De acordo com Melissa, uma pesquisa realizada com 854 pessoas envolvidas com prostituição (782 mulheres adultas e adolescentes, 44 transexuais e 28 homens) na África do Sul, na Alemanha, no Canadá, na Colômbia, nos Estados Unidos, no México, na Tailândia, na Turquia e em Zâmbia, mostrou um quadro desalentador:
- 89% gostariam de sair do ramo, mas não possuiriam outro meio de sobrevivência;
- entre 65% e 95% tinham sido violentadas sexualmente quando eram crianças;
- entre 70% e 95% eram fisicamente agredidas;
- entre 60% e 75% eram estupradas;
- 88% passaram por algum tipo de agressão verbal ou constrangimento social;
- 68% apresentavam sintomas de estresse pós-traumático em graus semelhantes aos de veteranos de guerra e torturados.
Sheila, por sua vez, afirmou que a legalização da prática, em alguns Estados australianos, não resolveu os problemas da violência e da criminalidade, chegando até a crescer em alguns casos. A ampliação irregular da prostituição continuou a existir, assim como os abusos contra as mulheres que faziam ponto nas ruas.
O tráfico de mulheres aumentou com a criação de novos prostíbulos. Algo ainda mais perverso: a prostituição de crianças em Vitória, um dos Estados que legalizaram a prostituição, também cresceu, inclusive se comparada a outros Estados do país. Ex-cafetões e criminosos passaram a compor uma nova e respeitada classe econômica: a dos “homens de negócio do sexo” (sex businessmen). Por outro lado, o Estado ampliou suas receitas por meio da tributação da prática, das taxas de licença de funcionamento de bordéis e “night clubs”, além do incremento do turismo sexual.
As conclusões de Sheila foram ratificadas pelos estudos mais recentes de Melissa. Em alguns Estados norte-americanos, como nos condados rurais de Nevada e, em parte, em Rhode Island, as “night clubs” são legalizadas, o que não coibiu o tráfico de mulheres, a violência e abusos cometidos contra elas, incluindo o estupro (os índices de estupro em Las Vegas, Nevada, por exemplo, são três vezes o que apresenta a cidade de Nova Iorque), sua infecção pelo vírus HIV nem os seus relatos de continuarem na atividade por imposição de cafetões e proprietários das casas.
O pior de tudo é que a legalização promoveria uma espécie de “cultura da prostituição” que passaria a ser vista como algo natural ou um fato como outro qualquer da vida. A solução que aviltra seria a adotada pelos suecos com a incriminação dos clientes, escorando-se no fato de que a medida reduziu drastricamente, naquele país, não apenas a prostituição, mas os crimes com ela relacionados.
Essas pesquisas têm sido acusadas de contágio do radicalismo feminista, repercutindo na isenção para realizá-las adequadamente. Weitzer, por exemplo, aponta nos trabalhos de Melissa falta de transparência sobre os métodos empregados nas entrevistas, desde a seleção das pessoas, passando pelos tipos de perguntas formuladas, até a consolidação dos dados. Tudo a comprometer as conclusões que faz.
O exemplo sueco, visto por ela como ideal, também é questionado. O ministro da Justiça da Noruega encomendou a um grupo de trabalho um estudo sobre a efetividade da política adotada naquele país e os resultados não foram os propagados nem oficialmente nem por simpatizantes como Melissa. De acordo com o grupo, o governo sueco não conseguiu demonstrar que a prostituição e o tráfico de mulheres de fato diminuiram no país.
Sheila padeceria do mesmo problema. A sua visão sexista sobre as relações humanas a impediria de enxergar com mais exatidão a realidade. A radicalização de seu pensamento sobre o domínio machista e estetizante sobre a mulher, incluindo a tese de mutilação transexual como um prolongamento da indústria masculina de beleza que ofertaria soluções cosméticas para problemas profundos da sexualidade humana, levou-a, segundo Julie Bindel, ao paroxismo em seu recente livro “The Industrial Vagina: The Political Economy of the Global Sex Trade” [A Vagina Industrial: A Economia Política do Comércio Global do Sexo].
A principal tese, ou a mais polêmica do livro, faz lembrar Bertrand Russel, quando dizia que o casamento seria para mulheres o modo mais comum de sustento. Entretanto, “o volume de sexo indesejado suportado pelas mulheres seria provavelmente maior no casamento do que na prostituição”. Pois bem, para Sheila o casamento heterossexual não passaria de uma forma de prostituição, porque legitimaria o direito dos homens ao uso sexual do corpo da mulher (p. 178).
Entre tabus e preconceitos, a prostituição continua a dividir a humanidade. O grave no caso brasileiro, onde não se pune a prática, mas rarefeitamente quem a alicia ou promove, é que sua invisibilidade também se destaca nos meios acadêmicos, principalmente no âmbito do Direito. Raros são os trabalhos e debates a respeito, dificultando a definição clara e efetiva de políticas públicas em favor da mulher. Que só perde com essa clandestinidade.
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