“La femme est obligée de choisir entre acheter un homme, ce qui s'appelle le mariage, ou se vendre aux hommes, ce qui s'appelle la prostitution.”
(Victor Hugo. Océan Prose, 1854)
Existem quatro formas básicas de o direito tratar a prostituição. A indiferença, a proibição, a abolição e a regulamentação. A indiferença lida com uma ficção: o fenômeno não existe. A invisibilidade social, além de hipócrita, possibilita a violência impune cometida por meio de agentes do Estado, intermediários e clientela. Raros (não encontrei um sequer) os sistemas que a adotam hoje como política estatal explícita.
Na proibição, as práticas são crimes puníveis com prisão, por ser a prostituição uma conduta moral e socialmente reprovável. Estados Unidos, países do Leste europeu e China são os grandes exemplos. Em alguns lugares islâmicos, a conduta é punível com a pena de morte. Curiosa é a legislação do Japão: a prostituição vaginal é ilegal, o mesmo não se dando com o sexo oral pago. Com o surgimento da Aids, alguns países, até mesmo abolicionistas, passaram a tipificar uma espécie de crime de prostituição. De acordo com essas leis, qualquer pessoa que tenha sido presa por prostituição deve ser submetida a testes de HIV.
Em caso de resultado positivo, a suspeita será informada de que a reincidência terá a pena seriamente agravada, podendo gerar até condenação por tentativa de homicídio. Também aqui há espaços para corrupção e desrespeito a direitos, embora menos sistemáticos do que no primeiro caso. A abolição, terceiro modelo jurídico, reconhece a sua existência sem puni-la ou, quando muito, punindo quem a promove ou consome.
Argumentos humanistas e de vitimização da mulher estimulam políticas públicas de erradicação do problema, não se punindo a prostituta, mas fazendo-o em relação aos instigadores, rufiões e donos de prostíbulos. É o caso brasileiro e da maior parte dos países da Europa, incluindo França e Reino Unido, além de ser a política oficial das Nações Unidas. Na Suécia, na Noruega e na Islândia há uma inversão. Além dos intermediários da prostituição, quem se vale dos serviços de sexo pago é que vai para a cadeia.
A ênfase também de repressão ao cliente, conhecida como “John Schools” e “Projetos de Reeducação de Clientes Sexuais”, é encontrada em diversas cidades dos Estados Unidos, do Canadá e do Reino Unido. Por meio dela, promove-se uma verdadeira campanha de desestímulo ao consumo do sexo comercial, valendo-se da divulgação, pelos meios de comunicação de massa, de nomes, fotos e filmes da clientela do sexo.
Na regulamentação ou neorregulamentação (neo, apenas para diferenciá-la do intervencionismo estatal por meio de uma disciplina higienista que vigorou na Europa no século XIX e parte do século XX, e que, de certa maneira, ainda vigora na Áustria e na Grécia), a atenção se volta ora para as especificidades da profissão, procurando dotá-la de um estatuto próprio que assegure às profissionais garantias trabalhistas e previdenciárias, embora possam atribuir-lhes deveres como exames médicos periódicos, incorporando elementos da velha regulamentação, como ocorrem no Estado norte-americano de Nevada; ora querem ver as prostitutas como uma atividade laboral comum e, portanto, submetidas ao mesmo regime dos trabalhadores em geral (versão regulatória denominada por alguns como “descriminalização”), como, em parte, verifica-se na Nova Zelândia.
As prostitutas, nos dois recortes, deixam de ser escórias, pecadoras ou vítimas, para serem vistas como agentes morais (e jurídicas) livres. Os clientes passam a ser tratados, por sua vez, como contratantes ou consumidores. Bordeis são legalizados, por exemplo, na Austrália (Estados de New South Wales, Queensland e Vitória mais o Território da Capital Australiana), na Alemanha e, de forma mais ampla, na Holanda, embora esses dois países adotem a (neo)regulamentação com estatuto específico.
