"Estejam calmos, então, tenham firmeza." (Sócrates)
Curioso esse mundo. A imaginar que a crise atual foi decorrência do credo e práticas da direita, era de se esperar que a esquerda saísse triunfante nas urnas mundo afora. Obama, noves fora as contradições norte-americanas, bem que ensaiou a peça, mas, na Europa, foram os céticos que a encenaram. A América Latina parece girar ainda no eixo cesarista de propósitos nebulosos. O Oriente, distante ou próximo, como o Irã de Mahmoud Ahmadinejad, não foge de sua sina ou tradição, se bem que não há muito sentido de se falar em dextrofobia ou levofilia por lá, Japão, Israel e Índia, em parte, à parte. Ao velho mundo do Ocidente voltemos, então.
Na geografia partidária, as forças de centro-direita, reunidas pelo Partido Popular Europeu (PPE), conquistaram 263 das 736 cadeiras do Parlamento Europeu nas eleições deste junho bolorento de 2009. É certo que os partidos governistas em boa parte dos países eram de esquerda e acabaram por pagar o pato dos desatinos da economia, herdados, em grande escala, dos seus agora vencedores. Assim ocorreu na Áustria, na Eslovênia, na Hungria, na Irlanda, na Espanha e em Portugal.
A mesma tendência revanchista não se deu nos lugares com governos de centro-direita, todavia. A exceção, tinha que haver, ficou na conta de Estados ainda sem densidade eleitoral ou política, como a Grécia, onde os socialistas do Pasok ganharam dos conservadores da Nova Democracia do primeiro-ministro Costas Caramanlis, e a Letônia, com a derrota estrondosa do partido centro-direitista do primeiro ministro Valdis Dombrovskis, Nova Era (JL: Jaunais laiks), para a não menos centrista União Cívica (PS : Pilsoniska Savieniba), que integra, como uma espécie de PMDB local, a coalizão governante.
A União por um Movimento Popular do presidente francês, Nicolas Sarkozy, derrotou o Partido Socialista nas terras da bela Camille. Na Alemanha, a aliança formada pela União Democrata Cristã (CDU) e pela União Social Cristã (CSU), da chanceler Angela Merkel, venceu com sobras o Partido Social-Democrata (SPD). Na Itália, o partido Povo da Liberdade (PDL), do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, saiu com o triunfo com três pontos mais do que obtivera nas eleições europeias de 2004, enquanto viu definhar em cinco a esquerda do Partido Democrata (PD). Não foi diferente com o Plataforma Cívica, PO, que governa a Polônia, com a agravante de que o segundo lugar foi obtido por outro partido conservador, o Direito e Justiça. Situação parecida se deu na Holanda, onde o partido cristão CDA, do primeiro-ministro Jan Peter Balkenende, venceu o pleito, e, na Bélgica, com a derrota dos socialistas valões e liberais flamengos para os democratas cristãos do CDV.
Em contrapartida, partidos ultradireitistas perderam espaço, embora não a pose. Na Holanda, o direitista Partido para a Liberdade, PVV, ficou nos calcanhares dos democratas cristãos. Assim também, o Partido Liberal Austríaco (FPÖ), que fez a campanha centrada em mensagens antissemitas e contra o islamismo, mais que dobrou sua expressão eleitoral. Os resultados das urnas alemãs certamente levarão a coalizão governante mais para a direita com a provável aliança entre o CDU/CSU com os liberais. A Liga Norte, aliada de Berlusconi no Governo, se tornou o terceiro partido mais votado na Itália e deverá cobrar a fatura. Nem tudo são cinzas, entretanto. Os Verdes foram a novidade boa dessas eleições, crescendo em quase todos os cantos. O Europe Ecologie francês cravou 16% das preferências, enquanto o Ecolo belga dobrou sua representação parlamentar. Na Grécia, onde eles eram quase nulos cinco anos atrás, conseguiram abocanhar cerca de 5% dos votos. Um pouco muito.
Em Portugal, a derrota do Partido Socialista, liderado pelo primeiro ministro José Sócrates, se deu para o Partido Social Democrata, contando com o Bloco de Esquerda (BE), integrado por antigos partidos e movimentos marxistas, trotskistas, feministas e ambientalistas, como terceira força política. Sem deixar de referir ao crescimento da Coligação Democrática Unitária, integrada pelo Partido Comunista e pelos Verdes (PEV), a quase empatar com o BE e à frente do Partido Popular (CDS/PP), da direita conservadora.
Tudo acima tem a certeza das apurações matemáticas. Mas será que a esquerda é esquerda mesmo e a direita, direita de tudo? Haverá ainda esquerda e direita, fora na orientação espacial do homem? Pois, não. Virou moda dizer que na política como na vida só existe ambilevidade. Esquerda, do tipo usado há pouco, é mero rótulo do tempo dos revolucionários franceses (antirrealistas e anticlericais, liberais, republicanos, burgueses) e russos (marxistas-leninistas e stalinistas) que deixou de legado apenas o autoritarismo na política, a burocracia no Estado e a pobreza na sociedade. Os versos da igualdade entre os seres humanos, do reino da justiça social e da fraternidade, escritos por todos como projetos de vida em comum, seriam sopas de letras temperadas com as cores da ilusão, cega ou mal intencionada.
Esquerda é conteúdo ou forma, no entanto? Simples forma, será o oposto do statu quo: o retrato da insatisfação com a ordem institucionalizada, seja de que matiz for. Se for conteúdo, terá guias como aqueles versos, rimados com a tolerância, mudança e insubmissão. E terá idade. Há a velha esquerda, dedicada à tomada de poder, de modo democrático ou revolucionário, que vê ainda a raiz de todas as mazelas humanas nas relações e modos de produção capitalista, sintonizando-se com a politização radical dos movimentos sindicais para mudança da opressão econômica.
A nova esquerda não descarta as críticas à antiética capitalista, mas acredita que a emancipação social necessita de uma profunda transformação nos processos de interação humana, de modo a descobrir e superar as fontes sociais de opressão, não só a laborativa. Buscam-se, por isso, o ativismo e a mobilização sociais como instrumentos de construção de um futuro sem o contágio do exagerado otimismo, da velha esquerda e da direita, com o progresso tão racional quanto emotivo.
A esquerda nova tem impressões na política, na sociedade e na cultura de um modo muito mais profundo e difuso do que a outra. Inscrevem-se na versão 2.0 os movimentos feministas, homoafetivos, multirraciais, dos biodireitos, da democracia digital e da mundialização minimamente justa, quando não controlada, entre tantas tendências que surgem à criatividade da vida presente. Como a direita, acredita nos potenciais transformadores da própria sociedade, embora contra ela, não reduza tudo a trocas econômicas, nem seja tão refratária ao Estado.
Os eleitores sabem disso? Nem tanto. Os próprios atores políticos não se mostram de acordo, tampouco. Diante da complexidade de nossos dias, há pessoas supostamente de nova esquerda que são contrárias a algumas de suas manifestações. São contra o aborto, por exemplo. Outros, com um pé na velhice ideológica, acreditam que a pulverização da esquerda faz o jogo da direita.
Podem, por tudo isso, ser chamados de nova esquerda? O embaçamento do para-brisa político é ainda maior com a busca paternal da direita à proteção do Estado contra a má educação do filho mercado na crise recente.
Sócrates, o grego e não o português, o avesso ao banho e não o militante socialista, poderá ter sido derrotado pela própria filosofia, ao achar que a submissão à injusta pena de envenenamento condenaria seus juízes à morte filosófica: a verdade do gesto e da fala ensinaria às futuras gerações. Na política, até agora, suas intenções foram vãs. Continuamos tão desconcertados como Ânito, Lícon e Meleto, os promotores do caso. E, às vezes, tão mal intencionados quanto.
É difícil ser calmo, é difícil ser firme numa tempestade dessa, tão curiosa e tão confusa.
Um comentário:
Causou frenesi a conversa de Chico Buarque na Feira literária de Paraty. Eu não entendo por quê?
Escritor ele não é! Seus livros são absolutamente medíocres. Ele é um compositor datado. Suas músicas de filho da USP - maior centro de poder do país, que fez os dois último presidentes da república - só tocaram até 1983, no fim da ditadura militar. Ele pode ser chamado de, o cantor crítico da ditadura. Fora do Brasil, só é conhecido no império francês - somos colônia cultural da França, mãe da USP - o resto do mundo não o conhece. Chico Buarque é produto cultural dos marxistas que combateram a ditadura. Se Caetano fosse paulista, teria um status de Deus no Brasil, mesmo que ele seja tratado como merece, como um príncipe. Essa figura, Chico que foi chamada no passado de, unanimidade nacional,vale só dez por cento do que dizem dele. E se ele fosse nordestino... estaria no ostracismo. Belchior é melhor do que ele, muito melhor...mas é cearense!
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