quinta-feira, 23 de junho de 2011

Há uma teoria libertária do poder?

Felipe Corrêa elaborou uma série de resenhas sobre autores que propõem “uma teoria libertária do poder”, publicada em "Estratégia & Análise". Como propósito de resenha, vale a conferência:
Poder

1. O poder como 'capacidade de' ou "conjunto dos efeitos dos quais um agente dado, animado ou não, pode ser a causa direta ou indireta. É interessante que, desde o início, o poder se define em termos relacionais, na medida em que, para que um elemento possa produzir ou inibir um efeito, é necessário que se estabeleça uma interação.”

2. O poder como assimetria nas relações de força sociais

3. O poder como estruturas e mecanismos de regulação e controle. "Refere-se às estruturas macro-sociais e aos mecanismos macro-sociais de regulação ou de controle social. Fala-se, neste sentido, de ‘instrumentos’ ou ‘dispositivos’ de poder, de ‘centros’ ou de ‘estruturas’ de poder, etc.”

Poder
“A produção e a aplicação de normas e sanções definem então a função de regulação social, uma função para a qual proponho o termo poder. (...) conservar este termo só para definir (...) a função social de regulação, o conjunto dos processos com os quais uma sociedade regula-se, produzindo normas, aplicando-as, fazendo-as respeitar”
Autoridade
“[Chama-se] autoridade as assimetrias de competência que determinam assimetrias de determinações recíprocas entre os indivíduos e a influência nas assimetrias por razão das características pessoais. (...). No caso das relações pessoais, podemos definir a assimetria como influência; no caso das relações funcionais podemos definir a assimetria como autoridade”.
Dominação
“A dominação define, então, as relações entre desiguais – desiguais em termos de poder, ou seja, de liberdade –, define as situações de ‘supraordenação’ e subordinação; define os sistemas de assimetria permanente entre grupos sociais.”

Michel Onfray. El choque de la semana Onfray vs. Attali

O liberalismo e o contratualismo são ideias contrafactuais e hipócritas. Todos renunciam, poucos ganham. Assista ao debate com Michel Onfray e a sua questão de um "capitalismo libertário".

Relatório da Suprema Corte do Reino Unido

Instalada em 2009, a Suprema Corte do Reino Unido possui competências de revisão das decisões judiciais, de solução de conflito de atribuição preventivo ou sucessivo e de controle de comunitariedade e convencionalidade. Como tribunal de revisão, ela é fonte de apelação dos tribunais do Reino em assuntos diversos, designadamente:
A) Para Inglaterra e Gales:
 Recurso civil da Court of Appeal
 Recurso penal da Court of Appeal
 Alguns recursos da High Court
B) Escócia
 Recurso da Court of Session
C) Irlanda do Norte
 Recurso da Court of Appeal
 Alguns recursos da High Court
A UKSC também possui competência para exame das atribuições, delegadas pelo Parlamento do Reino, à Escócia, Gales e Irlanda do Norte (matéria anteriormente afeta à comissão judicial do Privy Council, JCPC).
Os casos de exame de delegação (conhecidos como devolution cases) podem chegar à Corte por quatro formas: a) por um envio à Corte; b) na apelação contra um julgamento de certos tribunais da Inglaterra, Gales, Escócia e Irlanda do Norte; c) submissão por certas cortes de apelação e d) por envio mesmo que o tema não seja objeto da ação.
Cabe-lhe, ainda, examinar os projetos de lei do Parlamento escocês (section 33, Scotland Act 1998), norte-irlandês (section 11, Northern Ireland Act 1998), bem como as ordens em Conselho (Orders in Counci)l e projetos de lei e medidas (sections 96, 99 e 112, Government of wales Act 1998).
A Corte ainda tem mais nítida competência de corte constitucional, ao examinar a compatibilidade das normas do Reino Unido com o direito da União Europeia e da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Embora vinculada ao Ministério da Justiça, a Comissão de Justiça do Privy Council passou a funcionar dentro da UKSC. Cabe à Comissão, exame da apelação em vista das decisões tomadas pelos juízes dos territórios administrados pelo Reino Unido, nas dependências da Coroa e nos Estados da Commonwealth que mantiveram essa competência. Neste último caso, a decisão é da CJPC. Nos outros dois, a decisão é submetida à Rainha para final deliberação.
Leia o relatório de atividade 2010/2011 aqui