Mas será que a prostituição é mesmo uma escolha pessoal? A pesquisadora da Universidade do Porto, Alexandra Oliveira, disse que sim numa entrevista concedida ao Jornal de Notícias. Para ela, as mulheres procuram a prostituição como um meio de ganhar dinheiro, senão de maneira mais fácil, pelo menos de modo mais rápido e lucrativo. Em determinado momento da vida, certas mulheres se colocam diante da questão: prostituírem-se ou não."Após equacionarem vantagens e desvantagens, optam pela prostituição".
Porquê? Normalmente, por conhecerem mulheres relativamente bem sucedidas, que já o faziam. Nem sempre há a presença de alguém, cafetão ou cafetina, a coagi-las. "Talvez no passado fosse mais notório mas, neste momento, não me parece", disse a pesquisadora. Ela fez questão de excepcionar o que ocorre nas redes de tráfico e exploração sexual existentes. Em regra, estão lá, porque querem autonomia, independência e mesmo porque gostam do que fazem: "Há mulheres que dizem que não trocam a actividade por outro emprego com remuneração igual".
Mesmo que o companheiro possua condições financeiras que as possam sustentar, elas fogem da dependência econômica. E, o mais curioso, valem-se do que fazem para compensar eventuais inferioridades sentidas em sua vida cotidiana: "Muitas prostitutas têm relações de grande dependência de homens (maridos, pais, outros familiares); mas, com os clientes, isso inverte-se, o poder é delas."
Esse é um ponto interessante da pesquisa: as prostitutas não são agentes passivos na relação com o cliente. Em geral, ele tem o poder de escolha da mulher, mas, depois, disso, são elas que ditam as regras como o preço (nem sempre negociável), o que faz ou não, se usará ou não preservativo: "Não encontrei evidências que provem a ideia de que se lhes oferecerem dinheiro, farão qualquer coisa". Isso, em parte, desfaz a ideia corrente de que os clientes são uns pervertidos.
Segundo ela, são homens de todas as classes sociais, idades, estatuto civil e experiência de vida que procuram as profissionais do sexo. "Os abolicionistas, que acham que a profissão é uma forma de violência sobre a mulher, chamam aos clientes 'prostituidores', porque, na sua óptica, a mulher é uma vítima passiva tanto do chulo como do cliente - a lógica é: se não houvesse clientes, não havia prostitutas. E fazem deles seres perversos. Não são".
Outro dado que surpreende é a forma como as prostitutas lidam com a atividade sexual e com seus próprios valores morais. Para elas, o que fazem é de natureza profissional, sem vínculos emocionais. Por isso não se sentem infieis com seus companheiros. Segundo a pesquisadora, elas são até moralmente conservadoras.
Acreditam na monogamia, por exemplo: "Estas técnicas [de neutralização e racionalização do seu agir] ajudam a minimizar o impacto [moral e social], mas não são completamente eficazes, designadamente em relação ao estigma, que é muito forte, e leva a que ocultem o que fazem. Geralmente, os familiares mais próximos, como o marido, os irmãos, sabem, mas o resto da família não."
As portas para o envolvimento afetivo não estão fechadas, todavia. Em primeiro lugar, nem sempre o que sentem na relação é só fingimento. Muitas delas têm prazer sexual. E, às vezes, evolui para sentimentos mais fortes. Clientes habituais podem muito bem se converter em amigos e, em muitos casos, em paixão, amor, união.
O trabalho sexual não é inerentemente explorador, em resumo. O que o torna assim é o modo como é exercido naqueles países que o tratam com indiferença ou como se fosse uma chaga social a ser curada na base da força ou da "erradicação piedosa". Nestes, as mulheres vivem na clandestinidade e submetidas, muitas vezes, a chantagens de cafetões e do próprio Estado:
"O discurso das autoridades - policiais, judiciais e políticas - da luta contra o tráfico e a exploração sexual, é aparentemente humanista, mas, na prática, trata estas mulheres não como vítimas mas como delinquentes". Ela dá exemplos de como as imigrantes ilegais são tratadas em Portugal, como, de resto, na Europa: são presas e deportadas, quando não violentadas pelos próprios agentes públicos.
