimes ocorrem no contexto de um "governo do submundo", isto é, estruturas mais ou menos formalizadas que controlam e regulam atividades ilegais. Normalmente, nesses casos, os criminosos são forçados a compartilhar seus lucros ilegais com os grupos que se especializam no uso da violência e podem receber, em retorno, benefícios como proteção. Às vezes, há uma sobreposição entre empresas ilegais e o "governo do submundo" -por exemplo, quando membros de uma família da máfia na Sicília (Cosa Nostra) estão envolvidos no tráfico de drogas. Às vezes, os grupos começam como empresas ilegais e procuram ganhar o controle sobre um território. Eles estabelecem então um monopólio ou licenciam as atividades de outros criminosos. Por exemplo, um grupo do tráfico permite a um número limitado de indivíduos vender drogas em um determinado território. Em algumas regiões da Europa -e, historicamente, também nos EUA- há uma aliança entre o mundo e o submundo. Os criminosos colaboram com políticos e homens de negócios. Tais alianças emergem quando os governos e a sociedade civil são fracos. Os interesses particulares e políticos são perseguidos, mesmo violando a ordem legal e constitucional existente. Criminosos geralmente prestam serviços às elites sociais. Quando essas alianças se rompem, como no caso do cartel de Medellín [na Colômbia] e da máfia siciliana no começo dos anos 90, as elites políticas e dos negócios prevalecem no conflito militar subsequente, porque as elites sociais podem fazer todo o uso de recursos estatais (incluindo a polícia e as Forças Armadas).
Em "A guerra às drogas fracassou", Luiz Eduardo Soares faz uma defesa pragmática e ideológica da legalização das drogas. Sua tese pragmática: "Como os EUA demonstraram ao vencer a Guerra Fria, nenhuma força detém o mercado. Pode-se apenas submetê-lo a regulamentações. É irônico que esse mesmo país defenda a erradicação das drogas ilícitas.Eis o resultado do proibicionismo: crescem o tráfico, a corrupção e o consumo".
Sua tese ideológica: " Não considero legítimo que o Estado intervenha na liberdade individual e reprima o uso privado de substâncias -álcool, tabaco ou maconha."
Para ele, o tráfico deveria passar a ser legal e regulado. Embora considere que a medida não resolva o problema, pelo menos, o situa no campo em que pode ser enfrentado com mais racionalidade e menos injustiça, como diz. Injustiça, por exemplo, que se verifica hoje na classificação que se faz entre traficante e usuário. Não é necessariamente a quantidade de droga encontrada, mas as condições sociais que mais servem de critérios para definir em qual lado da fronteira se encontra quem foi flagrado na posse dela.
Arremata: "Acho que o efeito da legalização não seria desprezível porque: 1) sem drogas, seria mais difícil financiar as armas; 2) mudaria a dinâmica de recrutamento para o crime, que perderia vigor, pois outros crimes envolvem outras modalidades organizativas e outras linguagens simbólicas, muito menos sedutoras e acessíveis aos pré-adolescentes; 3) entraria em colapso a maldição do crack e seus efeitos violentos; 4) se esgotaria a principal fonte de corrupção; 5) finalmente, como pesquisas demonstram, em cada processo de migração, o crime perderia força e capacidade de reprodução".
Um comentário:
Esta defesa do Luiz Eduardo Soares, lembra-me, quando dos estudos, a defesa que os liberais fizeram, à época, da Guerra do Ópio que ocorria na China... pragmaticamente em defesa do mercado!!!!
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