quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Dica: Camus. O Homem Revoltado.

Albert Camus nos faz acreditar que a indignação e a revolta são experiências essencialmente humanas e fundamentais à socialização. A sua redefinição do cogito cartesiano diz tudo: "Je me révolte, donc nous sommes" [Eu me revolto, logo existimos]: (L'Homme Révolté, p. 432. Há uma tradução para o português: O homem revoltado. Trad. Valerie Rumanek, p. 288). É a revolta que emancipa o homem da prisão do isolamento e da solidão, pondo-o nos braços de uma "aventura coletiva", do "nós" da sociedade.
Por ser a expressão mais pura da liberdade e do mundo social, ela sempre esteve entre nós. Desde Prometeu a Aquiles, de Édipo a Antígone, que são os arquétipos da revolta na Antiguidade, o ser humano sempre procurou fugir da comodidade da servidão e da tirania. Há dentro de nós um espaço irredutível de angústia contra a realidade, como diagnosticara Sartre, a requerer o exercício da liberdade para dar algum sentido ao mundo.
O rebelde sartreano, no entanto, é solitário e autodestrutivo, pois acabará por sucumbir ao insurporável fardo de ser livre. O sentimento e exercício da liberdade e da revolta hão de ser compartilhados para fazer sentido, exatamente porque existem em todos. Seriam mais do que uma aproximação pela dor. Seriam por um querer transformar-se e ao mundo.
Mas a revolta não quer dizer violência pura ou extremismo. O seu desenvolvimento com o passar do tempo revela um traço de moderação e, com ela, pode-se extrair uma ética, por assim dizer, imanente: o respeito à dignidade de cada um. Não quer dizer que expressamente se tenha afirmado esse limite intrínseco nem que toda revolta se tenha concretamente manifestado assim.
Trata-se antes de um elemento normativo de um dever moral de não concordar com a injustiça do statu quo. Devemos nos contrapor às injustiças com equilíbrio e ponderação, porque o mal e o bem se limitam reciprocamente, são relativos. Que injustiças? A da subjugação, da mentira, da servidão, do arbítrio que violam a dignidade de sermos todos iguais. Notemos que a dignidade é princípio e limite no ato de rebelar-se.
O que deseja Camus com o apelo à moderação? Fugir das metanarrativas totalizantes (o liberalismo revolucionário, o marxismo, a idéia hegeliana de fim da história ou a liberade plena de Sade, por exemplo) que terminam por gerar o oposto de sua proposta: o cinismo, o assassinato em massa, a submissão, o domínio de uns por outros.
Não será, porém, a moderação a negativa da revolta? Por outro lado, a dignidade compartilhada (solidariedade), por certo, não admitirá que, em nome da mudança, alguém venha a atirar em outra pessoa que seja agente do statu quo, admitirá? Eis o ponto mais que polêmico, paradoxal na tese de Camus: ele admite que para esse propósito, os fins justiquem os meios "la fin justifie les moyens? Cela est possible. Mais qui justifiera la fin? A cette question, que la pensée historique laisse pendante, la révolte répond: les moyens" (p. 696; em português: p. 335).
Aparentemente, Camus desaba na mesma armadilha que criticava: a violência. Ele refuta. A revolta mata pessoas, enquanto a revolução mata pessoas e as idéias que visa defender. Ninguém é inteiramente inocente ou inteiramente culpado nesse mundo. Nem o que mata em nome da revolta nem o que morre por causa dela. Temos de aceitar uma espécie de culpa razoável, pois a nossa revolta se faz em nome da justiça, podendo cometer (e acabará por cometer) injustriça. Ou, por outra, a reivindicação da justiça levará à injustiça, se não estiver baseada num justificação ética de justiça negadora da opressão.
Seria inconsequência? Não, se expressarmos o sentimento de repulsa pela negação sistemática do valor da dignidade. Seremos pessimistas ou condenados ao imobilismo, se acharmos o contrário: que no mundo não existam "ni victimes, ni bourreaux". Entretanto, devemos ter em mente a limitação de nosso agir, pois será certamente um movimento precário.
Suas bases explicam sua condição: uma concreta e viva moral. Não, todavia, decantadas teorias que apresentam a verdade absoluta como ideologias do e para o excesso. Mas a moral de uma felicidade possível que não admite a indiferença em face da vida e persegue uma justiça facticamente imaginável e uma felicidade humanamente significativa, construindo-se uma "cité universelle des hommes libres et fraternels".

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigada!