A imprensa deve-se autorregular ou é necessária uma legislação específica, de modo a evitar abusos? Com os temores compreensivos de que a intervenção estatal ou mesmo de órgãos sociais possa comprometer a independência dos jornalistas, há quem entenda que o melhor sistema é o da regulamentação pelos próprios meios de comunicação. O problema que se põe tem dupla face: quem é verdadeiramente livre: o jornalista ou os donos dos meios de comunicação (e eventualmente seus editores)? Mesmo a admitir que ambos sejam, com prevenir riscos de corporativismo?
Há outras inquietações relacionadas à dependência da mídia em relação ao poder econômico. São os anunciantes públicos e privados que sustentam os lucros ou a sobrevivência das empresas de comunicação. Esse é um problema importante, mas nossa atenção está agora voltada para as possibilidades do controle exercido pelas próprias empresas. E nada melhor do que enxergar o quadro pelo olhar das pessoas diretamente envolvidas.
Na edição da FSP de 20/9/2009, o ombudsman do jornal, Carlos Eduardo Lins da Silva, trouxe sob o título "Por que tão poucos ombudsmans?", depoimentos de alguns profissionais a respeito do assunto:
ALBERTO DINES, precursor do ombudsman no país: "Não se meta nisso, você só vai ganhar inimigos!..." O sábio Octavio Frias de Oliveira tentava persuadir-me a não iniciar coluna de crítica de imprensa na Folha. Como sempre, Frias acertou na mosca. Nós, jornalistas, fazemos cobranças e detestamos ser cobrados. Por isso ninguém quer passar a vida brigando com colegas de profissão. Além do mais, os criticados estão sempre em cargos de chefia.
CAIO TÚLIO COSTA, primeiro ombudsman da Folha: Porque a imprensa se conhece e sabe o quanto seu produto acaba sendo inexato, incompleto, injusto; daí a insegurança (primeira razão) em se submeter a escrutínio público. Porque, se um concorrente se deixa escrutinar, é mais cômodo acusá-lo de "jogada de marketing", não copiar (segunda). Porque é caro (terceira) manter profissional em função tão indesejada (quarta). Porque é difícil encontrar ingênuos (quinta) que aceitem a função. Porque os limites do cargo são os empresariais (sexta) e essa indústria lida de forma esquizofrênica com limites.
MARIO VITOR SANTOS, duas vezes ombudsman da Folha e uma do iG: Porque a atividade é temida e evitada. Quando feita de maneira independente e crítica, gera agastamento com jornalistas e é fonte de problemas "de imagem" para os gestores dos veículos. Ombudsmans acabam expondo a manipulação das informações, seja para uso político, obtenção de audiência, ou ambos, o que é a regra na maioria dos veículos.
MARA GAMA, ombudsman do UOL: No limite, o ombudsman acaba por deixar evidente também a falibilidade de sua própria ação. E sendo passível das mesmas falhas de seus colegas, por que contratá-lo? Será que ele pode mesmo enxergar e atuar criticamente no confronto com seus pares? Isso pode soar contraditório e provocar descrédito. O público por vezes se revolta quando se depara com o limite da ação do ombudsman.
ERNESTO RODRIGUES, ombudsman da TV Cultura de São Paulo: Nós, jornalistas, gostamos de denunciar, mas não de nos considerar parte desse mundo de muitos erros. Nossa arrogância costuma ser inversamente proporcional ao espaço que reservamos para a confissão de nossos erros. E nosso pior pecado é acreditar que todo o resto do material publicado é sempre correto, preciso, relevante, ético e responsável.
ROBERTO HIRAO, ex-ombudsman da "Folha da Tarde" e autor do livro indicado ao final: Atribuo o quadro ao desinteresse (ou seria receio?) dos grupos empresariais que controlam os jornais em se abrir ao público. Essa situação é agravada pela apatia de boa parte dos jornalistas.
ANDY ALEXANDER, ombudsman do "Washington Post": A crise financeira provoca demissão de ombudsmans. Há crescente sentimento de que a blogosfera pode oferecer o escrutínio que o ombudsman provê. Mas essas justificativas podem só encobrir o fato de que os líderes das empresas de comunicação não gostam de ver seu desempenho criticado.
ALICIA SHEPARD, ombudsman da National Public Radio: Em tempos economicamente difíceis, cortar o posto de ombudsman é fácil, já que ele não é essencial para colocar um jornal ou rádio no ar. Mas é essencial para aumentar sua credibilidade.
JUDITH BRITO, presidente da Associação Nacional de Jornais: Em primeiro lugar, porque custa. Segundo, porque, entre as opções para ser mais profissional, a criação da função de ombudsman é a mais arrojada. Requer coragem e maturidade porque o trabalho do ombudsman é expor problemas e criticar o trabalho dos colegas. Não é fácil conviver com esta situação. ROBERTO MUYLAERT, presidente da Associação Nacional de Editores de Revistas: Porque é mais fácil e rápido, embora mais sujeito a erros, realizar trabalho de mão única, da Redação para o leitor, do que interagir com alguém de dentro de casa, cuja missão é apontar falhas. Só profissionais maduros recebem bem as críticas construtivas.
Em sabatina realizada pela FSP em 21/9/2009, o próprio Carlos Eduardo completou a análise: "Os jornais, a imprensa, os jornalistas são arrogantes, prepotentes, não gostam de ouvir críticas em nenhuma hipótese e não querem ser melhorados. Se a imprensa não se autorregular, ela vai ser regulada por alguém e será pior para ela. Por que o ombudsman, que é uma forma modesta de autorregulação, não se dissemina no país e no mundo? Porque os jornais e a imprensa não gostam de ser reguladas nem por si próprias. A autorregulação é uma premência para a liberdade de imprensa."
Um comentário:
O papel dos ombudsman vem suprir a necessidade de vigília sobre a imprensa, para que ela não se torne detentora absoluta da informação, não seja alastradora de preconceitos e juízos errôneos, permitindo ao leitor uma reflexão acerca de questões muitas vezes ignoradas pela grande maioria.
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