terça-feira, 8 de setembro de 2009

A ética da amizade

Kant dizia que a amizade era o hobby principal, o néctar e a ambrosia dos retóricos moralistas. A idéia da amizade se basearia na ultrapassagem do amor próprio pelo generoso amor recíproco, em igual medida e necessidade. "O mais agradável da amizade é a sua disposição de boa vontade". Boa vontade que seria diferente do senso utilitarista e interesseiro, mesmo que manifestado por acaso. "Um amigo que paga as minhas contas ou que suporta as minhas perdas é meu benfeitor e com ele fico em débito. Eu me sinto envergonhado em sua presença e não poderei olhá-lo de frente. A verdadeira relação é desfeita e a amizade finda."
Ele distinguia a amizade da experiência, do gosto ou da companhia da verdadeira amizade, esta se nutriria do prazer da felicidade do outro; aquela, apenas de sua companhia, de sua presença. À verdadeira, chamava de "amizade de sentimento". Quem não tem esse tipo de amigo não tem dentro de si "um coração amigável". Por outro lado, não é possível sermos amigos verdadeiros de todo homem ou de toda mulher que aparecer em nossa frente, a menos que sejamos seres perfeitos: "quem é amigo de todos não é amigo de ninguém". (Other Selves: Philosophers and Friendship, p. 210-211, 213, 214, 215, 217).
Contra essa tese de Kant existe um provérbio árabe repetido em muitas portas: "conhece-se o verdadeiro amigo quando dele se precisa". Algo que já estava escrito em Aristóteles: "Os amigos são necessários tanto no sofrimento quanto na alegria" (Ética a Nicômaco, p. 67). É senso-comum assim se dizer, mas será que a realidade não se aproxima mais de kant? Quando viramos devedores nos sentimos diminuídos e a amizade se esvai?
Ou será que o amigo não se sentirá, de alguma forma, inconscientemente que seja, explorado, e se recolherá? Por outro lado, haverá, a não ser como idéia, o amigo verdadeiro kantiano? Como seres invejosos e competitivos conseguirão ser amigos assim em estado puro? Oscar Wilde era cético a respeito: "Qualquer pessoa pode simpatizar com os sofrimentos de um amigo, mas é necessária uma natureza muito boa (...) para simpatizar com o seu sucesso." (The Soul of Man under Socialism. Forgotten Books, 2008 [1891], p. 37).
De toda sorte, lá está Bacon a dizer "optimi consiliarii mortui"[os melhores conselheiros estão mortos] (p. 200). Tudo palavras.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lembrei-me de Esopo (sec. VI AC) que escreveu a mesma idéia de Kant sobre os amigos em sua fábula:

"Os Viajantes e o Urso:

Um dia dois viajantes deram de cara com um urso. O primeiro se salvou escalando uma árvore, mas o outro, sabendo que não ia conseguir vencer sozinho o urso, se jogou no chão e fingiu-se de morto. O urso se aproximou dele e começou a cheirar sua orelha, mas, convencido de que estava morto, foi embora. O amigo começou a descer da árvore e perguntou:
_O que o urso estava cochichando em seu ouvido?
_Ora, ele só me disse para pensar duas vezes antes de sair por aí viajando com gente que abandona os amigos na hora do perigo.”

Moral da história:
A desgraça põe à prova a sinceridade e a amizade.