domingo, 5 de julho de 2009

FIQUE LIGADO: A Reengenharia Constitucional do Régis

Proposta reduz Constituição de atuais 250 artigos para 75 (FSP): Uma proposta em tramitação na Câmara dos Deputados propõe a mudança mais radical na Constituição desde sua aprovação há 21 anos. De autoria do deputado Regis de Oliveira (PSC-SP), com parecer favorável do deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), a emenda constitucional enxuga a Carta dos atuais 250 artigos para menos de um terço. Na proposta original, de Oliveira, restariam 61 artigos. O relator, em seu parecer apresentado na quinta-feira [2/7/2009] à Comissão de Constituição e Justiça, ameniza um pouco a lipoaspiração. Sobram, por sua versão, 75 artigos. Pela proposta, são retirados da Carta 20 temas, todos tornados infraconstitucionais, ou seja, regidos por leis ordinárias. Entre eles, os capítulos sobre sistema financeiro nacional, política fundiária, saúde, educação, previdência social, esporte, ciência e tecnologia, meio ambiente e família. Na Constituição ficariam as cláusulas pétreas (imutáveis), as garantias individuais, o sistema de governo, o funcionamento do Judiciário e demais questões relativas à Federação. No parecer, Carneiro argumenta que o documento atual é exageradamente minucioso, o que o torna instável. "A Constituição nasceu num momento imediatamente posterior a uma ditadura. [...] O resultado foi a elaboração de uma carta política extremamente detalhista onde todos os segmentos da sociedade procuravam constitucionalizar seus direitos por receio de vê-los novamente subjugados aos governantes de plantão", afirma. Segundo ele, desde 1988 foram alterados, suprimidos ou acrescentados 90 artigos, 312 parágrafos, 309 incisos e 90 alíneas. Hoje, 1.119 propostas de mudança tramitam na Câmara. A Casa tornou-se, diz, uma "fábrica de PECs [propostas de emenda constitucional]". (Por Fábio Zanini. FSP: 5/7/2009, A14).
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Pela proposta, os direitos sociais, principalmente os trabalhistas, viram pó. Pó, não, quatro artigos e três parágrafos. É bem sintomática a criação de limites implícitos para o direito de greve:

Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição Art. 7. Lei disporá sobre a garantia dos trabalhadores. Art. 8. As atividades sindicais serão previstas em lei. Art. 9. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. § 1º. O direito de greve não pode ser exercido contra ordem jurídica e institucional, ficando a greve sujeita a limites implícitos na Constituição que a sustenta. §2º. A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. § 3º. Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

Quase todos os ramos do direito são transferidos para a competência dos Estados, havendo significativa redução da autonomia dos Municípios. O Legislativo se reduz à Casa de Representação Popular, enquanto os tribunais de contas viram câmaras especializadas do Poder Judiciário. As atribuições do Presidente da República são inteiramente delegadas ao legislador, assim como o estatuto do Ministério Público, da Advocacia Pública e da Defensoria Pública. No âmbito do Judiciário, o cenário não é diferente.
De acordo com a proposta, os membros do STF, com mandato de nove anos, serão indicados, para nomeação do Presidente da República, pela magistratura em eleição livre (3), pelo Ministério Público, mediante votação (1), pela OAB, mediante eleição por todos seus membros (1), pela Casa de Representação Popular (2) e pelo Presidente da República (2), após sabatina pelo Senado Federal (previsto assim meio à deriva). Os demais tribunais e as competências são remetidos à lei complementar. Os princípios das finanças públicas e da ordem econômica são reduzidos a mandados espectrais que dependem do sopro de vida do legislador. A ordem social simplesmente desaparece, valendo, desde então, como legislação infraconstitucional.
Se for para ser levada a sério, a proposta é um atentado à Constituição Federal. A violação do artigo 60, parágrafo quarto, é patente: grave comprometimento da federação, da separação dos poderes e dos direitos e garantias individuais. Trata-se, na verdade, de usurpação do poder constituinte. Para espanto, o parecer de Barras Carneiro não reconhece qualquer vício na forma e no conteúdo da proposição, apenas sugere acréscimos. Restaura, por exemplo, as normas sobre o federação brasileira, sobre a administração pública (com importantes alterações), o Senado, os tribunais de contas, as competências presidenciais, os órgaos do Judiciário, do MP, da advocacia e defensorias públicas, basicamente com o figurino atual. No mais, é semelhante à proposta original com a desconstitucionalização da ordem social, econômica e financeira.
O relator confessa o desejo de mudança profunda da Constituição, na realidade, da adoção de um novo texto. O danado é que ainda culpa a baixa efetividade das normas constitucionais por ter a sociedade perdido a esperança de transformações. Ao invés de concretizá-las, é preferível suprimi-las. Eis a reengenharia aplicada à Constituição.
O texto da proposta atualmente na CCJC no aguardo de análise do parecer, que inclui uma proposta substitutiva, pode (e deve) ser conferido por todos.

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