sábado, 5 de junho de 2010

JG de Araujo Jorge: A vida, de Repente

De repente
percebemos como era boa aquela vida que levamos
aqueles calmos momentos de impercebida felicidade,
aquelas horas aparentemente vazias e sem prazer
entretanto, cheias de nós, de nossa simples presença,
de uma ternura que enlevava nossos corações
como as velas cheias dos bancos sonolentos
sobre o mar sem ondas...
De repente
gostaríamos que tudo voltasse para que nos apropriássemos
do que foi nosso, e se perdeu,
para que pudéssemos dar valor
a tanto que tivemos, sem saber que era amor...
Agora
que a vida nos atira (sobre que expectativas
sombrias e inevitáveis?)
nos lembramos que já fomos nós, pelo menos no início,
e subitamente nos sentimos numa curva impossível,
à borda de um precipício...

Um comentário:

Balaio da Vivi disse...

Dizem que vivemos o amor em pedaços e experimentamos o encontro amoroso também em pedaços. E, por diversas vezes, voltamos aos nossos pedaços de amor - quando este chega a ser uma experiência que nos marca deixando rastros na nossa memória. O olhar que nos leva de volta aos nossos pedaços de amor, a esses rastros, também se modifica ao longo do tempo. Talvez por isso devemos sempre, de repente, desviar o nosso olhar para as nossas mesmas lembranças - para o que ficou do amor em nossa memória. Ainda que o modo como vivemos o amor se modifique com o tempo, o que cada um chama de amor, o que representa o amor para cada um, permanece. O olhar para trás que nos reserva reencontros com a gente mesma nos nossos pedaços de amor mexe com a gente sim, mas pode trazer sentido à nossa vida - "de repente, de repente, agora." Lembrei da personagem Matilde do último romance do Chico Buarque ("Leite Derramado"). O narrador olha pra trás, passa a sua vida a limpo, toda ela "ao lado" da Matilde. Lembrei também da personagem Hannah de "O leitor". Berg, o narrador, relembra uma cena que o marcou e todas as outras lembranças dele de Hannah, pra ele, diziam daquela cena. É uma bela demonstração de como os homens são marcados pelo amor. Como é bom ver os homens falando do amor -coisa que dizem por aí não ser tão comum. Alguns até dizem que é coisa rara, raríssima. Sei não... Belo poema, a propósito!