quarta-feira, 14 de julho de 2010

Reportagens provocantes: Liberar a maconha?

Interessante matéria publicada pela FSP de 14/11/2010 sobre a liberação da maconha. Devemos fugir do preconceito, para analisarmos com atenção o problema.
Um grupo de neurocientistas que estão entre os mais renomados do país escreveu uma carta pública para defender a liberalização da maconha não só para uso medicinal, mas para "consumo próprio".
Assinam a carta nomes como Stevens Rehen, da UFRJ, coautor da primeira linhagem de células tronco no país, e Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto de Neurociências de Natal. Eles falam em nome da SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento), que representa 1.500 pesquisadores.
A motivação do documento foi a prisão -um "equívoco", diz o texto- do músico Pedro Caetano, baixista da banda de reggae Ponto de Equilíbrio, que ganhou repercussão na internet. Ele está preso desde o dia 1º sob acusação de tráfico por cultivar dez pés de maconha e oito mudas da planta em casa, em Niterói (RJ).Segundo o advogado do músico, ele planta a erva para consumo próprio.
A carta o defende dizendo que é "urgente" discutir melhor as leis sobre drogas "para evitar a prisão daqueles usuários que, ao cultivarem a maconha para uso próprio, optam por não mais alimentar o poderio dos traficantes de drogas". De acordo com os membros da SBNeC, existe conhecimento científico suficiente para, pelo menos, a liberalização do uso medicinal da maconha no Brasil.
A SBNeC se baseia em estudos que mostram efeitos terapêuticos que poderão, um dia, ajudar no tratamento de doenças como Parkinson. É uma posição bem diferente da adotada, por exemplo, pela Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (leia ao lado).
EM OUTROS PAÍSES
"O Brasil está atrasado nessa discussão, ao contrário do que ocorre em países como Argentina, México e Portugal", diz Ribeiro. Nos vizinhos sul-americanos, por exemplo, é permitido o porte de alguns cigarros de maconha para consumo próprio. O fumo, entretanto, não pode ocorrer na rua. Diferentemente de quase todos os países, onde a maconha é banida, outros como a Holanda e a Espanha permitem o consumo e o cultivo para consumo próprio. "A lei de drogas no Brasil -reformada na última vez em 2006- avançou, mas criou um paradoxo", diz Ribeiro. "A pena para o usuário baixou, mas ela não permite o cultivo para uso próprio".
Se a Justiça entender que o músico da Ponto de Equilíbrio é traficante, ele poderá ficar, pelo menos, cinco anos na cadeia. Caso ele seja considerado usuário, deverá prestará serviços sociais por apenas alguns meses. "Falta uma espécie de manual de instruções desta lei", afirma Antônio Gonçalves, advogado especialista em filosofia do direito.
A legislação, diz o especialista, não define quem é o traficante e quem é o usuário. Fica tudo para a Justiça definir. "Falta a lei dizer como proceder, para evitar situações como a do músico".
OUTRO LADO
A Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas) é "totalmente contrária" a qualquer tipo de liberdade para o uso da droga. De acordo com o psiquiatra Carlos Salgado, presidente da instituição, não é verdade que a maconha seja uma droga benéfica, como defendem outros cientistas brasileiros. Entrevista feita pela Folha de S. Paulo
A Abead tem uma posição fechada sobre a liberalização da maconha?

Não concordamos com qualquer liberalidade para nenhuma nova droga. Como não concordamos nem para o tabaco e o álcool. Alguns avanços foram obtidos com o tabaco, exatamente porque a sociedade não concorda com a liberalidade.
A maconha, mesmo em alguns casos, pode ser considerada uma droga benigna?

A maconha não é uma droga benigna. Não é uma droga menor, isenta de risco. Apesar de ela ser um grande problema de saúde pública no mundo inteiro, por ser a droga mais consumida entre as ilícitas, existem poucos usuários ligados de forma sistemática a maconha. Com uma eventual liberalidade, este número deve crescer. Certamente, com isso, o número de pessoas com câncer de cabeça e pescoço e pulmão, por exemplo, vai aumentar. Liberar a maconha é um equívoco. Terá que ser feito, depois, um movimento contrário, assim como ocorre com o tabaco hoje.
A maconha não é viável nem para o uso medicinal?
Existem tantas alternativas, tanto para o controle de dor, quanto para o controle de apetite que não precisamos lançar mão de um indivíduo fumando maconha dentro de um hospital. Nem usando extrato da substância. Temos várias opções bem estabelecidas, até para pacientes terminais.

domingo, 11 de julho de 2010

Jornais da Itália protestam contra a lei da mordaça

Berlusconi quer aprovar uma lei que restringe a liberdade de informação. O projeto, já votado no Senado, veda que dados de investigação sejam divulgados pelos meios de comunicação enquanto não houver decisão condenatória com trânsito em julgado. Os beneficiários dessa lei são principalmente o Primeiro-Ministro e membros de sua equipe, envolvidos em escândalos.
A lei prevê, entre outras, penas de até 30 dias de prisão ou sanções de até 10 mil Euros para os jornalistas que publicarem escutas durante as investigações ou as atas que corram em segredo de justiça. Para os responsáveis pelos veículos, as multas são fixadas entre 300 mil e 450 mil Euros.
No dia 9/7/2010, os jornais, as rádios, as televisões, as agências de noticiais e as infovias informativas, excetuadas as pertencentes ao premier, entraram em greve por 24 horas. Uma lei semelhante, de autoria de Paulo Maluf, tenta ressuscitar a mordaça também aqui no Brasil.
As preocupações dos italianos e de toda a Europa valem por aqui.

Palestra de Mark Tushnet

Pensamentos obtusos: a justiça

De fato, justiça é o que desejamos para nós e só fazem para os outros. Em tese, injustiça é o q fazem conosco e não desejamos para ninguém.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Entrevista com Slavoj Zizek

Video: A Escola de Frankfurt

Futebol e violência

Já discuti algumas vezes se o esporte não é uma espécie de cultura da violência. A tese mais corrente é de que é um substitutivo dela. O artigo de João Pereira Coutinho, publicado na FSP de 6/7/2010, segue essa linha.
No texto, ele rebate os argumentos de Theodore Dalrymple, pseudônimo do médico e ensaísta britânico Anthony Daniels, apresentados em "Of Snobbery and Soccer" (New English Review, july/2010), de que a paixão mundial pelo futebol é sintoma da decadência intelectual de nosso tempo.
Como podem os parlamentares franceses instalar uma comissão parlamentar de inquérito só para analisar as causas do fracasso dos Bleus na Copa do Mundo de 2010? Um desperdício de inteligência.
Coutinho contra-ataca: o jogo de futebol tem importância tanto política quanto existencial para os indivíduos e povos. Lembra da derrota de Portugal para a Espanha pelas quartas-de-final. Uma tragédia sublimada até certo ponto. "Perder contra Espanha desperta todos os fantasmas históricos de um país que, em rigor, sempre afirmou a sua identidade por oposição a Castela. E que sempre viu em Castela uma ameaça física (no passado) ou econômica (no presente)."
A partida tinha o sentido simbólico de revanches: "Para os portugueses, defrontar a Espanha era uma nova Batalha de Aljubarrota. Serem derrotados pela Espanha, uma repetição de 1580. (...). Todos os portugueses espera[va]m pela desforra. Espera[va]m por um novo jogo, uma nova Restauração, um novo 1640".
A Copa do Mundo, reduzida à Eurocopa, desfaz, ainda que por 90 minutos, o que a União Europeia tentou sepultar: as rivalidades. "O futebol é a válvula de escape para que os países, formalmente unidos em Bruxelas, possam libertar medos ou ressentimentos que o tempo armazenou no subconsciente histórico".
O lado existencial dos confrontos é revelado pela transferência infantilizada dos projetos megalomaníacos individuais para uma armadao (supostamente indestrutível) de chuteiras. O torcedor anônimo, um Zé, outra Maria, projeta na seleção exigências pessoais que não podem ser desfeitas. "Ele anseia por ordem, força, criatividade, disciplina, vontade ganhadora; ele exige o que seria incapaz de exigir a si próprio. Porque não pode, ou não quer".
A resposta tribal, baseada em estratagemas supersticiosos e rituais compulsivos, é a afloração irracional da sordidez humana e de seu complexo de inferioridade reprimido. Coutinho prefere ver nela a substituição dos instintos de violência por uma guerra sublimada: "No Ocidente global e pós-moderno, onde a religião e mesmo o Estado-nação foram recuando na sua força vital, o futebol preencheu esse vazio, congregando novos fiéis com um novo sentimento de pertença".
Futebol não é só um jogo nem é só um processo de formação da identidade, contudo. É também o culto da estética e da violência. Por isso se apela tanto para um arquétipo de um futebol-arte perdido. Perde-se o jogo, mas não a graça. Mas o desejo do pódio é mais forte. Ganhe-se com Dunga, mas não se perca jamais. Caso contrário...

Minutos com Justice Antonin Scalia

Defensor perpétudo da autorrestrição judicial e da interpretação literal, o juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, Antonin Scalia, defende seus pontos de vista em entrevista sobre o livro: "Making Your Case: The Art of Persuading Judges".
1. A Constituição norte-americana foi assassinada pelos ativistas
2. O objetivo de uma Constituição é garantir o statu quo, não transformá-lo ou facilitar que ocorram mudanças sociais. Tais mudanças se dão pelo voto e por meio de leis.
3. As declarações de direito devem tratar das situações individuais contra a tirania.
4. As faculdades de direito norte-americanas admitem todo tipo de diversidade, meno a de ideias.
5. Um bom juiz numa sociedade democrática não têm que apresentar um melhor senso de justiça do que outras pessoas, mas deve captar o significado dos atos legislativos com mais acuidade do que as outras pessoas.
6. Deve-se intepretar a Constituição adotando-se o significado que foi empregado quando foi elaborada, independente das consequências dessa interpretação.
7. Direito ao aborto ou ao casamento homoafetivo nem passava pela cabeça dos constituintes. O juiz não pode reconhecê-lo no texto da Constituição. Numa sociedade democrática, cabe ao legislador criá-lo se for o caso.

Ronald Dworkin: Sobre a interpretação verdadeira

Assista à palestra de Ronald Dworkin sobre "Is There Truth in Interpretation? Law, Literature and History".

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A metafísica da high society

Happiness and joy always eludes a hypocrite. ”(Sam Veda)
A metafísica é traiçoeira. Ela se inventa nas formas mais inesperadas. Não se pergunte mais sobre “o que somos”, “de onde viemos” ou “para onde estamos indo”. São perguntas difíceis de responder. O tempo nos remete apenas à transitoriedade de que somos e deveria, por isso, bastar. Não basta. Mesmo quando voltamos a preocupação para algo mais nobre como a política ou a sociedade, a inquietação reaparece de modo diferente.
Pergunte-se, por exemplo, por que temos de conviver com a injustiça e a desigualdade. Por que há Ronaldos e há Arquibaldos. Nem toda persistência e disciplina explicam o sucesso. Nem todo desdém ou desleixo justificam o fracasso. E estão todos aí. A sociedade como a vida serão intrinsecamente injustas? Se tudo for produto de uma vontade oculta de sobrevivência a indagação não faz sentido. A vida é mais do que está. Toda solidariedade não passa de gesto de poder individual.
Veja o melhor regime político já experimentado, a democracia, e o quanto está à distância do porto. Todo aperfeiçoamento é sempre um salto de sapo que acelera em progressão geométrica na metade da amplitude anterior. Temos que nos acostumar com o resultado possível de nossos sonhos. E conviver com a dúvida se os sonhos não são feitos para iludir a plateia e a nós mesmos. Não somos feras somente. E sem máscaras. Embora exista um extrato de nós tão primitivo que respira à base de enxofre.
Veja essa parte de nós que habita a high society. Não confundi-la com a elite. Em comum têm o desejo de mando. Uma tem efetivamente o domínio das consciências. A elite. Outra saboreia apenas os prazeres da festa. A high society. A frivolidade das intenções se compara à fraqueza de caráter e ao déficit de cultura. Cultura é uma palavra perigosa, pois nessa parte de nós, não necessariamente eu, você, mas um nós da coletividade, nessa parte de nós há especialistas em vinhos, em carros e os Jet-set conhecem a geografia das costas e dos resorts como poucos.
Curioso é o metro do reconhecimento. Mede-se o prestígio pelo número de convites a eventos de restrita frequência. Se não for conviva, não mais vive. E vem a depressão. Ou pior, a morte social. São herdeiros tardios daquela espuma burguesa que se formou na passagem da Idade Média à Moderna. É fácil vê-los no esforço de exibição do cardápio de sucessos. E de promoção. Pois vale mais uma aparência bem cuidada do que a substância. Epicuristas de fachada, dionísicos de araque, persistem como retrato inacabado da injustiça.
Será que a sociedade não sobrevive sem eles? Por mais que a sociologia tente responder, apenas a metafísica os entende e responde. E eles, incríveis metafísicos, estão sempre a se perguntar: quem somos, de onde viemos, para onde vamos. Claro, não têm em mente explicações complicadas sobre filosofia ou política. Contentam-se e concentram-se na essência do que aparece, apofânticos por crença ou natureza. Estarão errados? Não ouse responder. A vida está, não é.