terça-feira, 26 de outubro de 2010

Reflexões eleitorais sobre a soberania popular

O povo é sábio. Afirmação de caráter normativo ou contrafactual que nem sempre aparece confirmado na prática. Até por que a democracia é um processo de aprendizagem. Para aprendermos, temos de refletir sobre cada etapa. Pois é para esse fim que recolho algumas observações feitas pela imprensa sobre as últimas eleições.
I - Ficha Suja
Mais da metade dos 513 deputados federais conseguiram se reeleger no último dia 3 de outubro, mas parte deles responde a processos na Justiça por suspeita de corrupção passiva, formação de quadrilha e estelionato, entre outros crimes. Dos 275 parlamentares reeleitos, pelo menos 65 respondem a ações no STF (Supremo Tribunal Federal), aponta levantamento do site Congresso em Foco.
Desse grupo, os cinco mais votados são: Paulinho da Força (PDT-SP), com 267.208 votos, seguido de João Paulo Cunha (PT-SP), com 255.497 votos, Wladimir Costa (PMDB-PA), com 236.514 votos, Emanuel Fernandes (PSDB-SP), com 218.789 votos, e Valdemar Costa Neto (PR-SP), com 174.826 votos.
A lista não leva em conta os deputados barrados pela Lei da Ficha Limpa, como Paulo Maluf (PP-SP), Natan Donadon (PMDB-RO) e Pedro Henry (PP-MT). Os três dependem de decisão da Justiça para assumir o cargo. A nova lei impediu que políticos condenados por um órgão colegiado (mais de um juiz) disputem a eleição.
Lei na íntegra
II - Política em família
Entre os candidatos mais votados nas eleições para deputado federal, estão filhos, pais ou demais parentes de políticos tradicionais no país. A repórter Ana Raquel Macedo, jornalista da Rádio Câmara, ouviu especialistas em ciência política a respeito do fenômeno.
Ana Raquel Macedo: Alguns dos campeões de votos nestas eleições para a Câmara dos Deputados carregam o sobrenome de políticos com larga trajetória em seus estados ou em âmbito nacional. Os primeiros colocados em Alagoas, Bahia, Ceará, Pernambuco e Sergipe usam o nome da família. Em Alagoas, o filho do senador Renan Calheiros, Renan Filho,do PMDB, chega ao primeiro mandato como deputado federal com mais de 140 mil votos. Em Sergipe, o filho do senador Antônio Carlos Valadares, Valadares Filho, do PSB, também foi o mais votado, conquistando a cadeira de federal pela segunda vez. Na Bahia, Antônio Carlos Magalhães Neto, do DEM, pela terceira vez, é o deputado mais votado em seu estado. Em Pernambuco, a campeã de votos é a deputada Ana Arraes, do PSB, filha do ex-governador Miguel Arraes e mãe do atual governador Eduardo Campos. No Ceará, Domingos Gomes de Aguiar, do PSB, foi o deputado federal mais votado. Aguiar é filho do atual presidente da Assembleia Legislativa do Ceará e vice-governador eleito, Domingos Filho, e da secretária de Turismo de Fortaleza e ex-prefeita de Tauá, Patrícia Aguiar. Professor da Universidade de Brasília, o cientista político Otaciano Nogueira destaca que não é de hoje que o sobrenome representa um capital político importante.
Otaciano Nogueira: Na política, um sobrenome bem conhecido e avaliado é o maior patrimônio que um candidato pode desejar. Se ele é filho de alguém que deu alguma grande contribuição, sempre será lembrado pelo que o pai fez. No Brasil, há uma série de famílias famosas que se prolongaram ao longo da política. Alguns exemplos do Império. O conselheiro Nabuco de Araújo foi deputado, senador, ministro, presidente do conselho de ministros, tudo que podia ser. E o filho, Joaquim Nabuco. Você não dissocia mais um do outro. E o filho se tornou tão importante quanto pai.
Ana Raquel Macedo: No Paraná, o filho do ex-ministro José Dirceu, Zeca Dirceu, obteve 108.886 votos. Prefeito de Cruzeiro do Oeste por duas vezes, Zeca Dirceu acredita que a maioria de seu eleitorado decorre da sua trajetória política na região.
Zeca Dirceu: Não posso deixar de dizer que o fato de eu ser filho de José Dirceu me traz uma série de credenciais e nos locais mais distantes, onde não era conhecido, acaba me trazendo uma parcela dos votos que eu tive. Mas é inegável que eu tenho história e que tenho votação que é minha, principalmente, aqui no noreste do Paraná, que é a região onde nasci e onde sempre vivi.
Ana Raquel Macedo: A deputada distrital e filha do ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz, Jaqueline Roriz, se prepara para ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados, para a qual obteve 100.051 votos. Ela acredita que, se o político não tiver uma boa atuação, o nome da família não será suficiente para manter um mandato.
Jaqueline Roriz: O segundo mandato, ou reeleição ou subir um degrau nesse caminho, ele já faz parte de um processo de você como se comportou no primeiro mandato. Porque o eleitor está muito atento, muito politizado, ele não está aceitando qualquer coisa.
Ana Raquel Macedo: O peso de um nome não é levado em conta apenas na política. O professor Otaciano Nogueira lembra que empresários, por exemplo, também costumam seguir a carreira de seus ascendentes. De Brasília, Ana Raquel Macedo.
Alguns exemplos

Em família

» Benedito de Lira (PP-AL): elegeu-se senador e emplacou o filho
Arthur Lira (PP-AL) na Câmara
» Ciro Nogueira (PP-PI): elegeu-se senador e ajudou a mulher, Iracema Portela (PP-PI), a conquistar uma vaga na Câmara
» Kátia Abreu (DEM-TO): elegeu o filho Irajá Abreu (DEM-TO) deputado federal
» Renan Calheiros (PMDB-AL): renovou o mandato e elegeu Renan Filho (PMDB-AL)
» Romero Jucá (PMDB-RR): renovou o mandato no Senado e terá a companhia da ex-mulher Teresa Jucá (PMDB-RR) na Câmara
» Vital Filho (PMDB-PB): elegeu-se senador e contribuiu para a conquista de uma cadeira na Câmara para sua mãe, Nilda Gondim (PMDB-PB)
» Wilson Santiago (PMDB-PB): foi apontado como senador eleito pela Paraíba e ajudou Wilson Filho (PMDB-PB) a conseguir uma vaga na Câmara
» Félix Mendonça (DEM-BA): o deputado elegeu o filho Félix Jr. (PDT-BA)

» Geddel Vieira Lima (PMDB-BA): perdeu a disputa pelo governo da Bahia, mas ajudou a eleger o irmão Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) deputado federal
» Jerônimo Reis (DEM-SE): teve o mandato de deputado federal cassado, mas elegeu o filho Fábio Reis (PMDB-SE)
» José Dirceu (PT-SP): contribuiu para o filho Zeca Dirceu (PT-PR) se eleger deputado federal

» Nelson Trad (PMDB-MS): o deputado não quis tentar a reeleição, mas garantiu vaga para o filho Fábio Trad
(PMDB-MS) na Câmara

» Virgílio Guimarães (PT-MG): não teve sucesso na disputa ao Senado, mas ajudou o filho Gabriel Guimarães (PT-MG) a ir para a Câmara

Veja ainda:

Parentesco entre políticos é um marco na representação nordestina

A Política Real está atenta e apurou que 19,2% dos 151 deputados federais da bancada nordestina tem alguma relação de parentesco com seus principais apoiadores - seja na condição de sucessão política no cargo ou por conta de um projeto de poder.

III - Donos da mídia

Afiliadas da Globo, da Record, do SBT e da Band e uma série de pequenas rádios são de propriedade de 61 políticos eleitos no último dia 3/10/2010. O patrimônio declarado em empresas de rádio e TV é de cerca de R$ 15 milhões. Na campanha, esses meios de comunicação podem, em tese, ajudar a promover a imagem de seus sócios.

Levantamento da Folha com declarações de bens localizou 91 participações em rádio e TV. Entre elas, o senador José Agripino Maia (DEM-RN) e as famílias de Jader Barbalho (PMDB-PA), Renan Calheiros (PMDB-AL) e José Sarney (PMDB-MA). A lei permite que ocupantes de cargos no Executivo ou Legislativo sejam sócios de empresas de rádio e TV e proíbe que estejam à frente da gestão das emissoras, o que é pouco fiscalizado.

O maior patrimônio declarado é de Júlio Campos (DEM-MT), eleito deputado federal: uma rede de TV de R$ 2,9 milhões. A seguir, vêm os irmãos Roseana (DEM) e Zequinha Sarney (PV). Dos 61 eleitos, pelo menos dois deputados participam da Comissão de Comunicação da Câmara, que aprova as renovações de rádio e TV: Antônio Bulhões (PRB-SP) e Arolde Oliveira (DEM-RJ). Também fazem parte Jader Barbalho e Beto Mansur (PP-SP), que ainda dependem da decisão da Justiça sobre a Lei da Ficha Limpa para ter novos mandatos.

No Maranhão, as quatro maiores TVs estão nas mãos de políticos. A Globo local pertence à família Sarney. A família do senador Edson Lobão é ligada ao SBT. A Record é da família do deputado Roberto Rocha (PSDB), e a Band, ligada a Manuel Ribeiro (PTB), eleito deputado estadual. O ex-presidente do Senado Garibaldi Alves (PMDB) tem participação na rádio Cabugi do Seridó, no Rio Grande do Norte, ligada à família dele. No site da emissora, antes da eleição, havia notícias elogiosas a ele, que se reelegeu.

Para Celso Schröder, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, o lado fiscalizador fica enfraquecido com a ligação com políticos. Leia na íntegra

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