Internet: direito e risco

O acesso à internet é um direito humano, de acordo com um relatório das Nações Unidas divulgado no último 30 de abril. Direito de todos e para todos.
"Dado que a Internet se tornou uma ferramenta indispensável para a realização de uma gama de direitos humanos, para o combate à desigualdade e para acelerar o desenvolvimento e progresso humanos, a garantia do acesso universal à Internet deve ser uma prioridade para todos os estados". É a observação do relatório, intitulado "sobre a promoção e a proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão." Frank La Rue, designado "relator especial das Nações Unidas", foi quem o apresentou.
O documento ressalta que a internet é um dos instrumentos mais poderosos do século XXI para aumentar a transparência dos governos, difusão do conhecimento e informação e para facilitar a participação ativa das pessoas na construção de sociedades democráticas. Lembra, por exemplo, da recente onda de manifestações em países de todo o Oriente Médio e Norte Africano, como poderia ter mencionado o movimento dos indignados espanhóis, a demonstrar o papel fundamental que a internet pode desempenhar na mobilização da população para pedir justiça, igualdade e maior respeito pelos direitos humanos. O relatório critica a adoção por alguns países de criminalização da manifestação de pensamento pela internet, violando a obrigação internacional dos Estados de respeito aos direitos humanos. A pretexto de proteger a honra das pessoas, a segurança nacional e o combate ao terrorismo, tais leis são usadas, na prática, como forma de censura e controle da opinião pública.

O direito humano ao acesso à internet certamente sofre limitação de recursos para plena efetivação. Por isso, é mais que um direito de defesa, é um direito de prestação continuada. Como explica o relatório:

Dado que o acesso a produtos básicos como a eletricidade ainda é difícil em muitos Estados em desenvolvimento, o Relator Especial tem plena consciência de que o acesso universal à Internet para todos os indivíduos em todo o mundo não pode ser alcançado instantaneamente.
No entanto, o Relator Especial recorda a todos os Estados a sua obrigação positiva de promover ou facilitar o exercício do direito à liberdade de expressão e aos meios necessários para exercer esse direito, incluindo a Internet.
Assim, os Estados devem adotar políticas eficazes e concretas, bem como estratégias - desenvolvidas em consulta com os indivíduos de todos os segmentos da sociedade, incluindo o setor privado, bem como ministérios governamentais relevantes - para tornar a Internet amplamente disponível, acessível e disponível a todos.
Não há dúvida de que a internet é um poderoso meio de comunicação social. Seu uso tem propiciado mudanças importantes nas formas de interação humana e mesmo de fazer política. É possível que seus impactos em longo prazo sejam ainda mais significativos. Impactos de natureza antropológica, social e, evidentemente, política. Algo que se assemelhe à abertura das mentes induzida pelas grandes navegações do século XV e XVI.
Pode acontecer de os próprios Estados e as organizações internacionais perderem, pelo menos, parte do poder que hoje possuem. A capacidade cada vez maior de grandes conglomerados como Google, Apple e Facebook acumularem informações privadas e públicas, espionando silenciosamente a vida e os perfis pessoais, pode anunciar um outro arranjo de forças e organização social num futuro próximo. Claro que a comunidade internacional deve lutar pelo acesso universal e igualitário aos meios internáuticos. Entretanto, a preocupação com a saúde democrática do mundo deve também ser a sua tônica, sob pena de acordarmos tarde demais.
Leia o documento da ONU aqui

domingo, 19 de junho de 2011

A eficiência do Estado brasileiro

Entre os 30 países com as maiores cargas tributárias, o Brasil é o que proporciona o pior retorno dos valores arrecadados em bem-estar para seus cidadãos.Com carga tributária de 34,41% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2009, o país fica atrás dos vizinhos Argentina e Uruguai quando se analisa o retorno dos tributos em qualidade de vida para a sociedade.
Nesse comparativo, os Estados Unidos, seguidos pelo Japão e pela Irlanda, são os países que mais bem aplicam os tributos em melhoria de vida de suas populações.A conclusão é de estudo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) que compara a carga fiscal em relação ao PIB e verifica se o que está sendo arrecadado pelos países volta aos contribuintes -ou seja, a quem paga os tributos- em serviços de qualidade que gerem bem-estar à população.
No estudo, o IBPT (entidade que se dedica a estudos tributários de natureza institucional, setorial e empresarial) usa dois parâmetros: a carga fiscal em relação ao PIB (soma das riquezas de um país) e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O resultado do estudo mostra que o Irbes (Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade) do Brasil é de 144, enquanto o dos EUA é de 168,2 (ver quadro).
O Irbes é o resultado da soma da carga fiscal, ponderada percentualmente (15%) pela importância desse parâmetro, com o IDH, ponderado da mesma forma (85%).O IBPT usou esses percentuais por entender que um IDH elevado, independentemente da carga fiscal do país, é mais representativo e significativo do que uma carga elevada, independentemente do IDH. Por isso atribuiu peso maior ao último.
Para a carga tributária, o estudo usa os dados da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) de 2009 (último dado disponível); para o IDH, são usados os dados da ONU (Organização das Nações Unidas) de 2010. Embora já tenha o dado da carga fiscal brasileira de 2010 (35,13%), o IBPT usa o índice de 2009 para manter a paridade com os demais países. RECEITA
A assessoria de imprensa da Receita Federal informou ontem que não comentaria o estudo do IBPT. No ano passado, a Receita divulgou que a carga tributária brasileira de 2009 foi de 33,58% -0,83 ponto percentual inferior ao índice calculado pelo IBPT. O índice do instituto é superior porque considera no cálculo os valores com multas, juros e correção, além de incluir contribuições corporativas e custas judiciais.
Para tributarista, melhor seria ter imposto e IDH altos
O tributarista João Eloi Olenike, presidente do IBPT, diz que o Brasil é o último colocado no ranking porque tem carga tributária elevada (a 14º no mundo) e baixo IDH (apenas o 70º lugar). "Nossa carga fiscal é de primeiro mundo, mas nosso IDH ainda é muito baixo. Não somos líderes nem na América do Sul." Para Olenike, "é melhor ter carga tributária elevada e IDH também alto".
Mas como melhorar o IDH de um país demora muito tempo (são necessários investimentos de longo prazo), ele diz que seria mais fácil reduzir a carga para que o país pudesse melhorar sua posição. Se o Brasil tivesse carga fiscal de 25% do PIB, seria o 15º colocado, segundo o tributarista
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A produtividade legislativa no Brasil

"Dá-me os fatos e te darei as leis", diz a máxima sobre o trabalho de um juiz. Pois os juízes brasileiros tiveram de lidar com muitas na última década: de 2000 a 2010, o país criou 75.517 leis, somando legislações ordinárias e complementares estaduais e federais, além de decretos federais. Isso dá 6.865 leis por ano —o que significa que foram criadas 18 leis a cada dia, desde 2000.
Mas, em vez de contribuir para a aplicação do Direito, boa parte dessa produção só serviu para agravar os problemas da máquina judiciária. A maioria das leis é considerada inconstitucional e acaba ocupando ainda mais os tribunais coma rotina de descartá-las. Outras, mesmo legítimas, viram letra morta, pois o juiz as desconhece ou prefere simplesmente ignorá-las. E outras têm a relevância de, por exemplo, criar o Dia da Joia Folheada ou a Semana do Bebê. Embora as mazelas da Justiça sejam, muitas vezes, associadas à falta de leis apropriadas, é justamente o excesso delas um dos fatores que emperram o Judiciário. Outro motivo seria a baixa qualidade da produção legislativa — uma lei que não se liga à realidade social, ou outra que não se baseia em princípios constitucionais.
Há ainda os problemas enfrentados pelo Judiciário no seu trabalho, ao lado da própria falta de compreensão da sociedade sobre a Justiça. O GLOBO discute essas questões numa série de reportagens que começa hoje, sobre o seguinte tema: por que uma lei não pega no Brasil?
Das 75.517 leis criadas entre 2000 e 2010, 68.956 são estaduais e 6.561, federais.Minas Gerais foi o maior legislador do período: criou 6.038 leis. Em seguida, Bahia, criadora de 4.467 leis; Rio Grande do Sul, com 4.281; Santa Catarina, com 4.114; e São Paulo, com 4.111. O Rio de Janeiro criou 2.554 leis nesse período. Esse total de 75mil leis nem leva em conta as municipais — o que faria subir consideravelmente esse número, já que, segundo a Confederação Nacional dos Municípios, existem atualmente no país 5.500 Câmaras municipais e 55 mil vereadores.
A inconstitucionalidade é um dos principais problemas na qualidade das leis, sobretudo as estaduais e municipais; uma lei tem sua constitucionalidade questionada por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin). De 2000 a 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou 2.752 Adins, relativas a leis federais e estaduais; de 1988 até agora, 20,5% dessas foram julgadas inconstitucionais. Nos estados, só o Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, julgou, em 2010, 338 Adins questionando leis estaduais e municipais. Da lei que institui o Dia do Motoboy no estado à que exige times femininos jogando nas preliminares das rodadas decisivas do campeonato estadual de futebol, 80% das leis que chegam para a sanção do governador Sérgio Cabral são consideradas inconstitucionais pela Procuradoria Geral do Estado. Especialistas estimam que esse percentual médio se repita em outros estados.