Mesmo as nacionais padecem de uma exclusão social crônica e, ao mesmo tempo, compulsiva. Quando procuram serviços públicos, são tratadas com preconceito, se forem identificadas como prostitutas. "Quando vão levar um filho à escola", ela diz, "as prostitutas têm de esconder o que fazem por temerem que os colegas do filho o rejeitem".
Mas nem só de mulheres vive a prostituição. Com os homens, ainda mais invisíveis aos olhos da sociedade, o quadro chega a ser pior, pois se soma a repulsa do sexo a retalho ao estigma da homossexualidade. Essa "violência institucional” é tão ou mais grave do que a violência física, exatamente porque é uma de suas causas.
Um estudo parecido foi realizado, no Brasil, entre outubro de 2000 a março de 2001, pelo Núcleo de Estudos em Saúde Pública (NESP), da Universidade de Brasília (UnB). As conclusões sobre afetividade, riscos e preconceitos não foram diferentes. Constatou-se, ademais, que a identidade e autossignificação da prostituta alteraram-se com o tempo, deixando de ser uma determinação das necessidades de sobrevivência ou de chantagens de “senhorios” para revelar-se como uma alternativa de trabalho (“um trabalho como outro qualquer” como respondeu uma entrevistada) rentável e com flexibilidade de horário.
Isso não significa dizer que não existam as que vendem o prazer pelo império da fome, especialmente em espaços rurais e urbanos mais pobres. Muitas, entretanto, adotaram a vida por opção própria. Em comum, ainda, os relatos de violência eventual de clientes e policiais e, constante, da sociedade.
A necessidade de regulamentação seria a forma mais adequada de tratamento da questão. Sem preconceitos, sem hipocrisias. Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 98/2003, de autoria do deputado federal Fernando Gabeira, PV/RJ, que legaliza a prostituição, assegurando às profissionais o direito à assistência médica e aposentadoria.
De quebra, revoga os tipos penais previstos pelos artigos 228, 229 e 231 do Código Penal, este último de complicada repercussão. Na mesma linha, o deputado federal pelo PT/RO, Eduardo Valverde, propôs o projeto de lei n. 4244/2004, que considera trabalhador da sexualidade a prostituta, prostituto, dançarino, garçom, garçonete, atriz, ator, acompanhante, massagista que trabalhem expondo o corpo, em caráter profissional, em locais ou condições de provocar apelo sexual e erótico, e o gerente de casa de prostituição.
Em contrapartida, o deputado Elimar Máximo Damasceno, do PRONA/SP, apresentou projeto de lei n. 2169/2003, na linha da política sueca, que tipifica o crime de contratação de serviço sexual, incluindo na mesma pena quem aceita a oferta de prestação de serviço de natureza sexual, sabendo que o serviço está sujeito à remuneração. Outros tantos projetos restringem, proíbem ou incriminam o uso de meios de comunicação, inclusive internet, para promover ou fazer propaganda do sexo (PL-1983/1999, PL-3303/2000, PL-3330/2000, PL-3357/2000, PL-3605/2000, PL-3872/2000 e PL-5348/2001, v.g.).
É certo que a regulamentação da atividade suscita muitas dúvidas e não resolve alguns problemas associados à prostituição. Deve, no mínimo, ser considerada com seriedade por todos.
