Depois de “Ser ou não ser: eis a questão” a sentença acima talvez seja a mais popular de Shakespeare, entre as dezenas que ele criou e que são repetidas pelas pessoas todos os dias em todo o mundo. Foi tão utilizada nesses quatro séculos que usá-la aqui é quase um lugar comum. Mas, os fatos atuais me obrigam a resgatá-la.
Foi pronunciada pelo déspota Ricardo III na batalha de Bosworth, que pôs fim a Guerra das Rosas na Inglaterra do século XV. Sem montaria, tendo que combater no chão, Ricardo brada desesperadamente: “um cavalo, meu reino por um cavalo”. Covarde, sabe que somente a força e a velocidade de um cavalo poderiam tirá-lo daquela situação.
Ninguém sabe se Ricardo III pronunciou essas palavras, mas foi assim que Shakespeare quis que fosse e seu Teatro e sua imaginação têm a capacidade de ultrapassar a própria realidade. A história da humanidade é a história das guerras e as guerras foram feitas em cima de cavalos.
Até a chegada do automóvel no final do século XIX – bem como a locomotiva no início desse século – o cavalo foi o principal meio de transporte do homem e também a maior arma dos criadores de impérios. Desde Alexandre, o Grande, no século IV A.C, com seu Bucéfalo, até Napoleão Bonaparte e seu célebre garanhão branco, o cavalo foi o grande responsável por muitas conquistas.
Sabe-se que a invenção do estribo foi muito importante para as vitórias de Alexandre. Os povos nômades, também chamados de povos montados, os hunos de Átila, no século VI, e os mongóis de Gengis Khan, no século XIII, formaram seus grandes impérios em cima de cavalos. Os hunos eram tão ligados aos cavalos, que dormiam em cima deles, formando quase um único ser, tal a ligação que existia entre homem e animal.
Mesmo o exército de Hitler nos anos quarenta, com seus tanques, Mercedes, trens e motocicletas transportaram a grande maioria de seus víveres, canhões e outros apetrechos em carroças puxadas por cavalos. Só após a Segunda Grande Guerra é que o cavalo deixa de ser utilizado pelo exército nas guerras. Mesmo assim, a cavalaria ainda existe nos exércitos de todo o mundo.
E sempre foi considerada pelos militares uma das mais nobres divisões do exército. Depois do cachorro e do gato o cavalo é o mais amado dos animais. Lembrei dos cavalos, porque vi esta semana no eixo monumental de Brasília, em frente ao Palácio da Justiça, a cavalaria da polícia da Cidade. Belíssimos animais, mestiços da raça Manga Larga com Quarto de Milha.
Esses animais foram utilizados de uma maneira vil e truculenta para amedrontar e pisotear estudantes e ativistas durante uma manifestação pacífica. Cavalos chegam a pesar quase meia tonelada, um coice deles pode matar facilmente um homem e a força de seus cascos esfacela ossos e músculos. Um cavalo montado por um néscio é uma arma muito poderosa.
O Estado deve repensar o uso da cavalaria da polícia para reprimir manifestações, ainda que, nessa operação, os cavalos fossem mais pacíficos do que os policiais. O que se viu em Brasília quarta-feira foi um ato brutal de intimidação contra pessoas indefesas e desarmadas. Havia ali mais cavalos do que os usados por Hernan Cortez na conquista do México e a polícia se comportou como as hordas montadas de Gengis Khan.
Se José Roberto Arruda, o mentiroso confesso, espera segurar-se no governo com essa tática boçal de violência, se enganou. Esse talvez tenha sido o seu grito de Ricardo III às avessas. Ricardo perdeu o trono Inglaterra e a vida por falta de um cavalo, Arruda vai perder o seu por excesso deles.
Postado por Theófilo Silva, Presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.
Um comentário:
Quem dera o fim fosse de fato esse. O problema é que, entre mortos e feridos, salvar-se-ão os mesmos de sempre...
Bernardo Duarte
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