A eutanásia ou, etimologicamente, "boa", "suave", "doce" ou "
digna morte", continua a dividir opiniões.
Para alguns, é uma aberração às leis de Deus e da natureza, um atentado à moralidade, uma disposição de um bem indisponível e sagrado.
Para outros, é a realização da autonomia e dignidade humanas. Ninguém é obrigado a continuar a viver se conscientemente deseja morrer ou, no caso de inconsciência, se o diagnóstico médico é de irreversibilidade e os parentes decidirem abreviar a dor. Em muitos casos, é exigência humanitária em vista do sofrimento extremo.
As situações definidas como eutanásia são distintas e envolvem uma sistema de classificação, desenvolvido desde o seminal estudo de
Franz Neukamp, que toma a ação do agente ou a vontade do paciente como critérios. De acordo com a ação, podemos falar em "eutanásia ativa", se há a intenção do agente de provocar a morte para fins misericordiosos e sem sofrimento do paciente.
A "eutanásia passiva" ou "indireta" é a que se verifica quando deliberadamente não se inicia um tratamento ou se interrompe o que esteja em andamento diante de um quadro terminal e sempre com o objetivo de minorar a dor. Há ainda a "eutanásia de duplo efeito" com a aceleração da morte em decorrência indireta das intervenções médicas executadas com o intuito de reduzir o sofrimento de um doente terminal.
Em relação ao querer do paciente, diz-se "eutanásia voluntária" quando há livre manifestação nesse sentido. Se a ação se der contra a sua vontade expressa, diz-se "eutanásia involuntária", para diferenciar dos casos de "eutanásia não voluntária", quando não há registros dessa vontade em um ou noutro sentido. A combinarmos os critérios, poderemos ter uma eutanásia ativa e voluntária ou outra passiva voluntária ou involuntária.
Em geral, essas duas últimas espécies são denominadas de "suicídio assistido". Há uma tendência a se admitir a assistência à morte, mas não a intervenção ativa dos médicos, embora,
para muita gente, a distinção não tenha moralmente relevo. A Holanda, a propósito, é um dos poucos países onde não há uma distinção legal entre as duas modalidades de abreviação da morte.
Com registros na
Antiguidade (
os estóicos, por exemplo, diziam que era decorrência da
liberdade do homem a sua escolha entre a vida e a morte), a prática só foi legalizada com o "homicídio piedoso", previsto pelo
art. 37 do Código Penal do Uruguai em 1934, e, tempos depois, pela
Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais dos Territórios do Norte da Austrália e pela
Lei do suicídio assistido do Estado norte-americano do Oregon (
The Death with Dignity Act), já em 1995 e 1997, respectivamente. Uma lei do gênero, intitulada "
Death with Dignity Act"[Lei sobre Morte com Dignidade], foi aprovada no Estado de Washington em 4 de novembro de 2008, por meio de referendo popular.
Seus dois maiores reveses se deram em 1987, quando a Associação Mundial de Medicina aprovou a
Declaração de Madrid, contrária à prática. E, em 1980, com a
Declaração do Vaticano sobre Eutanásia, embora haja neste último caso apoio à interrupção de tratamento considerado inútil, ainda que venha a causar a morte do paciente:
"Na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios usados, é lícito em consciência tomar a decisão de renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes. Por isso, o médico não tem motivos para se angustiar, como se não tivesse prestado assistência a uma pessoa em perigo" .
Nos Territórios do Norte da Austrália, a
Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais, que autorizava a eutanásia ativa, foi revogada pelo Parlamento federal em março de 1997 contra um sólido apoio da opinião pública: 74% dos australianos eram favoráveis a ela. Mesmo em seu curto tempo de vida, a lei possibilitou a
Robert Dent e outros três pacientes receberem autorização para suspender o tratamento médico que os mantinha vivo.
Na
Holanda, a prática era tolerada, mas somente foi legalizada em 1o. de Abril de 2002. Também na
Suíça, em
Luxemburgo, na
Bélgica e na
Tailândia, ela é permitida, embora os registros, não oficiais, obviamente, de sua ocorrência em unidades de terapia intensiva sejam quase uma constante nos
países ocidentais e
mesmo orientais. Mais recentemente, outro Estado da Austrália voltou a validar o procedimento médico pouco depois do que, em parte, fizera a Grã-Bretanha.
Na Terra da Rainha, a história remonta à primeira metade do século XX com a iniciativa do Dr. Millar de legalização da eutanásia voluntária, que foi discutida por cinco anos até ser rejeitada pela Câmara dos Lordes em 1936. Desde então a eutanásia e o suicídio assistidos passaram a ser considerados crimes.
Mas foram os próprios Lordes que, na última sessão antes de suas funções como tribunal de apelação (
Law Lords) serem transferidas para uma Suprema Corte, em vista da
reforma constitucional de 2005, atenderam a um pedido de
Debbie Purdy, portadora de esclerose múltipla em fase terminal, para que seu marido não seja acusado de auxiliar um suicida no caso de levá-la à Suíça para submeter-se ao procedimento médico.
Mais que atender à demanda, os Law Lords reconheceram que o tema é lacunoso na legislação britânica, o que pode significar um reexame do assunto. Na verdade, não havia registros de condenações ou mesmo de ações movidas contra as pessoas que transportavam os doentes terminais para a Suíça, algo, até certo ponto, recorrente na Grã-Bretanha. Segundo Debbie, a decisão lhe trouxe a vida de volta:
Pois bem, na esteira desse precedente britânico, a Suprema Corte do Estado da Austrália Ocidental decidiu, em 14/8/2009, que os responsáveis pelo asilo, onde Christian Rossiter vive, poderão parar de alimentá-lo, não sendo, por isso, acusados de homicídio ou de auxílio ao suicídio. De acordo com a legislação em vigor, os pacientes podem recusar um tratamento que seja indispensável à vida, mas quem ajudar de algum modo o suicida a consumar o ato responde por crime punido com pena privativa de liberdade.
O presidente da Corte considerou que o caso não era propriamente de eutanásia: "Nem é sobre tratamentos médicos letais prescritos a pacientes que desejam morrer. Nem é sobre o direito de viver ou mesmo o direito de morrer. Nem foi chamada a corte para determinar o melhor curso da ação [médica] em função dos interesses do paciente. A única questão que se apresenta para decisão neste caso concerne à obrigação legal, sob o direito da Austrália Ocidental, de um provedor de serviços médicos, que assumiu a responsabilidade de cuidar de um paciente mentalmente capaz, diante da afirmação clara e inequívoca deste paciente de não querer mais receber os serviços médicos que, se interrompidos, causarão a ele inevitavelmente o óbito."
Rossiter é tetraplégico e havia feito o pedido de abreviação da morte por não poder realizar as "funções humanas mais elementares". Não pode, por exemplo, enxugar as lágrimas do próprio rosto, choradas pelo desespero de sua condição e pela dor de não mover a realidade um ínfimo centímetro na direção de seus sonhos e necessidades. Sua mente é tão lúcida e brilhante que o fundador da Exit International, organização de defesa da eutanásia voluntária, chegou a dizer: "Eu não sei se muitas pessoas desejarão morrer se estiverem nessas condições. Mas, para as pessoas que o quiserem, é uma decisão muito importante [a ser respeitada]".
Além de andar numa cadeira de rodas e respirar por meio de um tubo traqueostômico, são os enfermeiros quem o alimenta e hidrata por meio de outro tubo ligado ao estômago. Em entrevistas que concedeu à imprensa local, disse-se um alpinista e aventureiro aprisionado num corpo inútil, a morte não o amedronta, só o desespero e a dor que ora sente.
A Corte, embora não falasse expressamente na proteção à "morte digna", fez menção ao direito que tem o cidadão australiano a recusar conscientemente um tratamento médico, ainda que indispensável à sobrevivência, bem como o respeito à autonomia ou autodeterminação, inclusive nos domínios da própria vida.
O último desejo de Christian é, agora, receber analgésicos e ver televisão em paz antes do dormir: "I'm happy that I won my right to die" [Estou feliz por ter conseguido meu direito de morrer].
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