A cena final de maior impacto do teatro mundial é a do velho Rei Lear entrando no palco com Cordélia morta nos braços. Samuel Johnson, o maior ensaísta em língua inglesa, não perdoava Shakespeare por essa morte. Shakespeare matava seus personagens para que eles vivessem eternamente na mente de todos nós!
Em artigo na Folha intitulado Complexo de Lear, a senadora e ex-ministra do meio ambiente Marina Silva comparou-se a Cordélia, personagem da peça Rei Lear, a tragédia mais complexa de Shakespeare. O enredo parece simples. Não é.
Já octogenário, o Rei Lear, da Bretanha, pretendendo descansar, resolve dividir o reino entre as três filhas, em partes iguais. Na hora de fazê-lo, e na presença de todos, pede a cada uma que lhe faça uma declaração de amor. As mais velhas, Goneril e Rejane, se derramam em elogios ao velho rei.
Enquanto isso, Cordélia a mais jovem, mantém-se calada repetindo pra si mesma: “Ah! Que fará Cordélia? Amar e calar”. E é isso que ela faz mesmo! Nada consegue dizer! O velho Lear, irritado com a negativa, diz para ela que: “do nada não vem nada”! Pede a ela que corrija suas palavras! Cordélia se recusa e nada faz.
Pronto, a tragédia se desenha! Lear deserda Cordélia e a amaldiçoa! O rei da França se impressiona com ela e a escolhe como esposa. Daí pra frente Lear sofre o desprezo e o abandono de Goneril e Rejane e enlouquece. Sabendo do sofrimento do pai, Cordélia volta da França, faz as pazes com ele e o acolhe.
Mas aí as brigas pelo poder já estão instaladas, começa uma guerra e Cordélia é presa e assassinada a mando do amante de suas irmãs! Lear, que deveria ser morto junto com ela, mata a golpes de espada o assassino de Cordélia e morre desesperado de dor agarrado ao corpo inerte da filha. Essa é a história.
Marina Silva se declara rejeitada por Lula, seu pai político e protetor, e o acusa de “complexo de Lear” ameaçando abandoná-lo, segundo ela diz em seu artigo, por ele “se recusar a ser o que foi um dia”. Ela deve ter suas razões pra agir assim! Sabemos que quem dá início à tragédia é Lear, mas quem a precipita é Cordélia, que poderia evitá-la com um simples toque, era só corrigir sua declaração.
Ela ama o pai! Sabe que suas irmãs são ambiciosas e perversas. Poderia ter evitado a desgraça. Mas não o fez! Por quê? Cordélia diz: “o que pretendo fazer executo antes de dizer”. Marina se sente uma filha rejeitada, só que Shakespeare nos ensina que em questões de Estado, embora a paixão prevaleça algumas vezes, o governante não pode se dobrar a ela.
Seu dever é proteger os cidadãos e procurar o melhor para eles, não havendo espaço em seu coração para escolhas que não sejam a seus olhos o melhor para seu povo. Falta a Marina essa compreensão. Lula pode até amá-la, mas não pode subordinar questões de Estado a esse amor!
Quando Cordélia se recusou a declarar seu amor pelo pai, o contrário do que faz Marina, ela ajudou a destruir a ordem do reino. Marina pode se queixar de rejeição, mas sua declaração de amor é confusa.
E é o futuro marido de Cordélia, o rei da França, que afirma: “Amor não é amor quando a ele se misturam preocupações estranhas ao seu puro objetivo”. É isso que nos parece!
Postado por Theófilo Silva, presidente da Sociedade Shakespeare de Brasília e colaborador da Rádio do Moreno.
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