sexta-feira, 4 de junho de 2010

Direitos homoafetivos no STJ

Em decisão unânime, a 4a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu o direito de um casal homossexual adotar um filho. A decisão foi tomada no último dia 27/4, mantendo acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que em 2006 autorizara duas mulheres que viviam em união homoafetiva a serem as responsáveis legais por duas crianças.
O STJ tem sido simpático aos direitos sexuais dos homoafetivos. Já havia se manifestado favorável ao reconhecimento de direitos previdenciários, como mostram os três julgados que seguem.
Direito civil. Previdência privada. Benefícios. Complementação. Pensão post mortem. União entre pessoas do mesmo sexo. Princípios fundamentais. Emprego de analogia para suprir lacuna legislativa. Necessidade de demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização da união estável, com a evidente exceção da diversidade de sexos. Igualdade de condições entre beneficiários.
- Despida de normatividade, a união afetiva constituída entre pessoas de mesmo sexo tem batido às portas do Poder Judiciário ante a necessidade de tutela, circunstância que não pode ser ignorada, seja pelo legislador, seja pelo julgador, que devem estar preparados para atender às demandas surgidas de uma sociedade com estruturas de convívio cada vez mais complexas, a fim de albergar, na esfera de entidade familiar, os mais diversos arranjos vivenciais.
- O Direito não regula sentimentos, mas define as relações com base neles geradas, o que não permite que a própria norma, que veda a discriminação de qualquer ordem, seja revestida de conteúdo discriminatório. O núcleo do sistema jurídico deve, portanto, muito mais garantir liberdades do que impor limitações na esfera pessoal dos seres humanos.
- Enquanto a lei civil permanecer inerte, as novas estruturas de convívio que batem às portas dos Tribunais devem ter sua tutela jurisdicional prestada com base nas leis existentes e nos parâmetros humanitários que norteiam não só o direito constitucional, mas a maioria dos ordenamentos jurídicos existentes no mundo.
Especificamente quanto ao tema em foco, é de ser atribuída normatividade idêntica à da união estável ao relacionamento afetivo entre pessoas do mesmo sexo, com os efeitos jurídicos daí derivados, evitando-se que, por conta do preconceito, sejam suprimidos direitos fundamentais das pessoas envolvidas.
- O manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para alavancar, como entidade familiar, na mais pura acepção da igualdade jurídica, as uniões de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Para ensejar o reconhecimento, como entidades familiares, de referidas uniões patenteadas pela vida social entre parceiros homossexuais, é de rigor a demonstração inequívoca da presença dos elementos essenciais à caracterização da união estável, com a evidente exceção da diversidade de sexos.
- Demonstrada a convivência, entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, haverá, por consequência, o reconhecimento de tal união como entidade familiar, com a respectiva atribuição dos efeitos jurídicos dela advindos.
- A quebra de paradigmas do Direito de Família tem como traço forte a valorização do afeto e das relações surgidas da sua livre manifestação, colocando à margem do sistema a antiga postura meramente patrimonialista ou ainda aquela voltada apenas ao intuito de procriação da entidade familiar. Hoje, muito mais visibilidade alcançam as relações afetivas, sejam entre pessoas de mesmo sexo, sejam entre o homem e a mulher, pela comunhão de vida e de interesses, pela reciprocidade zelosa entre os seus integrantes.
- Deve o juiz, nessa evolução de mentalidade, permanecer atento às manifestações de intolerância ou de repulsa que possam porventura se revelar em face das minorias, cabendo-lhe exercitar raciocínios de ponderação e apaziguamento de possíveis espíritos em conflito.
- A defesa dos direitos em sua plenitude deve assentar em ideais de fraternidade e solidariedade, não podendo o Poder Judiciário esquivar-se de ver e de dizer o novo, assim como já o fez, em tempos idos, quando emprestou normatividade aos relacionamentos entre pessoas não casadas, fazendo surgir, por consequência, o instituto da união estável. A temática ora em julgamento igualmente assenta sua premissa em vínculos lastreados em comprometimento amoroso.
- A inserção das relações de afeto entre pessoas do mesmo sexo no Direito de Família, com o consequente reconhecimento dessas uniões como entidades familiares, deve vir acompanhada da firme observância dos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da autodeterminação, da intimidade, da não-discriminação, da solidariedade e da busca da felicidade, respeitando-se, acima de tudo, o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual.
- Com as diretrizes interpretativas fixadas pelos princípios gerais de direito e por meio do emprego da analogia para suprir a lacuna da lei, legitimada está juridicamente a união de afeto entre pessoas do mesmo sexo, para que sejam colhidos no mundo jurídico os relevantes efeitos de situações consolidadas e há tempos à espera do olhar atento do Poder Judiciário.
- Comprovada a existência de união afetiva entre pessoas do mesmo sexo, é de se reconhecer o direito do companheiro sobrevivente de receber benefícios previdenciários decorrentes do plano de previdência privada no qual o falecido era participante, com os idênticos efeitos operados pela união estável.
- Se por força do art. 16 da Lei n.º 8.213/91, a necessária dependência econômica para a concessão da pensão por morte entre companheiros de união estável é presumida, também o é no caso de companheiros do mesmo sexo, diante do emprego da analogia que se estabeleceu entre essas duas entidades familiares.
- “A proteção social ao companheiro homossexual decorre da subordinação dos planos complementares privados de previdência aos ditames genéricos do plano básico estatal do qual são desdobramento no interior do sistema de seguridade social” de modo que “os normativos internos dos planos de benefícios das entidades de previdência privada podem ampliar, mas não restringir, o rol dos beneficiários a serem designados pelos participantes”.
- O direito social previdenciário, ainda que de caráter privado complementar, deve incidir igualitariamente sobre todos aqueles que se colocam sob o seu manto protetor. Nessa linha de entendimento, aqueles que vivem em uniões de afeto com pessoas do mesmo sexo, seguem enquadrados no rol dos dependentes preferenciais dos segurados, no regime geral, bem como dos participantes, no regime complementar de previdência, em igualdade de condições com todos os demais beneficiários em situações análogas.
- Incontroversa a união nos mesmos moldes em que a estável, o companheiro participante de plano de previdência privada faz jus à pensão por morte, ainda que não esteja expressamente inscrito no instrumento de adesão, isso porque “a previdência privada não perde o seu caráter social pelo só fato de decorrer de avença firmada entre particulares”.
- Mediante ponderada intervenção do Juiz, munido das balizas da integração da norma lacunosa por meio da analogia, considerando-se a previdência privada em sua acepção de coadjuvante da previdência geral e seguindo os princípios que dão forma à Direito Previdenciário como um todo, dentre os quais se destaca o da solidariedade, são considerados beneficiários os companheiros de mesmo sexo de participantes dos planos de previdência, sem preconceitos ou restrições de qualquer ordem, notadamente aquelas amparadas em ausência de disposição legal.
- Registre-se, por fim, que o alcance deste voto abrange unicamente os planos de previdência privada complementar, a cuja competência estão adstritas as Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ.
Recurso especial provido.
3a Turma. REsp 1026981/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 04/02/2010, DJe 23/02/2010.

