Christine é o pseudônimo de C.M, 39, mulher de beleza mediana e inteligência brilhante que tão logo conheceu Cindy, na verdade C.C. de 34 anos, apaixonou-se desesperadamente. Amor quase de imediato correspondido. Amor que passou a exigir proximidade, depois convivência; enfim, junção dos corpos com selo oficial. Mas, nos Estados Unidos, onde moram, alguns Estados permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo; outros, não.
Como ambas trabalham e viviam em Nova Iorque, onde a celebração era proibida, embora, hoje, só dependa da aprovação do Senado estadual de um projeto de lei despachado pelos deputados, tiveram que fazer uma viagem cheia de promessas e fantasias para a cidade ao lado, no Estado de Massachusetts em 2005.
Casaram-se sob um sol pouco freqüente no lugar numa cerimônia simples, mas muito emocionante. As fotos mostram o choro e os beijos numa atmosfera, imagina-se, cheia de palavras ternas. A lua-de-mel e a volta foram marcadas por carinhos que despertavam suspiros e indignações nos transeuntes e passageiros. Amor diferente tem dessas coisas.
Em 2006, resolveram ter um filho. Christine procurou um banco de sêmen e logo estaria a cuidar do bebê, uma linda menina de olho claro feito cristal à luz. Cindy foi aconselhada a adotá-la e assim o fez. Mas o tempo e o cotidiano desgastam qualquer sentimento, mesmo o mais profundo, mesmo o virtualmente eterno.
“Nós tivemos uma relação incrível, muito intensa e sólida,” confessou Christine à repórter do “NYTimes”, Marcelle Fischler. A corrosão que os humores e cheiros provocam no desejo se intensificou com o surgimento de problemas de saúde e financeiros, agravando ainda mais o “estresse de uniões homoafetivas.” São tensões internas e pressões de todos os lados que dificultam as já tormentosas vida sob o mesmo teto. Enfim, o sonho evaporou-se no inverno de 2007.
A viagem de retorno, agora, era para a condição de solteiras, começando uma árdua batalha judicial, vencida em outubro de 2008, quando a Suprema Corte de Nova Iorque autorizou o primeiro divórcio de um casal homoafetivo legalmente unido em território norte-americano. Antes, havia sido permitida somente a dissolução de casamentos realizados fora do país. Nem todos os Estados fazem o mesmo, contudo. Os tribunais de Rhode Island, Oklahoma e Texas, por exemplo, recusam homologar a separação nesses casos.
Lembremos que no Brasil ainda se veda a união e a dissolução dos vínculos homossexuais. O STF, no entanto, foi chamado a se pronunciar sobre a aplicação do regime jurídico das uniões estáveis, previsto no artigo 1723 do Código Civil, às uniões entre pessoas do mesmo sexo, integrantes do corpo de servidores públicos do Estado do Rio de Janeiro (ADPF n.132-RJ). Mais recentemente, a Produradoria-Geral da República ajuizou outra ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), de número 178, pedindo, de maneira mais ampla, o reconhecimento da união entre casais homoafetivos como entidade familiar. Voltemos ao caso.
Os termos acordados no divórcio de Christine e Cindy foram basicamente os mesmos que se apresentam num divórcio heterossexual como a definição da guarda, da visita e dos alimentos da criança. A pergunta que todos faziam ao casal era: precisavam mesmo do reconhecimento estatal tanto para união quanto para separação das duas? Ambas responderam que sim.
Fora as importantes questões de índole financeira e previdenciária, havia a necessidade de o casal se sentir igual em direitos como parceiro de uma sociedade pluralista e democrática. A diferença de orientação sexual não poderia gerar discriminação jurídica e de status, tanto do ponto de vista do direito, quanto da sanidade mental.
As observações valiam para os dois atos: de união e de dissolução. Sobre este derradeiro, o psicólogo e professor David Greenan, ouvido por Fischler, ressaltou que um processo mais formal de divórcio produziria benefícios psicológicos para as pessoas envolvidas, pois ajudaria a criar um ritual de separação, “a ritual for disengagement”, fundamental para cada uma recomeçar a vida amorosa.
Christine não pensa ainda numa nova história de amor, mas tampouco se diz fechada a novas paixões. É a vida que segue num mundo que não para de girar.
Imagem: Cena de "Drag me to Hell", de Sam Raimi
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