sábado, 29 de agosto de 2009

Dica. Justice Kennedy: O juiz supermédio

A mais nova e badalada juíza da Suprema Corte dos Estados Unidos, Sonya ­Sotomayor, provavelmente não mudará muita coisa no colegiado. Apenas manterá na Corte a divisão entre quatro conservadores e quatro progressistas. O voto de Minerva continuará com o juiz Anthony Kennedy, chamado de "juiz supermediano" por revelar posições que ora tendem para um lado, ora para outro; ora, muito pelo contrário.
Foi assim que procedeu e definiu a vitória de uma ou outra corrente em temas como ações afirmativas, liberdade religiosa e direitos dos homoafetivos, bem como no reconhecimento do Poder Executivos adotar medidas restritivas às liberdades em casos de terrorismo e na definição da eleição presidencial de 2000. Para muitos, ele não passa de um oportunista, que age por capricho sem qualquer compromisso com uma teoria constitucional consistente.
Pois acaba de sair "Justice Kennedy's Jurisprudence. The Full and Necessary Meaning of Liberty [A Jurisprudência do Juiz Kennedy. O Significado Completo e Necessário da Liberdade]", escrito pelo professor de ciência política da Purdue University-Calumet, Frank J. Colucci. O livro procura mostrar que Kennedy é, não apenas coerente em suas orientações, ao rejeitar as teses originalistas e de restrinção judicial (judicial restraint), como adepto da leitura moral da Constituição no melhor estilo de Ronald Dworkin e Randy Barnett, a defender sistematicamente a liberdade e a dignidade humana mesmo contra a democracia.
Foi nessa linha que se opôs a leis que restringiam a liberdade sexual, inclusive para proteger a autodeterminação dos homossexuais. Entretanto não se tem mostrado simpático aos programas de conscientização racial, por considerá-los muito mais voltados para afirmação de interesses de grupos do que para os direitos individuais de seus membros. Em matéria religiosa, sua oposição a originalistas como Antonin Scalia é flagrante.
Scalia defende que a "cláusula de estabelecimento", a parte da I Emenda à Constituição norte-americana que assegura a liberdade de religião, limita apenas que o Estado seja favorável a um ou outra crença em detrimento das demais. Não haveria, portanto, problemas em dar nome de religiosos a uma escola pública. O contraponto na Corte é apresentado por John Paul Stevens, para quem todo programa de governo que apoie pregações na escola ou identificações religiosas acaba promovendo uma religião em face de outras, o que seria inconstitucional.
Para Kennedy, nenhuma dessas leituras estaria correta, pois a "Establishment Clause" protegeria a liberdade individual antes de definir a relação entre Estado e igreja. Foi assim que se decidiu a favor de programas voltados para livre escolha das escolas (religiosas ou laicas) e não o fez em relação à admissibilidade de haver pregações religiosas nelas. No primeiro caso, entendeu que o programa reforçava a liberdade individual de escolha; no segundo, criava-se uma audiência cativa às ladainhas dos pregadores.
Mesmo sendo católico, Kennedy procurou afastar-se de suas orientações religiosas. Colucci, no entanto, denuncia aqui e ali uma traição de suas crenças, especialmente pelo emprego de uma "argumentação que o aproximaria da retórica do Catolicismo". Ele, por exemplo, ao combater a pena de morte para jovens, em Roper v. Simmons, disse que ela era inadequada por a juventude raramente demonstrar uma "corrupção irrecuperável". Esta seria uma frase tipicamente católica, disseram.
Entretanto, esses deslizes vocabulares não o comprometeram na hora de decidir a favor do aborto. Tampouco em reverter o criticado precedente Bowers v. Hardwick, em 2003, baseando-se no direito que todos têm de ser livres para escolha da orientação sexual, escapando do argumento escorregadio do right to privacy.
A visão de Colucci parece demasiadamente simpática e até condescendente com Kennedy. Vale, no entanto, a leitura para compreensão de como pensam os juízes (daqui e de lá) e, principalmente, como a crítica é vista como instrumento para fortalecer a instituição.

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