########################################################### PLANO DE SAÚDE. COMPANHEIRO. "A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica" (REsp nº 238.715, RS, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 02.10.06). Agravo regimental não provido. 3a Turma. Ag-AgRg 971.466/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, julgado em 02/09/2008, DJe 05/11/2008.

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RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA. (...) 3 - A pensão por morte é : "o benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentes do segurado falecido - a chamada família previdenciária - no exercício de sua atividade ou não ( neste caso, desde que mantida a qualidade de segurado), ou, ainda, quando ele já se encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma prestação previdenciária continuada, de caráter substitutivo, destinado a suprir, ou pelo menos, a minimizar a falta daqueles que proviam as necessidades econômicas dos dependentes. " (Rocha, Daniel Machado da, Comentários à lei de benefícios da previdência social/Daniel Machado da Rocha, José Paulo Baltazar Júnior. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2004. p.251). (...) 5 - Diante do § 3º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva. 6- Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico: " Art. 201- Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...] V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2 º. " 7 - Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito. 8 - Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa n. 25 de 07/06/2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento 9 - Recurso Especial não provido. 6a Turma. Esp 395.904/RS, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 13/12/2005, DJ 06/02/2006, p. 365.

Um comentário:

Anônimo disse...

UNIÃO ESTAVEL HOMOAFETIVA ENTIDADE FAMILIAR
Isso é um marco e necessário.A homofobia,se retrata,em questões culturais,e até mesmo de auto-afirmação de pseudos heteros.A respeito da igreja católica;principalmente,dentre outras,evangélicas,etc...o Homossexualismo,é predominante entre os padres, bispos,pastores,seguidores, etc....Pois a maioria exerce a homossexualidade,usando a cortina da igreja,(PESSOA JURÍDICA, COM FINS MAIS QUE LUCRATIVOS), como máscara do próprio ser.É sabido, que a prática disso, é muita.Então, tamanha é a incoerência,da igreja católica,etc...a respeito disto, pois creio que se opõem tanto,justamente,para camuflar o que acontece entre os próprios membros. Falso-moralismo e hipocrísia pura.No Brasil, Parabéns aos magistrados e sensatos,nas suas posturas isentas de preconceitos.Isso,já passsou da hora de mudar,há muito tempo.E pelo visto,essa hipocrísia e falso moralismo,vai acabar de vez! Pois,processos dessa natureza,são muitos e já estão sendo julgados e contemplados satisfatoriamente,nas varas de família,por magistrados sábios,modernos e sem 'rabo preso',com dignidade da isenção de conceitos pessoais.Alem da ADI 4.277 que se refere a União estável homoafetiva como entidade familiar. Já está conclusa pra julgamento desde março de 2010. E será aprovada.Deveres são iguais para todos,os direitos,também tem que ser, idem! Lógico,claro, evidentemente; sem qualquer distinção preconceituosa (PRECONCEITO É OPINIÃO SEM CONHECIMENTO ).Afinal, o pluralismo das entidades familiares são reais e existentes enormemente em todos os lugares.Por entidade familiar se deve entender toda e qualquer espécie de união capaz de servir de acolhedouro das emoções e das afeições dos seres humanos.