terça-feira, 22 de setembro de 2009

A censura para jovens: A inconstitucionalidade da Portaria MJ 1100/2006

É correto um adolescente de 14 anos assistir a um filme que mostre cenas explícitas do uso de droga e violência pura? É certo que uma criança veja a ensandecida tragédia das guerras, estupros e pedofilia? O bom-senso responde que não às duas perguntas. Mas quem tem de proibir?
Os pais ou responsáveis, de acordo com a orientação das autoridades públicas encarregadas de fazer a classificação das películas, dos espetáculos de diversão pública e dos programas de rádio e tevê. Foi esse o modelo adotado pela Constituição de 1988.
No artigo 21, XVI, o texto constitucional atribui à União a competência de classificar, para efeito indicativo, as diversões públicas e os programas de rádio e televisão. Adiante, no artigo 220, § 3º, I, ele exige lei federal "para regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada". Notemos o caráter de aconselhamento: informar, recomendar. A classificação é, repitamos, indicativa.
Aos pais ou responsáveis cabe a tarefa de seguir ou não a indicação feita pelas autoridades, segundo seus valores, tradições e projeto de educação dos filhos. Esse poder-dever primordial é decorrência da garantia institucional da família e do princípio da solidariedade que a nutre, como expressa o artigo constitucional 229: "Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade".
O Estado não pode ser o tutor da família a ponto de impor-lhe uma decisão irrecorrível sobre o estilo de vida ou padrões éticos a serem seguidos. Ele não é Igreja ou religião. Em relação à definição de vida boa, ao projeto individual de felicidade, deve ser neutro. Lê-se no artigo constitucional 221, IV, que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão devem respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família. É a afirmação cabal de garantia da esfera privada familiar.
Claro que há limitações às autonomias, pois elas só existem institucionalizadas e em coexistências com outras autonomias, inclusive, no caso, os interesses objetivos de seus membros. A vida privada familiar é, por isso, passível de disciplina estatal, mas não a ponto de esvaziar o poder decisório primeiro e presumivelmente lícito dos pais.
Quando a Constituição se refere a planejamento familiar como livre decisão do casal, engloba não apenas a definição do tamanho da prole, mas as orientações básicas sobre educação, ética e bem-estar dos filhos.
Ao invés de enfraquecer a autonomia privada, a Constituição a reforça ao exigir do Estado o fornecimento de recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, "vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas" (art. 226, § 7º). Quais, então, os limites dessa autonomia? A dignidade da pessoa humana e a paternidade responsável (art. 226, § 7º).
O Estado pode e deve intervir, quando há violação do dever de cuidado e de respeito ao direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. É disso que o artigo constitucional 227 trata quando veda "toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Mas é preciso que seja patente o desvio de conduta paterna e materna, sob pena de inversão da lógica da proteção constitucional.
Pois não é que o Ministério da Justiça resolveu, a pretexto de disciplinar a Lei n. 8069/1990, o conhecido Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), proibir crianças e adolescentes de acesso a diversão ou espetáculo, classificados "indicativamente" como impróprios para menores de 18 anos, mesmo que autorizados pelos pais (art. 19, Portaria 1100/2006)?
É claro que o dispositivo é prenhe de boas intenções. Deixemos o inferno fora dessa. Apenas afirmemos que, num Estado laico e republicano, as boas intenções devem ser constitucionalmente adequadas.

Nenhum comentário: