sábado, 23 de abril de 2011

Testemunhas de Jeová e transfusão de sangue: Irlanda

Durante as férias de Natal - às duas e trinta do dia 27 de dezembro para ser mais preciso - O juiz Hogan da Suprema Corte da Irlanda, no caso Temple Street, concedeu uma ordem para que fosse realizada uma transfusão de sangue para um bebê de quatro meses de idade contra a vontade dos pais, testemunhas de Jeová. O caso levanta questões importantes no que diz respeito tanto ao artigo 44 da Constituição, que protege a liberdade de religião, quanto aos artigos 41 e 42 da Constituição, que protegem a autonomia da família e delimitam o poder do Estado para intervir nos assuntos da família.
Artigo 42.5 permite a intervenção do Estado em "casos excepcionais", quando os pais falharem nas funções de proteção de seus filhos por razões físicas ou morais: "In exceptional cases, where the parents for physical or moral reasons fail in their duty towards their children, the State as guardian of the common good, by appropriate means shall endeavour to supply the place of the parents, but always with due regard for the natural and imprescriptible rights of the child".
A decisão anterior - nomeadamente o caso Baby Ann em 2006 - frisava que "razões físicas" envolviam questões que estavam fora do controle dos pais, enquanto "morais" eram motivos associados à culpa ou dolo deles. Hogan teve o cuidado de salientar que, neste caso, os pais estavam sãos e conscientes, além de profundamente preocupados com o bem-estar de seus filhos, mas firmes em sua crença religiosa. Apesar da redação falha do art. 42.5, cuja mudança fora aprovada - embora ainda não em vigor - com a retirada das expressões "excepcional" e "dever", mantinha-se o conceito de falta de responsabilidade dos pais.
Apesar do dilema que essa questão apresenta, Hogan declarou que "[o] teste para saber se os pais falharam para os fins do artigo 42.5 é, no entanto, de caráter objetivo, julgado pelos padrões seculares da sociedade em geral e da Constituição, em especial, independentemente de suas próprias visões religiosas subjetivas." Baseando-se na norma fixada no caso PKU em 2001 de que a intervenção do Estado seria justificada se houvesse uma ameaça iminente de morte ou lesão grave, Hogan decidiu que a liberdade religiosa dos pais, e sua autonomia como uma família constitucionalmente protegida, davam lugar à necessidade de proteger a vida da criança:
"O Estado tem um interesse vital em assegurar que as crianças estejam protegidas, de modo que um novo grupo de cidadãos bem-criados, saudáveis e educados possam vir à maturidade, devendo, portanto, ser dadas todas as oportunidades para desenvolver-se na vida. Este interesse pode prevalecer mesmo em face de outros direitos constitucionais fundamentais expressos. ... Dado que o artigo 40.3.2 obriga o Estado a proteger da melhor forma, por meio de suas disposições legislativas, a vida e a pessoa de cada cidadão, é incontestável que este Tribunal tenha competência (e, na verdade, um dever) para substituir as objeções religiosas dos pais sempre que ameaçarem a vida e o bem-estar geral da criança."
Esta é uma decisão importante e bem-vinda na medida em que, finalmente, esclarece a questão. O caso PBK não envolvia objeções religiosas (e os riscos para a criança não eram suficientemente graves para justificar a intervenção). O último acórdão sobre a questão das testemunhas de Jeová e a transfusão de sangue, Fitzpatrick v. K de 2008, fora decidido em razão da falta de capacidade, em vez de liberdade religiosa. Citando essa decisão, Hogan comentou, em obiter dictum, que um adulto devidamente informado e com capacidade mental plena estaria livre para recusar tratamento médico por motivos religiosos ou outros. Como a maioridade para o consentimento a um tratamento médico é de 16 anos, em conformidade com a seção 23 da Lei de delitos não-fatais contra a pessoa de 1997, surge uma pergunta interessante: como o tribunal irá decidir um caso em que uma adolescente com 16 ou 17 anos recusar-se a realizar uma transfusão de sangue por motivos religiosos ou não. Esse caso pode dar origem ainda a uma variedade de questões instigantes: e se os pais não apoiarem a decisão?

Nenhum comentário: