quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Meu Caro Papai Noel

Por razões de estilo e hábito, mas também por lealdade e com o respeito devido, quero deixar claro que não só duvido de sua existência como o acho, empregando mal as palavras, um manipulador de emoções e sentimentos. Isso para não cair na vala comum dos que afirmam que o senhor é fiel cavaleiro do comércio e nada mais.
Superadas essas preliminares (e afirmo a contragosto como o faço todo ano, por simples apego ao princípio da eventualidade ou como disse, aos costumes, para não me acusarem de ter perdido alguma aula de prática jurídica, mas rogando, desde já, antecipadas desculpas), gostaria de ir bem ao fundo do fundo, ao mérito de meu pedido, o que, verdadeiramente, importa. Todo o resto é protocolar.
Pois bem, como, parece, a crise econômica já passou ou, pelo menos, deu uma trégua, animei-me a fazer não um, como de praxe, mas cinco pedidos, e não para mim, como sempre faço, mas para todos os seres humanos, agora, imaginados, como sempre deveriam ter sido, iguais, independente da origem, etnia, nacionalidade, gênero, cor, orientação religiosa, política, sexual, artística (incluindo sertaneja e axé) ou futebolística (cruzeirenses e saopaulinos inclusivamente).
Gostaria de pedir que não mais existisse, nunca mais mesmo, fome, guerra, pobreza, opressão nem violência. Preferi não postular o fim da peste e de seu triunfo, a morte, por razões que esclareço depois, embora tamanha tenha sido a tentação que, como este, espero, não é o último natal de minha vida, deixo para solicitá-lo, quem sabe, o ano que vem.
Muitos já pediram, eu sei. E o senhor não é Deus, eu sei. Mas fico, às vezes, a pensar que se o senhor existisse, se Deus existisse, por que haveria essas pedras em nosso caminho? Sei bem que são criações humanas e não divinas. Aliás, foi isso que me deu coragem para pedir o que peço e abrir mão do que poderia ser o impossível ou de algo que o colocasse em contendas com o Todo Poderoso.
Digo isso me referindo à criação d’Ele em sua completude: a natureza e tudo que ela contém, suas leis, seus bichos, suas plantas, suas indecifráveis criaturas, excetuando o homem, a sua, por pressuposto, mais sublime expressão. Embora tenha de externar, e peço absoluto sigilo quanto a isso, o meu desapontamento com algumas manifestações desse poder originário absoluto e absurdamente discricionário.
Pode ser que essa minha impressão seja, de fato, mas não de direito, fruto da ignorância das grandes leis celestiais, da Constituição do universo e de tudo que existe, existiu ou existirá, ainda que apenas em pensamento. Penitencio-me, de pronto, se for – e deve ser – essa a razão do meu equívoco.
Ou de qualquer outra que se impute a esta ingênua, incrédula e ingrata criatura e suas venalidades, com ou sem direito de defesa, ainda que insidiosamente eu o reclame. Feitas, portanto, todas as precauções, mesmo assim, eu lhe confidencio para demonstrar a pureza e desinteresse do meu requerimento.
Ver, por exemplo, meu velho (me permite?), no “Animal Planet” a sagacidade do leão para atacar as suas presas e a organização das hienas para garantir os restos não é muito animador, confesso. É animalesco. A fome precisa ser combatida com a morte em campo de batalha. E como sofrem as leopardas viúvas ou seus filhotes desgarrados.
O olhar terrificado do cervo (com o perdão desse termo usado apenas para evitar duplo sentido ou gerar outro mais próprio) encurralado na premonição da morte é oprimente, desigual, insano, com o perdão, de novo, dos excessos verbais. Mas, me permita outra vez, meu velho, é, pelo menos, curioso ouvir alguém dizer que a lei da natureza é intrinsecamente justa.
Certamente o senhor já o ouviu uma centena de vezes e nem sei se concorda com isso. Provavelmente, certamente, que sim. Tenho que confessar, entretanto, que a mim me causa indignação, mas sou frágil, talvez pusilânime ou, como disse, simplesmente ignorante. Por isso, não lhe peço que, sem fechar o canal de tevê (que, por sinal, é fechado), mude assim a natureza das coisas.
Tampouco vou desejar o fim das dúvidas metafísicas: de onde viemos, para onde vamos, quem somos (por que não estamos com esta e não com aquela, coisas assim mais profundas). Por isso, estou convicto da viabilidade do que lhe peço. E sei que, por suas ligações com o Onipotente, sem quebrar o vínculo da hierarquia nem os mistérios da fé, quando acordar no dia 25 de dezembro, todas essas cinco chagas estarão curadas, minha súplica, enfim, atendida.
Se pareço um menino mimado, me perdoa mais uma vez. É que sei, bem sei que essas mazelas, exatamente por não serem tipicamente naturais, podem ser superadas por uma simples mudança de atitude do ser humano perante o mundo e principalmente perante ele mesmo. Talvez seja preciso uma proteína a mais, um peptídeo a menos, um código genético recomposto, uma falha de sistema ou caráter sanada, uma vírgula, um ponto. Nada que ponha em risco a obra do Criador.
Embora possa se imiscuir no ramo da bioquímica ou da genética, sabe-se lá se também na gramática divinal ou apenas linguística, meu caro, caríssimo Papai Noel, tudo se resume na verdade à recuperação de uma palavra antiga e até passada, brega, eu quero dizer: amor. Pois, então, que neste natal o amor disperse todos os seus contrários, pais bastardos da fome, da guerra, da opressão, da pobreza e da violência. Será que é pedir demais?
É, nesses termos, que pede respeitosamente e espera deferimento do que assim pede esta pobre e ignara criatura. A assinatura segue na imaginação para sua autenticidade.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Senado americano sob suspeita de corrupção

Senadores norte-americanos podem ter apoiado o projeto governista de reforma da saúde em contrapartida a benefícios de diversas naturezas para seus Estados de origem. Leia na reportagem da CBS: Senate's Deal: Compromise or Corruption?

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Satiagraha sob perigo

O ministro Arnaldo Esteves Lima, da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), suspendeu, por meio de liminar em habeas corpus (HC 146796/SP), todas as ações da Operação Satiagraha. Isso inclui a ação penal que resultou na condenação de Daniel Dantas a dez anos de prisão e na multa de R$ 12 milhões por corrupção ativa; bem como a cooperação internacional, comprometendo o bloqueio, feito pela Justiça dos Estados Unidos, de US$ 450 milhões nas contas do empresário naquele país.
O inquérito havia sido conduzido por Protógenes Queiroz. Coube ao Ministério Público Federal o ajuizamento da ação penal e ao juiz da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Fausto De Sanctis, a condenação.

O Reino da Dinamarca

Neste momento em que toda a humanidade tem os olhos voltados para este pequeno e rico país: a Dinamarca - espécie de sociedade ideal que atingiu todos os índices de prosperidade almejados pelas outras nações-, devemos fazer uma reflexão sobre o seu passado.
Shakespeare imortalizou a Dinamarca em Hamlet, quando disse “há algo de podre no reino da Dinamarca”. Daí pra frente, essas palavras viraram um lugar comum todas as vezes que alguém sentiu o cheiro de corrupção em sua família, empresa, Estado...
Por mais que o Bardo de Stratford, naquele momento, estivesse falando de sua Inglaterra natal, a Dinamarca era mesmo um pobre e corrupto país que merecia verdadeiramente ser chamada de podre.
A Dinamarca situa-se na chamada península Escandinávia, o conceito é vago; mas Suécia, Noruega e num certo sentido, a Finlândia e os seus aparentados, a Islândia formam um “padrão escandinavo” em qualidade de vida, quase sem par no resto do mundo. Ordeiros, pacíficos, generosos, brilhantes, ricos ostentam todas as conquistas – as objetivas, pelo menos- que todos nós almejamos. Mas não foi sempre assim.
Cercados de gelo por todos os lados e com um sol que brilha partes do ano até a meia noite – esse povo, chamado no passado de Vikings, formaram as hordas mais cruéis da cristandade. Hábeis navegadores, entre os séculos IX e X – é possível que Erik, o viking tenha chegado à América séculos antes de Colombo – chegaram às costas da Europa devastando tudo que encontraram.
Durante um curto período, os Vikings governaram a Inglaterra. Aí, no século XI, parte do continente europeu se fortalece e a Escandinávia entra num processo de profunda estagnação, com Noruega, Suécia e Dinamarca se fundindo e se separando até assumirem a forma atual que conhecemos.
Até os anos de 1920, a Dinamarca e seus vizinhos não passavam de um imenso pântano gelado. Os filmes dos anos 80, Pelle, o Conquistador e a Festa de Babete nos dão um panorama do que era a Escandinávia até quatro gerações atrás. Um povo pobre, atrasado e quase sem esperança. Já hoje!
Pergunto: o que é que a Escandinávia tem que o Brasil não tem? Por que é que esta nação “abençoada por Deus” riquíssima em recursos naturais, clima favorável, não acaba com a miséria. Por mais que avanços tenham ocorrido, ainda se morre de fome no Brasil.
O nosso índice de violência é igual ao de países em guerra. O número de favelados do Rio de janeiro e São Paulo superam a população escandinava. O que fazer para mudar isso? Dizem que a resposta é educação e mais educação. Sim, mas não é só isso. Algo mais forte se impõe. Precisamos de um choque de moralidade.
O problema do Brasil, por enquanto, é um só: Impunidade. Somos uma sociedade corrupta. Eu declaro aqui em alto e bom som: enquanto as Cortes Superiores do Brasil não colocarem os grandes e notórios corruptos na cadeia, o Brasil não mudará. Precisamos de exemplos, precisamos de um corrupto condenado e preso. Como os EUA fazem.
Se um corrupto notório for preso, os outros ficarão intimidados. O STF precisa nos dar um corrupto de presente neste natal. Um corrupto embalado e condenado atrás das grades. Seria o primeiro passo para sonharmos com a prosperidade escandinava e para homenagearmos a cúpula do meio ambiente na Dinamarca, que não é mais podre, o Brasil é que é.
Postado por Theófilo Silva, Presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O tempo (Mário Quintana)

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas! Quando de vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal... Quando se vê, já terminou o ano... Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos! Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas... Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo. Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz. A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Os bobos da corte e o direito flexível

Virou moda dizer que o brasileiro tem uma ética flexível. Não vingou ainda a noção de que a lei também é, em muitas áreas, modulável. Certos deveres ou proibições não são efetivos, não pegam, não merecem respeito.
Para muita gente, a causa estaria no descompasso entre a norma e a consciência de sua validade. Não, evidentemente, a consciência jurídica de uma moral pós-convencional. Algo bem mais rasteiro. As leis seriam gravosas demais e violariam o sentido prático de sua efetividade. Para os particulares, seriam um excesso regulamentar ao contrato social subjacente à organização política e, por isso, objeto de uma desobediência civil, ainda que desorganizada e inorgânica. Para os agentes estatais, elas seriam bifrontes.
Corrupção à parte, o pessoal diretamente imbuído de sua aplicação se sente mais poderoso e tende a exagerar o próprio rigor das leis. Entretanto, o pessoal da cobertura burocrática tenta atenuar a dureza legal, normalmente por pressões dos particulares mais revoltados com a sanha dos fiscais do rés-do-chão. Enquanto a reforma mais ampla não vem, criam-se mecanismos legais de isenções como moratórias ou mesmo anistias.
Os benefícios são variados e variados os campos de aplicação. Quem deixa de pagar tributos, por exemplo, quase sempre é aquinhoado com convincentes descontos ou alongamento do débito a perder de vista. A quem interessa esse drible legal? À voracidade fiscal. A lógica é sempre da arrecadação, embora, aqui e ali, leve-se em conta a importância do inadimplente. Não raras as vezes que o próprio direito penal, última seara de repressão, vira instrumento de cobrança financeira.
As multas eleitorais são outro filão dessa benemerência estatal. As leis eleitorais procuram estabelecer condições mínimas de igualdade entre os candidatos, especialmente restringindo propagandas fora de hora ou abusivas. Não têm jeito. Em todas as eleições, os postulantes aos cargos eletivos infringem tais limitações e sofrem de leves a pesadas multas. Mas para quê? No ano seguinte, aprovam-se normas de anistia. A Justiça Eleitoral vira motivo de chacota.
Veja-se o que sucedeu agora com o Código Floresta. Há, nele, a obrigação de os donos de terra delimitarem e protegerem áreas de reserva legal e as de preservação permanente. Inicialmente, não havia o dever formal de averbação dessas áreas, especialmente as de reserva legal, uma vez que as APPs estão definidas no próprio Código. Como boa política, a obrigação foi criada e o governo federal resolveu engrossar a voz.
Os proprietários teriam até final de 2008 para fazer as devidas averbações e recuperar aquelas áreas que se encontrassem degradadas, sob pena de multa. Esse prazo acabou sendo prorrogado por mais um ano e, nesta semana, por outros três anos com o benefício de suspensão das multas aplicadas aos que concordarem com as normas do Programa Mais Ambiente (PMA), criado pelo decreto que o instituiu (Decreto 7.029/2009).
Não precisa grande esforço para descobrir quem são os interessados dessa benesse ambiental em plena COP15. Os sinais de que as regras sobre a reserva legal serão alteradas são nítidos. E o governo já havia acenado antes que deverá abrandar as exigências do Código Florestal, de modo que o próprio PMA lançado com o decreto vira conto de ninar (os grandes desmatadores).
O pior dessa flexibilidade legal não é nem o achaque à política ecológica nem à Justiça Eleitoral ou ao direito penal, mas à difusão da ideia de que, no Brasil, ganha-se mais em descumprir do que em cumprir a lei. Noutra versão: bobo quem a respeita.Por isso que o pessoal da cobertura vive em festas. No rés-do-chão, fica-se com as sobras. E alguns ainda acham bom.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Meu reino por um cavalo

Depois de “Ser ou não ser: eis a questão” a sentença acima talvez seja a mais popular de Shakespeare, entre as dezenas que ele criou e que são repetidas pelas pessoas todos os dias em todo o mundo. Foi tão utilizada nesses quatro séculos que usá-la aqui é quase um lugar comum. Mas, os fatos atuais me obrigam a resgatá-la.
Foi pronunciada pelo déspota Ricardo III na batalha de Bosworth, que pôs fim a Guerra das Rosas na Inglaterra do século XV. Sem montaria, tendo que combater no chão, Ricardo brada desesperadamente: “um cavalo, meu reino por um cavalo”. Covarde, sabe que somente a força e a velocidade de um cavalo poderiam tirá-lo daquela situação.
Ninguém sabe se Ricardo III pronunciou essas palavras, mas foi assim que Shakespeare quis que fosse e seu Teatro e sua imaginação têm a capacidade de ultrapassar a própria realidade. A história da humanidade é a história das guerras e as guerras foram feitas em cima de cavalos.
Até a chegada do automóvel no final do século XIX – bem como a locomotiva no início desse século – o cavalo foi o principal meio de transporte do homem e também a maior arma dos criadores de impérios. Desde Alexandre, o Grande, no século IV A.C, com seu Bucéfalo, até Napoleão Bonaparte e seu célebre garanhão branco, o cavalo foi o grande responsável por muitas conquistas.
Sabe-se que a invenção do estribo foi muito importante para as vitórias de Alexandre. Os povos nômades, também chamados de povos montados, os hunos de Átila, no século VI, e os mongóis de Gengis Khan, no século XIII, formaram seus grandes impérios em cima de cavalos. Os hunos eram tão ligados aos cavalos, que dormiam em cima deles, formando quase um único ser, tal a ligação que existia entre homem e animal.
Mesmo o exército de Hitler nos anos quarenta, com seus tanques, Mercedes, trens e motocicletas transportaram a grande maioria de seus víveres, canhões e outros apetrechos em carroças puxadas por cavalos. Só após a Segunda Grande Guerra é que o cavalo deixa de ser utilizado pelo exército nas guerras. Mesmo assim, a cavalaria ainda existe nos exércitos de todo o mundo.
E sempre foi considerada pelos militares uma das mais nobres divisões do exército. Depois do cachorro e do gato o cavalo é o mais amado dos animais. Lembrei dos cavalos, porque vi esta semana no eixo monumental de Brasília, em frente ao Palácio da Justiça, a cavalaria da polícia da Cidade. Belíssimos animais, mestiços da raça Manga Larga com Quarto de Milha.
Esses animais foram utilizados de uma maneira vil e truculenta para amedrontar e pisotear estudantes e ativistas durante uma manifestação pacífica. Cavalos chegam a pesar quase meia tonelada, um coice deles pode matar facilmente um homem e a força de seus cascos esfacela ossos e músculos. Um cavalo montado por um néscio é uma arma muito poderosa.
O Estado deve repensar o uso da cavalaria da polícia para reprimir manifestações, ainda que, nessa operação, os cavalos fossem mais pacíficos do que os policiais. O que se viu em Brasília quarta-feira foi um ato brutal de intimidação contra pessoas indefesas e desarmadas. Havia ali mais cavalos do que os usados por Hernan Cortez na conquista do México e a polícia se comportou como as hordas montadas de Gengis Khan.
Se José Roberto Arruda, o mentiroso confesso, espera segurar-se no governo com essa tática boçal de violência, se enganou. Esse talvez tenha sido o seu grito de Ricardo III às avessas. Ricardo perdeu o trono Inglaterra e a vida por falta de um cavalo, Arruda vai perder o seu por excesso deles.
Postado por Theófilo Silva, Presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Panetones da corrupção

Tomara que o brasileiro não se acostume de vez com os atos de corrupção da política como se fossem algo dado pela natureza. Corruptos não nascem em árvores ou brotam do chão bruto, por mais que se aproximem na quantidade e disposição. Corruptos são basicamente produtos da cultura.
Não desconheço que cada um de nós carrega dentro de si tendências para o desatino ao lado de inspirações para o bem. Ou que corruptos houve em toda a história nossa e alheia. Mas a ética tentou, ao longo do tempo, domesticar esses desvios. Claro que a ética, ela mesma, foi contagiada pela ambivalência humana, mas, seriamente, sempre buscou aprimorar os padrões de comportamento e, mais importante, tentou estimular uma consciência moral mais brilhante do que o céu estrelado como dizia um ranzinza de Könisberg.
A ética das virtudes dos antigos ou a ética formalista da modernidade, a ética empirista ou a ética discursiva, todas tinham essa empreitada. E criam e creem que somos capazes de nos tornar melhores com a descoberta de que sem ética o mundo vira um monturo de carcaças, uma carnificina espalhada pela terra, uma terra de ninguém. Ou, pior, uma terra dos mais espertos ou dos mais inescrupulosos.
Há povos que se detêm sobre o projeto de emancipação do ser humano de modo muito mais intenso e, por isso mesmo, exitoso de que outros. Para eles, a esfera pública não é território sem dono ou lei nem a política é apenas o espaço de profissionais de sua apropriação. Povos em que a corrupção, mesmo com a invasão da lógica do mercado na concorrência eleitoral, tornou-se exceção. Existe, mas está ali apenas para não permitir que se relaxe o aprendizado do bem comum e da república, não como valores da vida pública apenas, mas ingredientes do dia-a-dia de cada um.
Não é, por acaso, que muitos regimes políticos que romperam com a ordem existente, sob justificativa de extermínio da corrupção e dos corruptos, revelaram-se tão ou mais corruptos do que os que derrubaram. Talvez pela hipocrisia de seus argumentos. Talvez e mais provavelmente pelo vício de origem: não se combate a corrupção sendo igualmente corrupto.
Fiquemos precavidos de outras confusões supostamente salvadoras.
Para começar, corrupção é bem mais que dar ou receber vantagem indevida em virtude do cargo. Por isso mesmo, Robespierres não são suficientes, mesmo que imbuídos de nobres propósitos. O medo inibe, mas não corrige tampouco, por si, educa. Além do mais, o ambiente o devorará feito leão faminto a suas presas mais apetitosas. Será uma questão de tempo.
Nem bastam leis. A Constituição brasileira faz referência à defesa da probidade ou da moral ou do decoro públicos, pelo menos, em quinze diferentes passagens. Mas a Caixa de Pandora sempre dá o ar das suas desgraças com panetones milionários. Em âmbito nacional, distrital, estadual ou municipal, com o perdão dos ecos de cão. Dinheiro no bolso, na cueca, na meia, em Cayman, nas Bahamas, na Suíça, fraudes em licitação, em concursos públicos, caixas dois eleitorais, mensalões, mensalinhos, mensalinas.
Pequeno, acreditava que vivia num país promissor. Vejo hoje, não tão grande, mas razoavelmente experiente, que este é um país de resistência e de riqueza. Com toda roubalheira acumulada na história ainda aparece nos estudos como aquele país promissor de minha infância.
As leis brasileiras trazem em si, é verdade, um componente de ineficácia. Não falo das famosas brechas que deixam às vistas das taras capitalistas (bando de despudoradas jurídicas!), mas dos déficits instrumentais dos mecanismos de controle (desprepara técnico, falta de suporte logístico, desarticulações institucionais, para ficar em alguns), aliados a um sistema de justiça que reproduz a exclusão social, de modo que, para os mais afortunados, oferece os prazeres dos direitos fundamentais e, para os deserdados, as faces perversas do direito penal.
Então vamos mudar esse quadro. Escuto o presidente da República falar da Ucrânia. Devemos fazer uma constituinte com temas específicos: voto em lista, financiamento público de campanhas, agravamento das penas aos aloprados da corrupção. Tudo, de novo, outra vez, ecos de ecos: a retórica do direito sendo usada para um conto de fadas moribundo.
Os caciques dos partidos mandarão mais do que nunca e os caixas dois sobreviverão incólumes. Assim como a corrupção sangrará o país promissor. Há mudanças institucionais que podem e devem ser feitas. O aperfeiçoamento das instâncias de controle e a democratização do sistema de justiça, para ser enfático, espero que não enfadonho, são exemplos bem mais promissores para o nosso país promissor.
E, claro, uma mudança de cultura privada. É notória entre nós a falta do autointeresse responsável ou, como dizia Tocqueville, do interesse bem compreendido. O mundo corporativo está repleto de espaços de corrupção privada (entre agentes privados, os departamentos de compras e os financeiros, por exemplo) ou pública (como corruptores dos agentes públicos). Essa face quase sempre invisível nos debates sobre ética pública precisa ser revelada e corrigida. São antes ingredientes de difusão da lógica das facilidades e de soberania da perversão e da anomia, da redução dos valores humanos, inclusive a dignidade, a meros cifrões.
Precisamos também abandonar práticas rotineiras de corrupções menores, filhas do mesmo erro. Pequenos gestos de nosso cotidiano como fechar cruzamento, furar filas ou subornar o guarda de trânsito revelam que se estivéssemos em Brasília faríamos igual. Ou pior.

Foro privilegiado e impunidade

A prerrogativa de foro para autoridades públicas visa a preservar a independência no exercício da função pública. Entretanto, não são raros os casos de prescrição da pretensão punitiva ou das sanções administrativas e políticas em processos tramitando nos tribunais. Um efeito colateral perverso.
De acordo com estatísticas publicadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros, apenas 40% dessas ações tramitando no Superior Tribunal de Justiça foram julgados com 1% de condenações. No Supremo Tribunal Federal, o julgamento chega a 45,8%, mas o percentual de condenação é ainda mais preocupante: zero

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Os Discípulos de São Durval

Em virtude do que está ocorrendo em Brasília no presente momento, gostaria de citar um trecho do meu livro, A Paixão Segundo Shakespeare - lançamento dia 12 deste mês - contido no ensaio, A Justiça. Parece coincidência ou até mesmo premonição o que está escrito lá, mas não é nada disso.
Qualquer um com um pouco de inteligência que circula bem no Distrito Federal sabe o que está se passando na cidade. O número de pessoas falando de suas viagens e ostentando um padrão de vida que vai muito além de seus salários – Brasília é uma cidade de funcionários - é de dar na vista.
... Observo com muita clareza, mentes jovens criminosas 'brilhantes' - na casa dos 30 anos - construindo uma carreira... moldada no assalto aos cofres públicos por meio da proteção de governantes corruptos, que os contratam como testa de ferro. Normalmente eles começam a carreira como secretários de estado, diretores de estatais, presidentes de ONG’s, etc. Esses criminosos 'brilhantes' acabam ultrapassando seus criadores, e passam eles mesmos a serem agentes da ação. Uma boa parte deles entra na política, e conquista um mandato popular, ou seja, a certeza absoluta da impunidade. No máximo em dez anos, ali na entrada dos quarenta anos já ostentam patrimônios milionários e passam a rir da cara da sociedade, com suas BMWs, mansões, ternos Armani etc. A quantidade de processos que cada um tem contra si dá um livro. A punição máxima que auferem depois de flagrados é ter alguns bens bloqueados e a conta salgadíssima do advogado, nada mais. O grosso do dinheiro é enterrado em latas ou enviado para fora do país. Se alguém me pedir uma lista desses sujeitos residentes em Brasília, cidade que conheço bem, posso dar algo em torno de cem nomes. Mas não tenho nenhuma prova. E nem é obrigação minha tê-lo”.
Apresento esse trecho, porque o filme mais visto no Brasil hoje é uma coleção de vídeos de homens públicos de Brasília recebendo pacotes de dinheiro oriundos não se sabe de onde. Aliás, a Polícia Federal sabe. E agora a sociedade também. Também não preciso dar mais apontar nomes, porque vários deles se entregaram sem querer.
Essas pessoas, diz o camareiro da peça Henrique IV: “...estão continuamente preocupados, rezando ao próprio patrono: a riqueza pública, ou melhor dizendo, não estão rezando para ela, pois que a devoram... E o disfarçado, Gadshill completa: “Nós roubamos como em nossa casa, com perfeita segurança... andamos invisíveis”. E não é que rezaram mesmo!
Até isso Shakespeare sabia. A cena em que dois parlamentares aparecem abraçados com “São” Durval, agradecendo a Deus pelo dinheiro ilícito, é uma confirmação dessa sábia sentença do Bardo. Talvez seja a cena mais cínica e anticristã que o Brasil já assistiu.
O correto era “orar” para alguma Entidade satânica, já que a propina é considerada crime em todas as sociedades. E o “andamos invisíveis”? Não deu certo, já que hoje existem câmeras de vídeo, e tão pequenas que mal conseguimos vê-las. Eis o problema, não dá mais para ficar invisível.
E imagens podem ser, nesse tipo de situação, muito mais forte do que palavras. Sobre a resposta da Justiça brasileira para esses crimes já externei minha visão lá em cima, não esperemos condenação de ninguém, pois somos o país da impunidade. Esses homens públicos agem assim por que sabem que não serão punidos.
No entanto, existe um poder chamado sociedade civil, opinião pública, que sabe punir. Se ela sair às ruas e agir, como já está agindo, a justiça será feita. Eu disse num artigo anterior: chegou à hora dos bons!
Postado por Theófilo Silva, presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Reportagens revoltantes: Pandora vazou e houve tentativa de cooptar o STJ e STF

Segundo Leandro Mazzini, do Jornal do Brasil, José Roberto Arruda, o governador do Distrito Federal, tentou impedir a operação da Polícia Federal Caixa de Pandora, que tornou público o esquema do mensalão distrital.
Arruda ligou para o ministro Fernando Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na quinta-feira, para saber da investigação e pedir tempo para provar inocência. Segundo consta, o ministro não deu muitas esperanças ao governador. Arruda, então, tentou a intermediação do amigo Aécio Neves, governador de Minas, que também entrou no circuito em solidariedade. Em vão.
Consta que o ministro Fernando Gonçalves teria entrado em contado com a cúpula da Polícia Federal, comunicando o fato. No dia seguinte, os policiais precipitaram a operação de busca e apreensão, com temor de desaparecimento de provas. A investigação havia sido vazada.
Coincidentemente, a cúpula do Democratas, partido de Arruda, teria promovido na noite de segunda-feira um jantar com quatro ministros do Supremo Tribunal Federal na casa de um senador.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O suicídio assistido e a vida digna

O Conselho Federal da Suíça iniciou uma consulta que deverá se alongar até março de 2010 sobre duas propostas de combate ao chamado, pelo governo e organizações pró-vida, "turismo do suicídio".
Segundo informações divulgadas por essas organizações, só em 2007 ocorreram 1.360 suicídios naquele país, 400 deles com assistência. Da Grã-Bretanha vieram, pelo menos, cento e noventa pessoas em 2008, embora a Alemanha continue sendo o país com maior número de gente que procura pelas clínicas suíças.
A Suíça condena a eutanásia, quer dizer, a abreviação, sem dor, da vida de doente incurável, mas admite o suicídio assistido: o auxílio para que uma pessoa ponha termo à própria vida, com apoio em laudo médico da doença e do estado de consciência do paciente.
A primeira proposta governamental propõe o fim da prática admitida por lá."O suicídio é o último recurso do ser humano. O Conselho Federal crê na importância crucial de proteger a vida humana", justifica, em comunicado, o Ministério da Justiça.
A segunda proposta, em lugar de proibir a prática, restringe-a, por exemplo, a pacientes terminais que, em gozo de suas faculdades mentais, tiverem feito a opção por uma "morte com dignidade". Ficariam de fora os doentes crônicos, clientela grande do expediente final.
Além do mais, seriam necessários dois atestados médicos fornecidos por profissionais sem vínculos com as clínicas de suicídio, um declarando o gozo das faculdades mentais; outro, da condição terminal do paciente.
Em terceiro lugar, proibir-se-iam os lucros com o que chamam de "indústria da morte". Nenhuma clínica poderá cobrar nada além dos gastos com o tratamento. Para os organismos que defendem a "morte digna", tais medidas trocarão o fim assistido pela tragédia do suicídio solitário "em pontes, estradas e trilhos".
A clínica Dignitas, uma das que mais promovem a assistência ao suicídio, defende a convocação de um referendo sobre o tema. Acredita que a população é contra as duas propostas governamentais.
O assunto inflama as opiniões em qualquer lugar. Na maioria dos países, eutanásia ou suicídio assistido são crimes. A Corte Européia de Direitos do Homem chegou a afirmar em 2002, no caso Diane Pretty c. U.K., que não haveria, no direito europeu, um "direito à morte", mas, ao contrário, um direito à vida, consagrado pelo artigo 2o da Convenção Européia de Direitos do Homem. As exceções ainda são raras, mas bem sólidas.
O modelo suíço, por exemplo, é previsto também na Holanda. Na Bélgica, como no Distrito norteámericano de Colúmbia e em Luxemburgo, há a legalização tanto da eutanásia, quanto do suicídio assistido. Mesmo que a legislação não permita, algumas decisões judiciais recentes autorizaram, direta ou indiretamente, a prática. Nos Estados Unidos, o caso Terri Schiavo é o mais lembrado.
Na Itália, semelhantemente ao que se deu nos EUA, a Corte de Cassação autorizou a não alimentação de Eluana Englaro como forma de ajudá-la a morrer, depois de um coma de dezessete anos.
Seria possível, do ponto de vista constitucional, a adoção da medida no Brasil? A tese é problemática, mas sem fugir da pergunta: sim, é possível. Poderíamos, para justificar, recorrer ao direito à vida que, não é só ou qualquer vida, mas a digna de ser vivida.
Essa não é uma definição externa ou de Estado, como fora adotada pelos nazistas, por exemplo, mas um julgamento individual ou familiar que, com alguns cuidados, deve ser respeitado pela sociedade.
O tema já chamava a atenção dos parlamentares brasileiros antes da Constituição de 1988. O PL-732/1983, de iniciativa do deputado Inocêncio de Oliveira, permitia ao médico assistente o desligamento dos aparelhos de um paciente em estado de coma terminal ou a omissão de um medicamento que fosse prolongar inutilmente uma vida vegetativa, sem possibilidade de recuperar condições de vida sofrivel, em comum acordo com os familiares. Sem apoio, o projeto foi arquivado no mesmo ano de sua proposição.
Depois de outubro de 1988, a tendência especialmente dos deputados é não só manter a proibição como pesar a mão punitiva do Estado sobre a conduta. Exceção se faça ao parlamentar paulista Gilvam Borges e ao seu colega fluminense Hugo Leal. Gilvam não apenas formulou o PL-1989/1991, dispondo sobre a prática, que foi, todavia, arquivado dois anos depois de sua apresentação, como ainda propôs um plebiscito sobre a matéria (PDC-244/1993), igualmente frustado.
A proposta de Leal continua a tramitar na Câmara. De acordo com ela, haverá a liberação da ortotanásia, abreviação da morte de um paciente, por meio do desligamento de aparelhos ou cessação de procedimentos que o mantenham vivo artificialmente. É de se lembrar que a ortonásia havia sido liberada pelo Conselho Federal de Medicina em 2006, cuja resolução foi, em seguida, suspensa pela Justiça Federal.
No Senado Federal, há o PL n. 125/96, que estabelece critérios para a legalização da "morte sem dor". De acordo com a proposição, pessoas com sofrimento físico ou psíquico ou seus familiares, em caso de impossibilidade de expressar a vontade, poderão solicitar autorização judicial para que sejam realizados procedimentos que visem a abreviar a própria morte. O pedido deverá ser embasado em laudos firmados por uma junta médica, composta por 5 membros, sendo dois especialistas no problema do solicitante.
Diversos projetos, entretanto, tendem a incluir expressamente a eutanásia, juntamente com o aborto provocado, como crime hediondo (PL-3207/2008, PL-2283/2007, PL-5058/2005). Lúgrube ou sombrio, esse é um tema que, mais cedo ou mais tarde, o país terá de resolver.
Não é preciso pressa qualquer que seja a orientação, mas é necessário que todas as vozes se façam ouvidas. Audiências públicas, como a realizada em 10 de setembro passado, na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, devem ser repetidas. A sociedade, inclusive as escolas de ensino superior, deve estimular e promover o debate plural sobre a questão.