Pobres e miseráveis

Deu no Estadão de hoje:
10,5 milhões vivem com até R$ 39 por mês
Uma população estimada em 10,5 milhões de brasileiros - equivalente ao Estado do Paraná - vive em domicílios com renda familiar de até R$ 39 mensais por pessoa. São os mais miseráveis entre 16,267 milhões de miseráveis - quase a população do Chile - contabilizados pelo governo federal na elaboração do programa Brasil sem Miséria. Lançado no dia 3 de maio como principal vitrine política do governo Dilma Rousseff, o programa visa à erradicação da miséria ao longo de quatro anos.
Dados do Censo 2010 recém-divulgados pelo IBGE que municiaram a formatação do programa federal oferecem uma radiografia detalhada da população que vive abaixo da linha de pobreza extrema, ou seja, com renda familiar de até R$ 70 mensais por pessoa - que representam 8,5% dos 190 milhões de brasileiros.
A estimativa dos que sobrevivem com até R$ 39 mensais per capita é a soma dos 4,8 milhões de miseráveis que moram em domicílios sem renda alguma e 5,7 milhões de moradores em domicílios com rendimento de R$ 1 a R$ 39 mensais. Estima-se que outros de 5,7 milhões vivem com renda entre R$ 40 e R$ 70 mensais por pessoa da família.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Moral, Ciência e Superstição

Será que nosso julgamento moral é pura intuição? Filósofos como David Hume e Adams Smith achavam que a noção de certo e errado nascia de nossas emoções. Eram um contraponto aos racionalistas, de Platão a Kant, que a viam como uma operação racional. Certas razões abstratas eram capazes de fornecer a orientação e a motivação de nosso agir. Os racionalistas fizeram nossa cabeça, mas estão sendo desafiados pelos estudos da Psicologia Moral.
Sam Harris, autor de “The Moral Landscape”, afirma que o ensino da moral tem se baseado em critérios equivocados, para não dizer supersticiosos. Os moralistas vivem na era medieval ou, sendo mais benevolente, a moral é um ramo subdesenvolvido da ciência. Será mesmo que, seguindo Harris, o exame do DNA e das operações físico-químicas de nossas sinapses explicarão nosso comportamento moral?
Joshua Greene, autor de diversos artigos sobre o assunto, incluindo “Moral Judgment”, fica no meio do caminho. Ele defende uma teoria dual sobre os julgamentos morais, baseada tanto na intuição quanto na razão. A noção kantiana de “direitos” e “deveres” não são produto da razão, mas de nossas intuições ou de respostas emocionais.
A operação mental que nos faz seguir essa noção é, todavia, racional. Uma razão, diferentemente da tese kantiana, utilitária ou consequencialista, pois avaliamos o custo-benefício da conduta para nós, o que é melhor ou menos penoso. Há diversos experimentos (científicos) que tentam demonstrar o determinismo genético de nosso agir e o cálculo racional que fazemos para superá-lo.
Kenan Malik, autor de “The Meaning of Race”, é dos que defendem uma linha menos econômica do comportamento moral, inclusive contra o dualismo de Greene. Imaginemos, seguindo seu argumento, que no futuro os cientistas cheguem a demonstrar que as diferenças raciais são uma realidade biológica. Uma raça (ou um determinado padrão genotípico) seria cognitivamente inferior a outra. Seguindo-se a uma análise de custo-benefício, concluamos que o melhor resultado para a humanidade seja submeter as “raças inferiores” ao jugo das raças ou padrões genotípicos mais inteligentes. Será que o julgamento moral aceitará essas conclusões?
Chegamos num nível de argumentação moral (talvez, como diz Harris, por superstição) de que todos os seres humanos são agentes morais autônomos, merecedores de igual respeito e consideração. Vivemos imersos numa rede de direitos e obrigações recíprocos, criada por nossa capacidade de diálogo racional. E por que somos agentes morais autônomos? Porque, mesmo sem conhecermos os meandros de nossa físico-química mental, somos capazes de distinguir entre o certo e o errado, assumindo responsabilidade e atribuindo culpas.
Há algo além da físico-química e do cálculo utilitarista. Talvez seja um resíduo teológico. Talvez superstição. Espero que sem cláusula de retorno ou retrocesso