domingo, 19 de julho de 2009

O aborto masculino

  • “O ‘ofício do historiador’ é um ofício de homens que escrevem a história no masculino. Os campos que abordam são os da ação e do poder masculinos, mesmo quando anexam novos territórios. Econômica, a história ignora a mulher improdutiva. Social, ela privilegia as classes e negligencia os sexos. Cultural ou ‘mental’, ela fala do homem em geral, tão assexuado quanto a Humanidade”. (Michelle Perrot)
Matt Dubay e Lauren Wells começaram a namorar em 2004. Com a continuidade e aprofundamento da relação, Dubay mostrou a preocupação com eventual gravidez de sua parceira. Alegava que não estava ainda pronto para ser pai. Não havia perigo, teria assegurado Wells, pois, além do uso de contraceptivos, ela não possuía condições físicas para engravidar.
Feito e acertado, o amor perdeu a validade e com ela a promessa. Wells confessou que estava grávida e, superando as resistências do ex, veio a ter um filho. Algum tempo depois, ingressou com pedido de alimentos, deferido pelo juiz do Condado de Saginaw, Michigan, Estados Unidos. Dubay deveria pagar mensalmente US$ 475 além de arcar com a metade das despesas do plano de saúde do filho.
Em março de 2006, o Centro Nacional de Defesa dos Homens, NCM em inglês, recorreu em nome de Dubay. Os seus argumentos foram baseados na teoria do “aborto masculino”, expressão cunhada por Melanie McCulley, ou dos “direitos paternais”, na versão mais ampla e corrente em Jocelyn Crowley, Gwyneth e Rhys Williams, Diane O’Connell, Sanford Braver e Serene Khader, para amparar as pretensões dos “direitos reprodutivos dos homens” em condições de igualdade com as mulheres.
Mais especificamente, advogou-se que a continuidade da gravidez não planejada, surgida no âmbito de relações extraconjugais ou sem vínculos de estabilidade, deve ser consentida pelo suposto pai. Ele deve, entretanto, informar à grávida sobre a sua opção, indicando-lhe as alternativas para o abortamento, a adoção ou a maternidade individual. A manutenção da gravidez, neste derradeiro caso, importará a desoneração dele tanto de seus direitos de pai, quanto da responsabilidade alimentar.
Os defensores da tese dizem que se a mulher pode (ou deve) tomar uma decisão suficientemente informada sobre a continuidade da gravidez, não há razão para os homens receberem tratamento diverso. Pois bem, o NCM recorreu contra a decisão de primeira instância, indo até a Corte de Apelação e dando origem ao case Dubay v. Wells, mencionado, desde então, como um paralelo a Roe v. Wade, em que a Suprema Corte estadunidense reconheceu o direito de a mulher interromper a gravidez.
Para desespero dos apelantes, a Corte manteve a decisão, afirmando que a cláusula do devido processo legal (XIV Emenda à Constituição norte-americana) não vedava ao Estado tratamento diferente para pessoas em classe ou situações distintas. Ademais, que culpa teria o filho com isso?
O tema pode, para alguns, parecer distante, uma vez que, no Brasil, o abortamento (feminino) é crime. Mas como a velocidade das mudanças segue de perto a luz, logo, logo, o assunto despertará nosso interesse. Não sou vidente e tampouco historiador, mas tenho de relatar o fato tentando mover-me contra a natural tendência do olhar masculino da história, como acertadamente nos alertou Perrot.

Um comentário:

Anônimo disse...

O abortamento masculino parece tacitamente permitido no Brasil. Pelo menos, observando-se que inúmeras crianças sem pai se encontram nas ruas das cidades... por falta da presença daquele que as gerou.