2 comentários:
Muito interessante a abordagem de um tema como esse socialmente "vergonhoso" desde sempre. As leis em alguns países europeus - citados no seu artigo - são rigorosas e APLICADAS. No nosso caso, onde a impunidade, infelizmente, reina, a eficácia das leis claudica por demais. O turismo sexual passa por essas questões e curioso pq os clientes são na grande maioria estrangeiros provenientes desses países em que a lei não é frouxa. O que isso quer nos dizer, hã? Qto à atividade (prostituição), talvez a regulamentação seja mesmo uma saída, mas fico aqui a pensar... E ELAS, o que querem? Achei muito legal o estudo da pesquisadora da Universidade do Porto - grata pelo link do Jornal de Notícias - e a questão do estigma para as prostitutas. Como elas convivem com o estigma... Muitas têm família e sustentam seus filhos, familiares com essa atividade. Penso que elas deveriam ser convocadas para o debate pq o estigma pesa nos ombros delas. É um assunto bem delicado. Em questões como essa, a ação comunicativa (Habermas) deveria entrar no jogo. Como a sociedade vai legislar sobre um assunto como esse em que o outro por sua atividade ocupa um lugar de rebaixamento social? Ou melhor: marginal. E então não vamos convocá-las pq elas estão à margem? Mas vamos decidir por elas e pra elas o que pensamos ser melhor pra elas? Numa situação como essa em que o outro fica à margem deveríamos retirá-lo desse lugar e trazê-lo para a esfera política. Precisamos ouvir o discurso delas, ou não? Neste sentido, o trabalho da pesquisadora interessa. Parabéns pelo artigo!
“O trabalho sexual não é inerentemente explorador, em resumo”. Será? É fato social que surge em uma sociedade de classes, onde o trabalhador sempre esta em posição inferior ao empresário na sociedade capitalista.
Primeiro, a idéia da mulher empoderada pelo processo de prostituição parece-me uma falácia. Pensemos no direito à dignidade humana. Qualquer profissão que objetifique o ser humano, corpo de homem ou de mulher que passa a ser tratado como mercadoria, parece contradizer qualquer discurso de empoderamento.
Se a mulher enfrenta ambiente altamente repressor, sem liberdade de expressão (=direito fundamental), talvez, a prostituição possa lhe dar oportunidades nunca antes imaginadas, mas isso não caracteriza empoderamento. Talvez, uma fuga da realidade. A posição é sempre de submissão, mesmo quando em posição ativa durante o ato, pois este nunca pode existir exceto às escondidas. Novamente, uma falácia!
Prostituição não é comportamento criminoso, mas imoral de alguém que coloca-se a disposição de um número indiscriminado de pessoas para a habitual prestação carnal, com ou sem contato físico, mediante paga ou não. Talvez, um descompasso psíquico: a erotomania e a ninfomania indicam um exagero do desejo sexual por parte de um homem e de uma mulher, uma disfunção psíquica ou social, indicador concreto de falta de dignidade humana, por uma razão ou outra.
Segundo, na hipótese de empoderamento, estas mulheres são a exceção. A grande maioria sede a prostituição por não haver outra opção no mercado de trabalho, por que outras opções implicam em um maior capital humano ou em oportunidades de trabalho que o Estado não garante. No campo psicológico, uma certa baixa-estima no sentido de se acreditar- incapaz de realizar outra profissão com os mesmo ganhos, sem os custos de educação, tempo, etc. Crença bem realista, na verdade.
Mas esse trabalho árduo, de alto risco, não corrompe a pessoa? A moral individual? Não aniquila sua dignidade? Ocorre em idade jovem! No Brasil, gostaria de poder negar que “a maioria vende o prazer pelo império da fome, especialmente em espaços rurais e urbanos mais pobres”. Mas, não tenho os dados empíricos. Não posso, entretanto, concordar com a generalização de que “Muitas, entretanto, adotaram a vida por opção própria”. Ou seja, talvez por única opção possível! As razões “underneath” a escolha não são declaradas, às vezes até inconscientes.
E sobre o argumento que legalizar a prostituição, assegura às profissionais o direito à assistência médica e aposentadoria. Ora, será necessário um homem e uma mulher se prostituir, vender seu corpo, no País para ter direito à assistência médica e aposentadoria?
Quero ver o empoderamento da prostituta ao se dirigir aos hospitais públicos para tratamento médico com base nessa lei. Posso imaginar ...
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