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No Senado, houve uma alteração no tempo verbal de um enunciado que poderá trazer graves consequências. O impedimento de elegibilidade se aplicava aos candidatos que tivessem condenação. Emenda introduzida pelo senador Francisco Dornelles, sob argumento de tornar o texto mais coerente, substituiu "que tenham sido condenados" por candidatos "que forem condenados".
Segundo o presidente da CCJ do Senado e relator do projeto, Demóstenes Torres, “Tínhamos, quando o texto chegou [da Câmara], nove disposições das quais quatro tinham a expressão ´os que forem´ e quatro com a expressão ´os que tenham sido´ – além de uma que não continha nenhuma das duas expressões. Ora, a lei não pode ser aprovada desta forma porque vai dar a impressão, ao julgador, que num caso só se abarcam os casos do futuro, em outros casos só abarcará o passado”. Como o Senado entendeu que a emenda não alterara o sentido da Lei, enviou-a para sanção presidencial.
Disse que eram mudanças promissoras. Repito com exemplos. Antes, apenas os condenados por crimes contra economia popular, mercado financeiro, administração pública, fé pública, patrimônio público, tráfico de entorpecentes e crimes eleitorais, com sentença transitada em julgado (sem possibilidade de recurso) ficavam inelegíveis. Agora, basta a condenação determinada por órgão jurisdicional colegiado pelos mesmos crimes e mais: por abuso de autoridade, lavagem ou ocultação de bens, racismo, tortura, terrorismo, crimes hediondos, trabalho escravo, crimes contra a vida, abuso sexual, formação de quadrilha ou bando, ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.
Antes, quem detinha cargo público na administração pública direta ou indireta e fosse condenado por abuso de poder econômico ou político ficava inelegível por três anos. Era comum que as decisões da Justiça fossem tomadas apenas no final do mandato de quatro anos. Na eleição seguinte, o político podia se reeleger sem problemas. Agora, não, eles ficam inelegíveis por oito anos, dificultando o drible à Lei. Antes, o político ameaçado de ser processado que renunciasse para não ter o mandato cassado podia candidatar-se na eleição seguinte.
Agora, o presidente da República, os governadores, os prefeitos, os deputados federais e estaduais, os senadores e os vereadores que renunciarem para não perder o mandato ficarão inelegíveis nos oito anos subsequentes. As limitações não se impõem apenas aos políticos de carteirinha. Com a LFL, o profissional que for excluído da profissão por infração ética fica inelegível. Servidores públicos ou agentes políticos que tenham perdido o cargo por processo disciplinar após processo administrativo ou judicial também.
São, pelo menos, três os problemas que a interpretação da norma lança: a) suas disposições valerão para as eleições de 2010? Sim. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não considera "processo eleitoral", sujeitas à anualidade do artigo constitucional 16, regras sobre registro de candidaturas. A resposta a uma consulta no último dia 10 (de junho) confirmou esse entendimento; b) A mudança do Senado exigia volta do texto à Câmara? Embora tenha, aparentemente, afetado os destinatários da norma, especialmente os condenados em segunda instância, a alteração foi meramente gramatical, sem afetar substancialmente a disciplina legal. Não precisaria mesmo retornar à Câmara; c) Apenas os que forem condenados a partir da publicação (ou da sanção, para alguns) da lei ficarão proibidos de candidatar-se? Não.
A mudança redacional não pode ser desligada da finalidade normativa e do texto em sua sistematicidade constitucional. Não há violação a situações consolidadas ou retroatividade constitucionalmente vedada. A própria Constituição já determinava que fossem criadas hipóteses de inelegibilidade com base na vida pregressa do candidato, além de reiteradamente prescrever o dever de lealdade e de probidade administrativa de todo agente público, notadamente o político. A Lei apenas aclarou aquelas hipóteses, atendendo aos reclames constitucionais. Nenhum candidato pode falar em direito adquirido fundado em ato ilícito. Já não podia. Agora, tampouco.
A presunção de inocência no Brasil, outro argumento utilizado para atacar a LFL, tem sido elevada à máxima potência. E quem a discute é tachado de autoritário ou de mentalidade repressiva. Curiosamente, são quase sempre os mesmos que criticam a impunidade que reina no país. Claro que todos são inocentes até prova em contrário. Qualquer regime democrático respeita essa garantia que vem do princípio romano incumbit probatio qui dicit, non qui negat (o ônus da prova incumbe a quem alega e não a quem nega) ou simplesmente affirmanti incumbit probatio. Resta saber quando se inverte a presunção.
Predomina no Brasil o entendimento de que somente o trânsito em julgado é capaz de subvertê-la ou, ao menos, relativizá-la. Talvez seja a interpretação mais literal do art. 5º, LVII, da Constituição, que diz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Uma cópia fiel do art. 27(2) da Constituição italiana. Considerar culpado é o mesmo que sofrer qualquer espécie de efeito negativo decorrente do processo penal, além, claro, do processo.
Em geral, entretanto, a garantia de presunção de inocência assegura que, somente por meio de um devido processo legal, em que seja demonstrada a culpabilidade da pessoa, poderá o Estado aplicar-lhe sanção penal. Não estou a falar da Líbia ou da Coreia do Norte. Refiro-me à maioria dos países europeus, aos Estados Unidos e ao Canadá, todos inspirados no artigo 11 da Declaração Universal de Direitos Humanos. Em muitos casos, basta que haja uma e apenas uma decisão judicial para que a presunção seja abrandada.
Não se trata de prejulgamento ou de antecipação de pena, mas de extração de conseqüências jurídicas da inversão do ônus da prova. Após decisão de um órgão colegiado, no caso brasileiro, quase sempre em segunda instância de julgamento, parece razoável que a presunção seja atenuada. No caso, a máxima efetividade da Constituição em favor da democracia e a lisura do processo político exigem-na.
Ao Tribunal Superior Eleitoral caberá dirimir as dúvidas sobre a correção da LFL em consultas que lhe foram ou forem formuladas. É provável que o assunto acabe na pauta do Supremo Tribunal Federal. Independentemente da resposta judiciária e mesmo de lei, devemos fazer as escolhas dos melhores nomes para conduzir os assuntos públicos para não haver arrependimento depois. Limpa, a ficha deve cair: somos nós os responsáveis pelos nossos destinos e escolhas. É uma questão de consciência.
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